Uma ala do hospital paulista foi fechada, com a promessa de que haveria uma grande ampliação. Uma década depois, nada mudou. Servidores protestam pelo atraso, além do desmantelamento geral de um dos serviços de referência em infectologia no Brasil
por Gabriel Brito, Outra Saúde
Em São Paulo, servidores do Instituto de Infectologia Emílio Ribas prepararam um protesto inusitado: um desaniversário de uma promessa de ampliação do hospital, feita pelo governo do estado em 2014. “Montaram um plano de reforma que consistia em fechar uma das alas do hospital. Operávamos com 192 leitos e, na época, esse número caiu pela metade, em torno de 100. A promessa era que, ao final da obra, chegaríamos a 300 leitos e um hospital totalmente novo, maravilhoso. Mas não passamos da promessa em 10 anos. Por isso fizemos uma manifestação em comemoração a este aniversário, cantando parabéns e bolo”, sintetizou a médica Claudia Mello.
Liderança da Associação dos Médicos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (AMIIER), Claudia contou ao Outra Saúde os detalhes de mais esta história representativa do modo de governar em sociedades dominadas pela agenda neoliberal. Apesar da fartura financeira do estado mais rico da nação, tudo é feito a toque de caixa e com evidente sentido de precarização.
O hospital opera, na prática, com algo em torno de 20% da capacidade prometida. Referência de tratamento de doenças infectocontagiosas, como HIV e covid-19, deveria receber atenção especial, mais ainda com a explosão dos casos de dengue verificada neste ano no Brasil. Cansados de esperar, os profissionais fizeram um protesto na última terça e exigiram celeridade, entre outras coisas, na efetivação de aprovados em concurso e fim de desnecessárias terceirizações.
“O concurso foi para médicos infectologistas, médicos especialistas, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistente social, farmacêutico, tudo o que você puder imaginar. Tal concurso está vigente, uma primeira leva foi chamada, mas a gente segue com leitos prontos, reformados, sem RH”, explicou Claudia.
A resposta do governo estadual e sua secretaria de saúde, comandada por Eleuses Paiva, é medíocre. Em vez de agilizar a efetivação dos concursados, amplia-se o tempo de contrato precário. E algumas alas já prontas não funcionam porque equipes de enfermagem não foram montadas. Dessa forma, a líder do movimento indaga se novos protestos serão necessários daqui a dois meses.
“Cada passinho do concurso é um perrengue. A última vitória tinha sido a nomeação dos 51 técnicos de enfermagem, e havia uma promessa da diretoria que iam ser abertos os 8 leitos da minha enfermaria e mais 2 leitos de UTI. Enxugamos gelo, porque sempre dão essa resposta. Tivemos epidemia de dengue e os leitos estavam fechados. Após reunião com o Ministério Público, o governo do estado contratou enfermeiros e técnicos através de um contrato emergencial, abriu 28 leitos de enfermaria e 10 leitos de UTI”, conta, indignada com a insistência nos contratos precários enquanto concursados esperam há anos pela sua convocação.
Além do debate mais objetivo em relação à contratação e entrega das obras, Claudia aponta o erro estratégico no contexto da pandemia, uma vez que a pressão sobre o SUS voltou a assombrar a saúde pública paulista em razão da emergência da dengue. “Por que em plena pandemia fizeram um hospital de campanha no Pacaembu? Era só equipar para sempre esses leitos em vez de ficar com os provisórios”.
O desmonte ideológico
Se é certo que o governo de Tarcísio de Freitas deu pouca atenção à questão, o acúmulo de erros das gestões anteriores é semelhante e apresenta um padrão de desprestígio ao público, enquanto as privatizações e terceirizações correm soltas. Por fim, a própria direção do hospital parece apática na luta pela emblemática instituição, o que parece inexplicável aos olhos do movimento de funcionários do Emílio Ribas.
Passadas as eleições e a vontade de certos grupos políticos mostrarem serviço, o momento é de apreensão pelo futuro próximo. Os avanços são lentos e não dão conta das crescentes necessidades em saúde de uma população cada vez mais afetada por doenças respiratórias, uma dura consequência de todo um modo de vida que caminha para a exaustão.
“Não faz o menor sentido a paralisação das obras por razões econômicas. Queremos a contratação desses profissionais concursados para o Emílio Ribas, que estão só esperando a nomeação. O segundo pleito é o fim da obra, que já tem 10 anos. E agora dão mais três anos de prazo, que não sei se será cumprido”, lamentou Claudia Mello.
Na última terça, os funcionários caminharam do hospital até a secretaria de saúde com cartazes de protesto e roupas pretas pelo “desaniversário”. Grupos de pessoas que tratam doenças no Emílio Ribas também estiveram presentes. Ninguém foi recebido pelo secretário estadual do governo Tarcísio de Freitas. Em silêncio, o governo pensa em privatizar o hospital – o que não dialoga com o desejo de funcionários e associações de usuários de seus serviços, como a dos pacientes de HIV/aids, que enviaram ofício à secretaria em junho. Após dez anos, o desmantelamento do Emílio Ribas se evidencia como projeto.
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Imagem: Em 22/10, funcionários do Emílio Ribas caminharam em protesto do hospital até a secretaria de Saúde, chamando atenção para os 10 anos de uma reforma sem fim – Reprodução Outra Saúde