Seca volta a colocar SP sob o risco de desabastecimento. Mas, agora voltada para o lucro, empresa despreza até o sucesso que alcançou há dez anos, ao premiar quem fazia o uso racional da água. Governo estadual insiste em paliativos. Sabesp lava as mãos
por Rôney Rodrigues, em Outras Palavras
A crise hídrica que o estado de São Paulo enfrenta atualmente é preocupante, e as medidas tomadas até o momento parecem insuficientes. A preocupação aumenta com a perspectiva das previsões climáticas de falta de chuvas nos próximos meses, pois continuarão a baixar os níveis dos reservatórios que abastecem dezenas de milhões de paulistas, apesar dos investimentos realizados durante a crise de 2013/15 que visaram aumentar a resiliência dos sistemas produtores de água e favoreceram principalmente o Sistema Cantareira.
A Sabesp, responsável pelo fornecimento de água para 374 municípios, tem declarado que não há risco de desabastecimento, entretanto a grande dimensão da seca deste ano deixa essa afirmação um tanto otimista se forem adotadas apenas medidas de manejo da oferta.
No momento a agência reguladora ARSESP e a Sabesp trabalham em ações de comunicação para manter a população informada sobre a situação da estiagem e as medidas emergenciais adotadas. Uma série de iniciativas já estão em prática com grande abrangência, compreendendo tanto a Região Metropolitana de São Paulo, a Baixada Santista e o Litoral Norte. O Governo de São Paulo lançou campanha de conscientização do consumo consciente de água, com a mensagem “economize água, gota por gota, todos por todos”, uma ação que convida os consumidores a uma reflexão sobre o desperdício e o impacto que representa uma goteira de água pingando. As peças publicitárias estimulam o fechamento da torneira enquanto se escova os dentes, se lavam louças, bem como ressaltam a importância de banhos mais curtos e o uso de baldes para melhor controle da quantidade de água durante a limpeza.
Estas peças de propaganda, no nosso entendimento, são paliativas e evidenciam a inação do governo em adotar ações efetivas e abrangentes para combater uma crise hídrica severa. Até agora, a única alternativa que parece estar sendo considerada de forma concreta é o controle da oferta de água, ou seja, a restrição no fornecimento. Contudo, essa abordagem tem enfrentado grandes dificuldades de aceitação por parte da população, que resiste a medidas como racionamento e cortes periódicos no abastecimento, provocando relutância política na adoção de medidas preventivas que devem ser tomadas.
Diante desse cenário, uma medida mais eficaz e equilibrada seria a adoção de uma tarifa de contingência para a água, que funcionaria como um mecanismo de incentivo econômico para a redução do consumo utilizado.
A Sabesp já utilizou este mecanismo durante a crise hídrica de 2013/15. Na sua primeira fase, iniciada em fevereiro de 2014, a Tarifa de Contingência foi concebida como um mecanismo de gestão da demanda, por meio do Programa de Incentivo à Redução do Consumo de Água (PIRCA), que utilizava um sistema de bônus com faixas de bonificação. Isto é para os usuários cujo consumo mensal fosse reduzido em 20% ou mais da média apurada entre os meses de fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 receberia um desconto de 30%, entre 15% e 20% o desconto era de 20%, e entre 10% e 15% a redução era a 10% na conta.
Não obstante a adoção do PIRCA tivesse a adesão de 76% da população, em novembro de 2014 observava-se que apesar da crise de abastecimento alguns usuários continuavam mantendo consumos superiores à média do período de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014, usada como referência no PIRCA. Diante desse quadro, verificou-se a necessidade de implantação de uma nova medida, para abranger usuários que não aderiram às medidas implementadas de incentivo à redução de consumo. Optou-se por incluir no PIRCA as tarifas de contingência, para desestimular o consumo mensal de água ao nível superior à média do consumo mensal no período de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014.
Na segunda fase do PIRCA, implementada a partir de janeiro de 2015, os consumidores que utilizassem água acima da meta estipulada no programa, estariam sujeitos a uma Tarifa de Contingência (ônus) correspondente a: 40% de acréscimo sobre o valor de consumo de água, aplicável a quem excedesse em até 20% a sua média; ou 100% de acréscimo sobre o valor de consumo de água, aplicável a quem excedesse a mais de 20% dessa média.
A economia mensal de água ajudou, dentre várias outras ações, a reduzir a captação de água nos reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo da ordem de cinco a seis mil litros por segundo, o que corresponde a um volume economizado que varia entre 13 e 15 bilhões de litros de água por mês.
Durante os anos de 2015 e 2016 foram arrecadados cerca de 724 milhões de reais com a aplicação da tarifa de contingência. Entretanto, este montante não foi suficiente para contrabalançar os 1,1 bilhões de reais pagos como bônus de incentivo a redução do consumo. O resultado entre receitas e gastos da tarifa foi negativo da ordem de 389 milhões de reais.
Como se pode observar, ao contrário do simples controle da oferta por meio de racionamento, essa forma de cobrança permite uma melhor gestão dos recursos hídricos ao criar uma relação direta entre o volume consumido e o custo. Assim, consumidores que utilizam mais água seriam diretamente penalizados financeiramente, o que os estimularia a diminuir o consumo, enquanto aqueles que já fazem uso racional seriam beneficiados com um bônus indutor para que também diminuam seu consumo.
Pode-se afirmar que o modelo de tarifa contingente tem incentivos mais eficazes do que as bandeiras tarifárias que atualmente são aplicadas no setor elétrico. No caso das bandeiras, o aumento nos custos ocorre de maneira coletiva, independentemente do comportamento individual dos consumidores, o que gera menor estímulo para que as pessoas mudem seus hábitos de consumo. Já a tarifa contingente seria uma medida mais justa e segmentada, pois a variação no preço da água refletiria diretamente o consumo individual de cada família ou empresa, criando uma consciência de economia de recursos.
Portanto, ao adotar uma tarifa contingente, o governo de São Paulo poderia não apenas combater a crise hídrica de maneira mais eficiente, mas também promover uma mudança cultural importante na forma como a população lida com o consumo de água. Conforme demonstram os fatos, essa medida teve um significativo impacto durante a crise de 2013/15 e gerou uma expressiva redução no consumo per capita que perdurou por quase dez anos.
Naquela ocasião, a Sabesp foi autorizada pela ARSESP a adotar a tarifa de contingência. No momento nosso entendimento é que, com a privatização da Sabesp e a contratualização das tarifas, retirando em grande parte o poder discricionário da ARSESP, esta iniciativa cabe à Sabesp. A falta de decisão da empresa em tomar essa iniciativa parece indicar que, sob a lógica privada de prestação de serviços, a adoção desta medida receba uma baixa prioridade devido ao seu alto custo de implementação.
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Foto: Canva