Prefeitura de SP nega superfaturamento e diz que obra de R$ 129 milhões segue “ritos legais”

Investigada por irregularidades, Ercan Construtora foi contratada para obra emergencial em talude na comunidade Morro da Lua, no Campo Limpo, sem licitação; empresa é ligada a ex-diretores do DER indicados por Milton Leite; décimo primeiro episódio da série Endereços detalha as obras emergenciais da prefeitura

Por Tonsk Fialho, em De Olho nos Ruralistas

De Olho nos Ruralistas publicou ontem o 11º episódio da série Endereços, sobre o poder em São Paulo. A reportagem, disponível no YouTube do observatório, mostra os contratos emergenciais firmados pelo prefeito Ricardo Nunes com a Ercan Construtora, empresa investigada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) por suspeita de irregularidades em contratos junto ao Departamento de Estrada e Rodagens (DER).

Ernaldo Caetano do Nascimento, sócio da construtora, possui relações próximas com diretores do DER e, a partir de 2022, durante a gestão Nunes, foi escolhido para realizar uma série de obras emergenciais em São Paulo, totalizando R$ 337 milhões em contratos. Uma única obra de contenção de talude no Morro da Lua, no Campo Limpo, foi orçada em R$ 129 milhões. O valor equivale a 70% do orçamento da Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) para moradia popular.

Após a publicação do vídeo, a prefeitura de São Paulo, através de sua Assessoria de Imprensa, enviou resposta afirmando que “as contratações de obras emergenciais seguem todos os ritos legais vigentes, atendendo integralmente os requisitos exigidos”. A nota indica que “não há qualquer hipótese de superfaturamento nas obras, uma vez que os orçamentos são baseados na tabela pública de custos da Siurb [Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras]”. A íntegra está disponível aqui e no final da reportagem.

Confira o vídeo abaixo:

MILTON LEITE DIZ NÃO CONHECER EMPRESA E NEGA INDICAÇÃO NO DER

A migração da Ercan Construtora da esfera estadual para a municipal se deu no fim da gestão de Rodrigo Garcia (PSDB). Um mês antes de assinar seu primeiro contrato com a prefeitura de São Paulo, Ernaldo Caetano doou R$ 100 mil para o diretório municipal do União Brasil, controlado pelo presidente da Câmara, Milton Leite, aliado do atual prefeito.

O vereador era responsável pelas indicações políticas no DER à época dos contratos da Ercan. Junto ao órgão estadual, a Ercan Construtora recebeu R$ 114 milhões em contratos sem licitação. Segundo o Metrópoles, Caetano é amigo pessoal de Paulo César Tagliavini, superintendente do DER e ex-chefe de gabinete de Milton Leite. O empresário ainda é sócio de Adevilson Maia, ex-diretor de engenharia do departamento, em uma empresa de criação de gado.

Em resposta à reportagem, Leite afirmou não ter relação com a Ercan. “Não conheço a empresa, não tenho nenhuma relação com ela”, informa o texto. Sobre a nomeação de seu ex-funcionário para a superintendência do órgão, o vereador diz não ter participação na escolha. “Paulo César Tagliavini é uma escolha da administração”, concluiu.

Atualmente, Tagliavini é conselheiro de administração da SPTrans, empresa pública de transportes ligada à prefeitura de São Paulo.

TCM APONTA “EMERGÊNCIAS FABRICADAS” EM CONTRATOS SEM LICITAÇÃO

Sob a gestão Nunes, os negócios da Ercan vão de vento em popa. Apenas no ano passado foram R$ 223 milhões em contratos emergenciais firmados, sem licitação, com a prefeitura.

Em 2022, a empresa foi investigada em um relatório de auditoria do Tribunal de Contas do Município (TCM) que buscava apurar um suposto superfaturamento de R$ 14,5 milhões em uma obra de contenção e passarela na rua Nossa Senhora Aparecida, no Jaçanã, zona norte da capital. O valor total do contrato era de R$ 44 milhões. No documento, o TCM fala em “emergências fabricadas” pela prefeitura para possibilitar as contratações sem licitação.

