Embates na saúde pública tem sido duros – mas não é preciso desespero ou derrotismo. Construção coletiva e comunitária, de onde o SUS sempre tirou sua força, será mais uma vez a resposta para os desafios
Por Túlio Batista Franco, em Outra Saúde
O Brasil debate o Brasil. As eleições municipais recentes estão sendo amplamente discutidas. Independente das opiniões circulantes, estamos vivendo um momento de intensa disputa pelos rumos do país, que poderá conhecer contornos dramáticos no futuro próximo. Urge produzir um engajamento orgânico entre uma proposta política para o futuro e a maioria da população. Um país que seja libertário, livre de todo tipo de preconceito, que admita a diferença como constitutiva da paisagem humana, socialmente justo. Um mundo que caiba todos os mundos dignamente.
O movimento sanitário, que tem a Frente pela Vida como núcleo aglutinador, há 4 anos e meio assume um importante protagonismo na vida nacional. Após o enfrentamento intenso e cotidiano na pandemia, elaborou uma política de saúde para disputar as eleições em 2022, mobilizou entidades e movimentos do país inteiro em apoio à candidatura do presidente Lula e discutiu com a então Comissão de Transição do Governo, na área da saúde, soluções para o SUS. Foi contra incluir o orçamento da saúde no “arcabouço fiscal”, e vê com imensa preocupação propostas de retirada do piso constitucional da saúde, ou qualquer redução do financiamento do setor, bem como da educação, ciência & tecnologia. O que vale para qualquer política social.
E isto tem polarizado as atenções do momento. Há uma ofensiva do capital financeiro que chantageia o país com especulações, uma forma nefasta de tentar influenciar a política fiscal, notadamente com cortes em gastos sociais. Ao mesmo tempo, entramos na dinâmica da disputa eleitoral de 2026, que vai eleger o novo presidente, governadores e o Congresso Nacional. O país está em questão. O que fazer para que o muito feito até aqui seja intensificado para potencializar as forças progressistas na luta por vir?
“Se muito vale o já feito, mais vale o que será”1, nos aconselha o poeta. Então, recomenda-se haver um esforço adicional na construção mais intensiva das políticas sociais de alargamento de direitos, que faça a população perceber mudanças expressivas na sua vida cotidiana. Uma mobilização que fortaleça os vínculos comunitários nos territórios. É necessário formar uma identidade corpórea com as comunidades. Laços orgânicos de confiança, que produzam uma subjetividade solidária, e sejam capazes de organizar uma resposta coletiva contrária à ofensiva neoliberal, que propõe o empreendedor de si mesmo e o sujeito da concorrência para polarizar a base da sociedade.
Há luta por vir! E para ela contamos com um enorme ativo político, o SUS, que traz a marca da generosidade desde os momentos iniciais da sua constituição, e hoje mobiliza milhares de pessoas nas Conferências de Saúde, além de uma imensa capilaridade que o coloca em relação com a população no seu dia-a-dia. Por exempl: ele se move sobre uma rede assistencial que, só na Atenção Básica, tem 61.262 equipes de Saúde da Família, atingindo uma cobertura de 79,6% do território nacional2. São mais de 3 milhões de pessoas trabalhadoras em exercício no SUS. Destes, 403 mil são Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Endemias3, que têm uma relação cotidiana com os territórios e suas comunidades, sendo uma importante referência de cuidado, vínculo, e participação comunitária. É algo absolutamente extraordinário.
À experiência de participação social soma-se a iniciativa do Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde. Este é um projeto lançado em 2024, liderado pelo Ministério da Saúde, Fiocruz e Conselho Nacional de Saúde, para dar visibilidade, mobilizar, e promover a interação entre entidades e movimentos no âmbito da saúde.
A participação comunitária ganha contornos mais amplos no governo através do Conselho de Participação Social da Presidência da República, do qual a Frente pela Vida participa representando o movimento sanitário. Aqui se constrói uma avançada proposta de participação social, com base nos territórios, e na educação popular como um dispositivo de construção. Esta iniciativa levou a uma ampla participação social na discussão do Plano Plurianual em 2023, que orienta a política econômica e social do Brasil até 2027. Também promoveu o amplo debate do Plano Clima que define as estratégias nacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global, e avançar na adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Neste momento, organiza a participação social na Cúpula do G20 Social, que ocorrerá no Rio de Janeiro entre 14 e 16 de novembro de 2024. Por tudo isto, a perspectiva de uma política de saúde promissora na sua missão humanitária continua muito forte no cenário atual, construção que deverá ser coletiva e comunitária.
1 Da Música “O Que Foi Feito Deverá” de Fernando Brant, Marcio Borges, Milton Nascimento.
2 Dados do Ministério da Saúde: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/sus-celebra-30-anos-da-estrategia-saude-da-familia
3 De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
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Foto: Walterson Rosa/MS