Empresas não respeitam limite de emissões de poluentes; vice-prefeita é ex-representante das indústrias
Por Danilo Queiroz | Edição: Mariama Correia, Agência Pública
Todos os dias, há 50 anos, partículas minúsculas de ferro invadem diariamente as casas em Vitória (ES). O pó preto, como os moradores chamam, atinge mais diretamente 11 bairros vizinhos da Samarco, Vale e ArcelorMittal, responsáveis pela emissão do poluente. Mas a poeira tóxica se espalha pelo ar e é respirada por milhares de pessoas, causando uma série de complicações de saúde na cidade.
O pó preto é uma mistura de partículas de minérios de ferro, carvão e outros metais pesados, que se espalha mais intensamente no processo de refino realizado pelas empresas. A contaminação da cidade pelo pó já motivou a abertura de uma CPI este ano, mas que ainda não teve desfecho. Ela é presidida pelo vereador Leonardo Monjardim (Novo), escolhido pelo prefeito reeleito Lorenzo Pazolini (Republicanos), que indicou outros três aliados como membros. Apesar de anos de denúncias dos crimes ambientais cometidos pelas empresas na cidade, Monjardim chegou a dizer que a “CPI não era necessária”.
O plano de governo do prefeito reeleito não cita nenhuma solução para o problema do pó preto. Pazolini, que recebeu apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha, também recusou responder ao Climômetro, projeto da Agência Pública que mede o compromisso de políticos com pautas climáticas.
Neste ano, no centro de Vitória, as estações de medição do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) registraram uma taxa média de quase 15 gramas de deposição do pó preto tóxico por metro quadrado ao mês. Isso está acima dos limites ambientais de 14 g/m² ao mês. A taxa é três vezes maior, se comparada ao mesmo mês do ano passado. No histórico, o pior índice foi em 2009, primeiro ano do sistema de medição estadual dos poluentes, quando a taxa bateu 18,77 g/m² ao mês.
Por que isso importa?
- A poeira tóxica emitida pelas empresas que refinam metais e carvão é um problema que há décadas prejudica a saúde dos moradores de Vitória, no Espírito Santo. Apesar disso, o plano de governo do prefeito Lorenzo Pazolini, que foi reeleito, não cita qualquer medida para resolver a questão.
“A gente sabe que poluem em excesso e prejudica bastante a nossa saúde. Mas boa parte do nosso sustento vem a partir delas [das empresas]. Ficamos entre uma boa qualidade de vida ou sem emprego, sabe?”, diz Damian Sadovsky, empresário, morador da Praia do Canto, bairro vizinho à Vale.
A engenheira Talita Guimarães mora com seus dois filhos na Ilha do Frade, um bairro de Vitória. Ela sofre com alergia respiratória por conta dos gases emitidos pelas empresas e pelo pó preto. “Aqui é muito pó de minério, tá insustentável”, reclama.
Ela conta que vai com frequência ao médico por conta das alergias. Seu filho de 15 anos tem problemas de pele causados por reações alérgicas aos poluentes e, todas as quartas-feiras, precisa tomar uma injeção para alergia. Na primeira semana de outubro, ela foi informada pela direção da escola onde estuda de que o garoto não estava conseguindo acompanhar as aulas porque estava com os olhos muito irritados.
No fim de setembro, as queimadas no país agravaram os problemas dos moradores de Vitória. O Núcleo de Pesquisa em Qualidade do Ar da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) concluiu que houve um aumento do pó preto na cidade. Analisando amostras de ar, os pesquisadores também concluíram que as crianças, ao inalar e ter contato com o pó preto, têm duas vezes mais chances de desenvolver câncer do que adultos que tiveram contato com o material.
Baseado nessas constatações da Ufes, na última semana de setembro, o Ministério Público de Contas do município solicitou ao Tribunal de Contas do estado uma fiscalização mais rígida dos compromissos ambientais firmados pela Vale e ArcelorMittal, relativos à qualidade do ar na região metropolitana da Grande Vitória, com intuito de colocar a proteção ambiental como prioridade para a Corte no próximo ano.
“Temos analisado que o desequilíbrio na orientação dos ventos, durante as estações do ano, tem aumentado a deposição do pó, por exemplo. Não dá para colocar a culpa disso apenas nas empresas, mas boa parte dos poluentes vem delas”, diz Elisa Goulart, uma das pesquisadoras da Ufes, que atualmente desenvolve estudos a respeito do plano de neutralização de gases do efeito estufa no Espírito Santo.
Empresas descumprem limites de emissões
Desde 2013, o Espírito Santo determinou limites de emissão de poluentes na cidade de Vitória. Porém, de lá para cá, além de as empresas descumprirem a legislação, não estão cumprindo também os Termos de Compromissos Ambientais (TCAs) estabelecidos pelo Ministério Público (MP). Os TCAs destinados à Vale e ArcelorMittal orientam que as empresas estabeleçam formas de compensação aos moradores afetados.
Em 2019, a ArcelorMittal foi multada em R$ 9 milhões pela prefeitura da Serra, município localizado a 30 quilômetros de Vitória, por “chuva” de pó preto no bairro Praia de Carapebus.
