Movimentos sociais divulgam Nota sobre os assassinatos de trabalhadores na Fazenda Mutamba, em Marabá/PA

Por Instituto José Cláudio e Maria
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)

Nesta segunda-feira (14), movimentos sociais de Marabá/PA emitiram uma Nota em que pedem esclarecimento do governo do Estado do Pará e demais autoridades a respeito do assassinato de trabalhadores acampados na fazenda Mutamba, durante a operação Fortis Status, deflagrada pela Policia Civil de Marabá/PA na sexta-feira (11), às 04h da manhã.

Mesmo com a declaração do encerramento da operação, a situação continua tensa na região. Viaturas da polícia permanecem no local e um helicóptero da própria Segurança Pública do Estado sobrevoa o território, intimidando os acampados ao apontar armas e câmeras para as casas.

Trabalhadores e trabalhadoras seguem recuados sob um barracão de palhas com diversas redes atadas. Entre as famílias, há crianças, mulheres e idosos. A Ouvidoria Agrária Nacional do MDA esteve no acampamento durante o sábado (12), e colheu depoimentos de vítimas e testemunhas da operação, para exigir respostas e ações dos órgãos competentes.

Mesmo com a polícia no local, relatos falam que os pistoleiros da fazenda, chamados pelos policiais de “guarda armada”, seguem circulando livremente do território.

Na manhã do domingo (13), aconteceu a audiência de custodia dos 4 presos, sendo 2 deles defendidos pela Defensoria Pública e os outros dois por advogados particulares. A Comissão Pastoral da Terra segue acompanhando o caso dos assassinatos e dos feridos, junto com representantes do Incra, como a OAB, Incra, Comissão Estadual de Direitos Humanos do Pará (CEDH-PA) e o Instituto José Cláudio e Maria.

Relato da operação Fortis Status

A operação tem ligação com denúncias de crime ambiental supostamente cometidos pela Associação Rural Terra Prometida, de venda ilegal de madeira, roubo de gado e outros crimes, o que não foi comprovado nem encontrado na chegada das dezenas de policiais em várias viaturas e dois helicópteros.

Todo este movimento aterrorizou os trabalhadores quando ainda estavam dormindo, e deixou, além do saldo de dois mortos, diversos feridos. Na tarde da sexta-feira (11), dois corpos foram reconhecidos no IML de Marabá, como sendo de Adão Rodrigues de Sousa (52 anos) e Edson Silva e Silva (44). Relatos afirmam que Adão foi morto dentro de sua rede enquanto dormia.

Além dos assassinatos, os trabalhadores contam que foram torturados, enforcados e humilhados, recebendo ferimentos a bala e violência psicológica. Quatro deles foram presos. A presença de drones e de um helicóptero também aterrorizou a comunidade, o que refuta a versão policial em diversos pontos, como a de que houve embate com os trabalhadores, e de que estes receberam a polícia “fortemente armados”.

A informação de 5 mortos segue sem confirmação, pois os moradores falam do desaparecimento de um companheiro conhecido como “Cuca”. Bens e documentos pessoais de diversos trabalhadores também foram apreendidos, na informação de que serão devolvidos nesta terça-feira (15), com exceção dos telefones celulares.

As vítimas de tortura e ferimentos de bala relatam a truculência com a qual foram tratados durante a operação e dizem que os policiais chegaram encapuzados, armados e sem identificação. Ainda acrescentam que os policiais chegaram a pé em um barracão do acampamento, deixando a viatura no meio da estrada, e um deles estaria com uma espingarda de não uso policial.


Baixe a nota também neste link.

NOTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE OS ASSASSINATOS DE TRABALHADORES NA FAZENDA MUTAMBA EM MARABÁ

Adão Rodrigues de Sousa, 53 anos, casado, pai de 05 filhos e, Edson Silva e Silva, foram assassinados na madrugada da última sexta-feira, por policiais civis da Delegacia de Conflitos Agrários de Marabá, chefiado pelo delegado titular, Antônio Mororó. De acordo com as apurações feitas pelas entidades através da coleta de depoimentos de vários sobreviventes, há indícios claros de que se tratou de um crime premeditado.