Menos de dez meses depois, em maio de 2023, a Ercan foi escolhida para realizar obras de contenção e drenagem, no mesmo local, conforme constatou este observatório. Segundo os moradores, que não quiseram gravar entrevista, a obra se tratou apenas de uma escada. O valor do segundo contrato foi de R$ 31 milhões de reais.

Em relação às obras sobrepostas, a prefeitura afirma que “a empresa Ercan já contava com canteiro de obras no local e ficou responsável pela execução, o que gerou economia aos cofres públicos”. Sobre o relatório do TCM indicando superfaturamento no primeiro contrato, a prefeitura se limitou a dizer que “a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras respondeu aos questionamentos em outubro de 2023 e aguarda manifestação do órgão”.

OBRA DE CONTENÇÃO DE TALUDE REPRESENTA 70% DO ORÇAMENTO DA COHAB

No Campo Limpo, zona sul de São Paulo, um dos principais redutos eleitorais de Milton Leite e Ricardo Nunes, a Ercan Construtora foi escolhida, em agosto do ano passado, para realizar uma obra de R$ 129 milhões em caráter emergencial. A obra de contenção de talude tem o objetivo de impedir um deslizamento de encosta na comunidade Morro da Lua.

O valor pago para a Ercan representa o triplo do orçamento da subprefeitura de Campo Limpo. Ou 70% do orçamento da Companhia Metropolitana de Habitação, a Cohab, para a construção de moradia popular em toda a capital.

Morro da Lua é uma ocupação com 6.600 famílias que surgiu há quase 40 anos. Localizada a menos de 100 metros de um gasoduto da Transpetro, a área possui moradias de estrutura precária. Em entrevista ao De Olho nos Ruralistas, a presidente da Associação da Comunidade Morro da Lua, Olga Próspero, afirma que os moradores já foram alvo de ação policial para remoção das moradias e que, na falta de ter pra onde ir, tiveram de lutar pela obra de contenção.

O município de São Paulo tem 200 mil moradias em áreas de risco e um déficit habitacional de 400 mil casas. Nunes prometeu 49 mil moradias de interesse social até o fim do mandato. Até o momento, foram entregues apenas 34 mil.

Em resposta às perguntas da reportagem quanto às obras no Morro da Lua, a prefeitura afirmou que as obras estão em fase final, com conclusão prevista para este mês, e foram executadas após a Defesa Civil atestar o risco de deslizamento da encosta, o que colocava em perigo as moradias, além das torres de transmissão de energia e das tubulações da Transpetro.

CONFIRA A RESPOSTA DA PREFEITURA

A Prefeitura de São Paulo informa que as contratações de obras emergenciais seguem todos os ritos legais vigentes, atendendo integralmente os requisitos exigidos.  Não há qualquer hipótese de superfaturamento nas obras, uma vez que os orçamentos são baseados na tabela pública de custos da SIURB, utilizada amplamente pelo mercado e atualizada semestralmente pela FIPE. As obras na região do “Morro da Lua” estão em fase final (conclusão prevista para este mês) e foram executadas após a Defesa Civil atestar o risco de deslizamento da encosta, o que colocava em perigo as moradias, torres de transmissão de energia e também tubulações da Transpetro. A empresa contratada apresentou o maior desconto na execução dos serviços e atestado de capacidade técnica e financeira para iniciar a obra de imediato.

Sobre as obras na Rua Nossa Senhora Aparecida, a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB) afirma que o território apresentou situações de risco em momentos distintos e,  na impossibilidade legal de aditamento de contratos emergenciais, uma nova contratação foi necessária. A empresa Ercan já contava com canteiro de obras no local e ficou responsável pela execução, o que gerou economia aos cofres públicos.

Sobre o relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM), a SIURB respondeu aos questionamentos em outubro de 2023 e aguarda manifestação do órgão.

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): obra de talude de R$ 129 milhões foi contratada sem licitação.

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