CPI da Covid: 3 anos sem respostas

Os conselhos nacionais de Direitos Humanos e de Saúde apresentam à PGR mais uma representação para que haja punição aos responsáveis por mais de 700 mil mortes na pandemia. Alertam: não se pode esperar a prescrição desses crimes

por Marina Dermmam e Fernando Pigatto, em Outra Saúde

Durante a pandemia de covid-19, dezenas de petições criminais foram apresentadas por parlamentares, partidos políticos e entidades sociais, apontando a necessidade de investigar, processar e punir crimes contra a saúde pública, entre eles a suposta disseminação intencional da doença por autoridades federais. No mesmo sentido, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal sobre a covid-19, após meses de trabalho com notável repercussão nacional, recomendou o indiciamento de mais de 60 pessoas físicas e jurídicas, entre elas o então presidente da República Jair Bolsonaro e ministros de Estado.

Três anos após a entrega do relatório final da CPI da Covid, diante da ausência de resposta do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Nacional de Saúde apresentaram à Procuradoria Geral da República uma nova representação criminal dedicada ao tema.

O documento inova pela autoria, de órgãos do Estado brasileiro com longa e reconhecida trajetória na defesa do Estado de Direito e da democracia. Mas inova sobretudo pela perspectiva da saúde pública, ao trazer conhecimentos técnicos indispensáveis da área, graças aos subsídios fornecidos pelo Centro de Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Universidade de São Paulo, com o apoio da Conectas Direitos Humanos.

Quando a CPI da Covid concluiu seu relatório, o Brasil ultrapassava o número de 600 mil mortos pela doença, quando a média mundial de óbitos por país não passava de 130 mil. O mundo esperava do Brasil uma das melhores respostas à pandemia, em razão da existência do Sistema Único de Saúde (SUS), referência internacional em políticas públicas exitosas de controle de epidemias, orientadas por evidências científicas, entre elas o programa nacional de imunizações. No entanto, há consenso entre especialistas internacionais na constatação de que a resposta brasileira foi catastrófica, com a morte evitável de centenas de milhares de pessoas.

Nossa representação destaca expressivos indícios de que o governo federal da época disseminou a covid-19 por meio da falsa tese da “imunidade de rebanho por contágio” e do também falso “tratamento precoce” para a doença, como estratégia de encorajamento à infecção massiva da população. Este comportamento persistiu mesmo diante do número de mortos, das evidências de reinfecção pela doença e da comprovação científica da ineficácia do tratamento precoce para a doença. Persistiu, ainda, diante da resistência de setores da sociedade e do Estado que denunciaram incansavelmente estas condutas. A representação demonstra a possível motivação eleitoral e econômica da estratégia federal.

A difusão sistemática de desinformação, a incitação constante à desobediência de normas sanitárias, a organização de aglomerações massivas em momentos de pico da pandemia e o descumprimento de deveres legais fundamentais da União para o controle da doença são algumas das numerosas condutas que foram naturalizadas durante a pandemia como se fossem parte legítima do jogo político. Alertamos para o fato de que a demora na apuração destas condutas traz o risco de prescrição dos crimes praticados, com a consequente impunidade definitiva dos eventuais criminosos.

Por meio desta Representação, os conselhos também cumprem o dever de preservar a memória das centenas de milhares de vítimas da covid-19, inclusive trabalhadores da saúde e de atividades essenciais; e de defender os direitos de seus familiares, assim como dos milhões de brasileiros que continuam sofrendo os efeitos persistentes da doença.

Por fim, a Representação dos conselhos aponta o perverso legado da impunidade dos crimes da pandemia. A desinformação massiva sobre saúde segue sendo praticada cotidianamente, inclusive com motivação eleitoral e ideológica. Caso prevaleça a impunidade, as autoridades sanitárias serão cada vez mais desacreditadas, e a população brasileira estará cada vez mais desprotegida diante das crises sanitárias.

Foto: Alex Pazuello/Semcom/Prefeitura de Manaus

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