Projeto de Lei que busca a imediata proteção da reprodução humana e de crianças e adolescentes é vetado pelo governador Tarcísio de Freitas

Por Jeffer Castelo Branco, Mari Polachini, Rafaela Rodrigues da Silva

O chefe do poder executivo do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, vetou totalmente o projeto de Lei 1475/2023, que disciplina o uso do amálgama de mercúrio em todo o Estado de São Paulo, Brasil. O projeto, agora, volta ao poder Legislativo, que estudará o veto imposto pelo Governador, podendo aceitar os fundamentos, parciais e descabidos, e promover o arquivamento, ou então recusar o veto e promulgar, convertendo o projeto em Lei Estadual e provendo a proteção da saúde e do meio ambiente.

Três principais óbices foram apontados no texto do Governador, um foi a própria Convenção de Minamata. Por meio de uma leitura parcial, enviesada e ignorando todo o contexto da Convenção, sobretudo os termos da parte II do Anexo A, ele se fundamentou apenas na possibilidade de continuar usando o amálgama encapsulado para vetar totalmente a Lei. Ignorando até mesmo a proposta de proteção inicial para o público mais sensível ao mercúrio.

O segundo óbice foram as resoluções emitidas pela Anvisa com décadas de atraso e que não protegem de forma adequada a população e profissionais. Termômetros e esfigmomanômetros já estão sendo combatidos no Brasil há mais de uma década na Campanha “Saúde Sem Mercúrio”, desenvolvida pela Dra. Cecília Zavariz enquanto auditora fiscal do trabalho. E o uso das cápsulas é apenas uma maquiagem para justificar a continuidade do uso, mas que acarretam os mesmos problemas.

A Anvisa, em vez de regulamentar o amálgama tóxico pela via mais segura, a mais restritiva, vedando o uso em crianças, gestantes, dentes de leites e, em crianças até 15 anos, como determina a Convenção de Minamata, optou pela decisão menos segura, de apenas recomendar, além disso, não recomendou o não uso em crianças até 15 anos, limitando-se apenas aos dentes de leite desse público mais jovem.

Dessa forma, caberia ao Governo do Estado acatar a Convenção de Minamata e oferecer à população do Estado de São Paulo mais segurança na área da saúde, sobretudo a bucal, e não se eximir da responsabilidade que lhe cabia, já que a legislação federal está sendo omissa em oferecer a máxima proteção.

O terceiro óbice apresentado para não promulgar a Lei foi embasado em parecer da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, de que até o momento não há material no mercado com o custo, acesso, resistência e durabilidade comparáveis, o que não é totalmente verdade, principalmente do ponto de vista de uma contabilidade ambiental, social e econômica mais apurada.

No SUS em São Paulo, o uso do amálgama de mercúrio tóxico apresenta grande queda, representando apenas 6% de todas as restaurações, não havendo justificativa louvável para não vedar totalmente o uso, sobretudo para as populações vulneráveis.

E em, ao que parece, desfeita aos avanços conseguidos pela Convenção de Minamata, que trata de proteger a saúde humana e o meio ambiente dos impactos adversos do mercúrio e seus compostos, a Secretaria de Estado da Saúde alegou também que o amálgama de mercúrio está caindo em desuso devido às suas características estéticas ou por exigir maiores habilidades profissionais, e não porque é tóxico e um poluente global.

A Secretaria adotou totalmente o discurso do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, que, em carta enviada, pediu ao governador veto total do PL 1475/2023.

No texto da decisão de Tarcísio está também a negação tácita dos termos da Convenção de Minamata pelo Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, que ressaltou nessa carta enviada ao Governador, que não há evidências científicas significativas que associem danos à saúde do paciente ou do profissional, uma verdadeira afronta ao princípio da precaução. E esse mesmo Conselho informou ao governador que as normas técnicas existentes ainda fundamentam a possibilidade de continuidade da utilização do amálgama de mercúrio.

Sabemos da farta evidência científica dos males causados pelo mercúrio, um metal tóxico não essencial para o corpo humano; esse é o motivo da existência de uma Convenção Internacional assinada por cerca de 140 países e ratificada pelo Brasil em 2017. O mercúrio lançado pela ação humana já é mais um entre os maiores poluentes que ameaçam a saúde humana e ambiental.

Entre essas evidências dos males do mercúrio podemos citar a do relatório do Petit Comité do Parlamento Europeu, em que traz o mercúrio como um agente desregulador endócrino. De acordo com a OMS, “um desregulador endócrino é uma substância que altera a função do sistema endócrino e, consequentemente, causa efeitos adversos à saúde em um organismo sadio, ou em sua descendência”.

Estudo indica que pessoas negras têm menor chance de substituição de amálgama de mercúrio por restaurações de resina composta, em relação às brancas, assim como os indivíduos adultos com alto nível de escolaridade foram mais propensos a terem as suas restaurações posteriores de amálgama substituídas por resinas compostas. Esses dados podem estar manifestando uma velada injustiça socioambiental nos tratamentos dentários, inclusive na perspectiva do Racismo Ambiental, já que estamos falando de maior possibilidade de exposição química das minorias a um dos maiores poluentes do mundo.

O Governo de São Paulo e o Conselho Profissional de Odontologia do Estado negam a Convenção de Minamata, à medida que não atendem aos seus princípios e avanços. Conforme consta o item (V) da parte II do Anexo A, cabe aos Governos das Partes envolvidas incentivarem as organizações representativas de profissionais a educarem os profissionais odontólogos no uso de restaurações dentárias sem mercúrio e na promoção de melhores práticas de gestão.

Nesse caso, o que se constata é a existência de um Conselho negando a Convenção, o seu apoio institucional à proteção da população, inclusive a da que precisa do serviço público, e a do meio ambiente. Além disso, ainda age interferindo em proposta de lei que vai ao encontro de um tratado internacional, aconselhando, com autoridade institucional elitista, o Governo para não promulgar a Lei, uma verdadeira troca de papéis e competências, e contra as medidas protetivas aprovadas pelo corpo de Deputados da Assembleia Legislativa do Estado, os representantes da população.

O que se constata é um lobby pró mercúrio que se espraia pelos governos e repartições públicas, de uma parte influente de profissionais que, alinhados à ideologia da velha guarda, não está indo ao encontro das pautas populares e protetivas, por isso se mantém insensível ao fato de que é a população mais carente e periférica que vai continuar recebendo o tratamento com mercúrio, e assim, defende publicamente que o amálgama deve continuar devido ao SUS. Em resumo, aos menos abastados, mercúrio, enquanto os mais abastados, que podem, se utilizam das opções menos invasivas, mais seguras e estéticas das clínicas privadas.

Continuaremos sempre na busca da melhor, mais humanizada e justa proteção em saúde pública e coletiva!!!

Jeffer Castelo Branco, Mari Polachini, Rafaela Rodrigues da Silva integram a Coordenação da Aliança Mundial para a Odontologia Livre de Mercúrio no Brasil.

Referência

Dentistas, seus pacientes e o meio ambiente serão protegidos do mercúrio tóxico?

 

 

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