Decisão do STJ marca vitória do MST no Quilombo Campo Grande (MG), após 27 anos de conflito

Assentamento já enfrentou 11 despejos, um deles foi imposto pelo governador Romeu Zema (Novo) em meio à pandemia

Por Lucas Wilker, do Brasil de Fato

Uma decisão histórica do Superior Tribunal de Justiça reconhece a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no município de Campo do Meio, em Minas Gerais.

O órgão determinou, no dia 31 de outubro, a impossibilidade de recuperação judicial da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A. A empresa, que faliu nos anos 90, não pagou a indenização trabalhista dos funcionários, que ocuparam o terreno.

A recuperação judicial foi requerida por um dos antigos sócios e havia sido parcialmente aceita em instâncias anteriores. O veredito, portanto, representa um marco para os trabalhadores que vivem no assentamento, denominado de Quilombo Campo Grande, onde, há 27 anos, eles produzem café orgânico e alimentos saudáveis.

“A decisão desvela uma prática que o agronegócio herdou do latifúndio atrasado, que é se beneficiar dos dinheiros públicos e encher os seus próprios bolsos com sucessivos calotes”, aponta Sílvio Neto, dirigente do MST.

“É uma decisão grande e importante, especialmente para um conflito que se arrasta há mais de 20 anos”, comemora.

Entenda

A falência da Capia ocorreu no início da década de 90 e, simultaneamente, ocorreram greves dos trabalhadores do complexo, tanto da Usina Ariadnópolis, como da Capia. Segundo Silvio Neto, o MST denunciou constantemente que o patrimônio da falência precisava ser revertido para garantir os direitos de quem atuava na empresa.

“A maior denúncia que fizemos foi a organização desses trabalhadores, que não receberam nada, e, por isso, ocorreu a primeira ocupação de terras, em março de 1998, nas terras da Capia”, explica.

Desde então, o MST enfrentou 11 despejos, dos quais o mais simbólico e covarde, segundo o dirigente, foi imposto pelo governador Romeu Zema(Novo), em meio à pandemia, quando os trabalhadores resistiram por mais de 50 horas, enfrentando 700 policiais com caveirões, helicópteros e bombas.

“Esta decisão judicial, inclusive, mostra que o governador Zema, além de covarde e mentiroso, desrespeitou a lei ao promover um despejo ilegal, o que gerou um processo contra o estado de Minas Gerais na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, devido à sua covardia contra seu próprio povo”, acrescenta.

Presente e futuro

Para Afonso Henrique de Miranda Teixeira, procurador do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que acompanha o caso há mais de duas décadas, a decisão do STJ traz ordem ao conflito. Ele explica que o STJ restabeleceu o status de ‘massa falida’ à Capia, revogando os atos judiciais que conferiam à empresa direitos de uma pessoa jurídica em recuperação judicial.

“A falência extingue a pessoa jurídica, tal qual a morte extingue a pessoa natural”, pontua o procurador.

“A decisão é fundamental para que a massa falida da Capia, e não uma suposta pessoa jurídica, tenha seus atos revistos e que o imóvel possa ser destinado para fins sociais”, afirma.

Na opinião de Afonso, a decisão também demonstra, em um contexto geral, tudo o que representa esse conflito e a verdade dos fatos sobre aqueles que sempre trabalharam com o objetivo de destinar o imóvel de forma socialmente responsável, com repercussões econômicas para a comunidade e impactos sociais, especialmente no campo da educação e da nutrição, na questão alimentar.

“Acredito que essa decisão coloca as coisas no lugar onde sempre deveriam estar e serem analisadas. Uma pessoa jurídica extinta não poderia manter a posse desse imóvel”, analisa.

Silvio Neto ressalta que, com a medida, a expectativa é de que o presidente Lula (PT) assine o decreto de desapropriação da Capia e que, assim, o MST possa demonstrar para Minas Gerais, para o Brasil e para o mundo que o maior conflito de terra da história do território mineiro, organizado pelo movimento, foi vitorioso.

“É um exemplo pedagógico de que, com muita luta, nós conseguimos superar as circunstâncias de tanta injustiça e construir um outro projeto para um território e para um estado como Minas Gerais”, reafirma.

“O conflito só se encerra com a realização da reforma agrária popular e nós, que enfrentamos tudo que enfrentamos até aqui, não desistiremos nunca. Esperamos que esse decreto seja rápido, que as famílias possam ter acesso a uma vida digna, sem ameaça constante de nenhum tipo de reintegração de posse, de despejo”, reforça.

Edição: Ana Carolina Vasconcelos

Há 27 anos trabalhadores lutam pelo assentamento – Reprodução/Mídia NINJA

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