Este ano, foi instalada uma CPI para investigar crimes ambientais provocados pela Vale e ArcelorMittal na cidade. Uma audiência pública também foi realizada. “Há um relatório parcial em produção a passos lentos”, disse o vereador André Moreira (PSOL), que é vice-presidente da CPI e que solicitou a abertura da comissão. Moreira foi responsável pela criação da primeira lei municipal da cidade que determina os limites ambientais para o controle da qualidade de ar.
A Lei nº 10.011/2023 foi sancionada após uma série de pressões da sociedade civil, mas encontrou resistência entre industriais. A Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) expediu uma liminar solicitando a suspensão da lei, que foi acatada pela Justiça. Na época, a presidente da Findes era Cris Samorini, que deixou o cargo neste ano após aceitar o convite para ser vice-prefeita de Pazolini.
Ano passado, o MP notificou as mineradoras por ignorarem as recomendações previstas. Em 2019, inclusive, a ArcelorMittal foi multada em R$ 9 milhões pela prefeitura da Serra, município localizado a 30 quilômetros de Vitória, por “chuva” de pó preto no bairro Praia de Carapebus. Antes disso, em 2016, a Polícia Federal interditou as empresas por excesso de poluentes no ar e no mar.
“A CPI foi dominada por políticos alinhados com os interesses das empresas. Basta ver que o prefeito nomeou Leonardo Monjardim (Novo) como presidente da comissão, um vereador desinteressado com a causa. Não sendo suficiente, indicou da sua base aliada três membros. Foi muita pressão para que eu entrasse, mas é como se eu estivesse encurralado, enxugando gelo”, diz Moreira.
Durante as sessões, Monjardim se mostrou contrário à criação da CPI. Ele foi reeleito com 2.449 votos no primeiro turno, sendo o 16° vereador mais votado. Durante a campanha recebeu apoio nas redes sociais do deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS), que junto a outros 24 parlamentares gaúchos apresentaram projetos de lei flexibilizando legislações ambientais, após as enchentes no estado.
As discussões trazidas durante as sessões da comissão foram calorosas. Monjardim chegou a solicitar a retirada de ambientalistas e representantes de organizações ambientais atuantes na cidade contra o fim da emissão do pó preto.
Um deles é Eraylton Moreschi, 70 anos, presidente da Juntos SOS ES Ambiental. Membro há mais de anos do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Condema), ele critica a atitude do presidente da CPI. “Eu tenho o direito de manifestar minha repulsa contra a presença das empresas poluidoras. Porém, enxergo que isso deixa explícito o lado que o governo deseja proteger. Está claro que não somos nós moradores”, comenta.
A Juntos SOS ES Ambiental já protocolou denúncias contra as empresas emissoras do pó preto por danos ambientais. A ArcelorMittal também é denunciada também pela morte de peixes provocada pela solubilização do pó preto no oceano e descarte de substâncias tóxicas provenientes de aço no rio Santa Maria da Vitória
Empresas financiam políticos e associações de moradores
Não é de hoje que o problema do pó preto persiste em Vitória. Instaladas durante a ditadura militar, a Vale, a Samarco e a ArcelorMittal influenciaram a economia da capital capixaba, que se tornou a cidade com a maior atividade portuária do país, impulsionada pela produção das indústrias.
Políticos do Espírito Santo, que já foi governado por Paulo Hartung – atual conselheiro da Vale –, estão entre os mais beneficiados por doações da Vale. “Não importa se o candidato à prefeitura é de direita ou esquerda, as empresas que ditam o funcionamento na cidade, é o pó preto quem manda”, diz o vereador André Moreira (PSOL).
Há uma semana, a Vale inaugurou o Parque Costeiro em Jardim Camburi, em Vitória. O projeto faz parte das ações de recuperação da região norte da praia de Camburi previstas em um dos TCAs. “Suspeito que essa inauguração seja tão próxima do primeiro turno das eleições. O trágico de tudo isso é que tem crianças brincando com partículas de ferro misturadas com a areia do parque”, disse um representante de uma associação de um dos bairros próximos da empresa, que falou com a reportagem em condição de sigilo.
A Pública questionou a Vale sobre as denúncias de emissão de poluentes e sobre o parque. A empresa informou que “busca o desenvolvimento territorial das localidades onde atua e entende que o investimento social privado é uma forma efetiva de contribuir neste contexto”. Além disso, “a empresa está implantando seu Plano Diretor Ambiental, que conta com diversas ações para reduzir ao máximo a emissão de poeira e aprimorar a gestão hídrica na Unidade Tubarão, em Vitória (ES). As ações implantadas reduziram até a presente data cerca de 93% as emissões difusas de poeira emitidas pela empresa em relação a 2010”.
A ArcelorMittal também foi questionada, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. A Samarco também não enviou respostas.
A reportagem também procurou também a assessoria de imprensa do prefeito Lorenzo, mas não recebeu respostas.
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Imagem: Em 2024, as estações de medição do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos registraram uma taxa média de quase 15 gramas de deposição do pó preto tóxico por metro quadrado ao mês Foto: Polícia Federal