O delegado com seus comandados chegou ao local onde ocorreram os crimes, por volta das quatro horas da manhã. Cerca de 18 trabalhadores se encontravam dormindo em redes em um barracão coletivo, dois deles já estavam acordados preparando um café, quando foram surpreendidos com os gritos dos policiais “perdeu, perdeu”, seguido de rajadas de tiros. No desespero e na escuridão cada um tentou escapar como pôde dos tiros. O resultado foram dois mortos, vários feridos a bala e quatro presos.

Com base nos depoimentos, a alegação do delegado de que os policiais foram recebidos a tiros não tem qualquer fundamento. Surpreendidos com rajadas de tiros naquela hora da madrugada e na escuridão, não houve qualquer chance de se defenderem, mesmo que tivessem um arsenal de armas. Só deu tempo de correr para escapar da morte. E os quatro que foram presos porque não foram assassinados? Ainda de acordo com os depoimentos, o delegado precisava de confirmação do álibi do confronto. Os quatro presos relataram que não tiveram tempo de correr, se jogaram no chão com as mãos na cabeça. Dominados pelos policiais, foram colocados ao lado dos dois mortos e o que se seguiu foi uma sessão de torturas até o dia clarear. Sob as ordens de Mororó foram obrigados a dizerem o que o delegado queria ouvir. Se não confirmassem, com o cano de fuzil encostado no ouvido, eram ameaçados de execução imediata. A comprovação das torturas está registrada nos exames de corpo e delito feito pelo IML. Com base nos relatos, o juiz que presidiu a audiência de custódia, encaminhou os termos para a corregedoria da Polícia Civil.

A alegação do delegado de que se tratava de uma operação para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão era apenas um pretexto, na verdade, para cometer uma sucessão de crimes. O barracão onde os trabalhadores se encontravam ficava a menos de um quilômetro da sede da fazenda. As viaturas foram deixadas na sede e os policiais seguiram a pé. Divididos em dois grupos, um deles, chefiado por Mororó, seguiu para o barracão mais próximo onde ocorreram as mortes, tentativas e torturas. Ele previa que as principais lideranças do grupo se encontrassem ali. Um segundo grupo de policiais seguiu para um barracão mais afastado. Ali dominaram cerca de seis trabalhadores, entre eles uma mulher, que se encontravam no local, usaram de violência contra eles, mas não atiraram em ninguém. Um dos policiais colocou uma faca no pescoço de um jovem, filho da senhora que se encontrava no local e o ameaçou de morte caso não dissesse onde se encontrava o coordenador do grupo.

O discurso divulgado pelo delegado Mororó e incorporado pelo Secretário de Segurança Pública do Estado é que se tratava de uma organização criminosa fortemente armada, envolvida em venda ilegal de madeira, roubo de gado e outros crimes. O resultado da operação que envolveu dezenas de policiais, várias viaturas, dois helicópteros, foi a apreensão apenas de 7 espingardas cartucheiras e algumas munições. Nenhuma arma pesada, nenhuma motosserra, nenhum caminhão de madeira, nenhum gado roubado, nada mais. Dos quatro trabalhadores presos, nenhum deles tinha mandado de prisão e só um tinha condenação pela justiça. Os dois mortos também não tinham prisões decretadas e nem passagem pela polícia. Ou seja, a operação, nessa perspectiva, foi uma farsa. Não estamos dizendo que não tenha, entre os ocupantes, pessoas envolvidas em algum tipo de crime, mas, essas pessoas têm que serem presas conforme a lei determina e não executadas.

A operação criminosa chefiada pelo delegado Mororó, teve o mesmo modus operandi de uma outra ocorrida na fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco em 2017. Ali, sob o pretexto de cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra criminosos, a polícia civil e militar assassinou friamente 10 trabalhadores, no que ficou conhecido como o massacre de Pau D’Arco.

O delegado Mororó não esconde para ninguém suas relações viscerais com os latifundiários da região. Qualquer chamado desse grupo ele está pronto a atender. Qualquer tentativa de novo acampamento ele chega junto com os fazendeiros para dissolver, inclusive em locais fora das áreas de fazendas particulares. No caso do acampamento Terra e Liberdade do MST em Parauapebas, os fazendeiros o arrolaram como sua testemunha na audiência de justificação da ação possessória. Por outro lado, quando se trata de apurar assassinatos de trabalhadores o delegado não tem o mesmo interesse. Conforme dados da CPT, nos últimos 10 anos, 15 assassinatos ocorreram na área de atribuição da DECA de Marabá, sendo que a autoria das mortes não foi esclarecida. Na verdade, a Delegacia de Conflitos Agrários se transformou em delegacia de proteção ao latifúndio.

Por seu lado, o Judiciário paraense, que, conforme dados da CPT, nas últimas quatro décadas, só conseguiu concluir 19% dos processos criminais que apuram assassinatos no campo no Pará, não tem adotado as cautelas necessárias na expedição dos mandados de prisão, busca e apreensão em áreas de conflitos rurais. No caso da Fazenda Mutamba, a juíza da 1ª Vara Criminal de Marabá, autorizou a busca e apreensão em “barracos de madeira na vicinal três, entre João Lobo e Balão. Barracos localizados na divisa do Projeto de assentamento Porto Seguro e Fazenda Mutamba”, além de outros endereços, sem estabelecer critérios mais objetivos para o seu regular cumprimento. Com esse tipo de mandado em mãos, o delegado poderia entrar em mais de uma centena de casas dos moradores que residem nessas localidades com a truculência que lhe é característica.

Em relação à atuação da Vara Agrária de Marabá, o retrocesso é cada vez maior. O juiz Amarildo Mazutti, tem deferido liminares e proferido sentenças em áreas públicas federais e estaduais, áreas objeto de grilagem, áreas que não cumprem com a função social, áreas em processo de aquisição pelo INCRA, etc. Fato é que se acumulam mais de 40 liminares/sentenças para serem cumpridas envolvendo quase 10 mil famílias só na região sudeste do Estado, se forem realmente efetivadas teremos um verdadeiro caos na região. No caso da fazenda Mutamba, embora a ocupação seja anterior à pandemia, o juiz autorizou o despejo das famílias sem que o processo passasse pela Comissão de Soluções Fundiárias do TJPA, foi preciso a Defensoria Pública do Estado do Pará acionar o STF para que o juiz cumprisse com essa obrigação.

No caso do Ministério Público não percebemos uma correta fiscalização da atividade policial quando se trata dessas operações em áreas de conflitos coletivos no meio rural. Não sabemos se a Promotoria Agrária abriu algum procedimento para apurar o ocorrido. Fato que era comum quando essa função era ocupada por outras promotoras.

A fazenda Mutamba, de propriedade da família Mutran, se assenta sobre um antigo castanhal que foi desmatado para formação de pastagem. Há ainda suspeita de terra pública em parte do complexo. Já foi flagrada com trabalho escravo no início dos anos 2000 e, atualmente é ocupada por três grupos de famílias sem-terra com organização independente.

Por fim, a pergunta principal é: O assassinato dos dois trabalhadores, as tentativas de homicídios e as torturas serão investigadas ou vão ficar impunes? Até agora nada sabemos. O Governador e o Secretário de Segurança Pública não disseram uma palavra sobre a investigação das mortes. A julgar pela última chacina ocorrida em São Félix do Xingu em 2020 onde o ambientalista Zé do Lago, sua esposa e filha foram assassinados e até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes, o resultado pode ser o mesmo.

Essa denúncia será encaminhada ao Governador do Estado, ao Procurador Geral do Ministério Público, aos Ministros da Justiça e da Reforma Agrária e, ficaremos no aguardo de respostas concretas.

Marabá, 14 de outubro de 2024.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura – FETAGRI.

Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar – FETRAF.

Comissão Pastoral da Terra – CPT.

Instituto José Cláudio e Maria – IZM.

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH.

Coletivo Veredas.

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