As organizações indígenas e quilombolas da Amazônia vêm, por meio desta nota, expressar seu repúdio ao discurso do governador Helder Barbalho, proferido durante a abertura do estande da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na COP-29, em Baku, Azerbaijão. A fala do governador, ao afirmar que os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos dependeriam do mercado de carbono para garantir seu sustento e dignidade, demonstra uma visão preconceituosa e desinformada sobre a realidade dos povos tradicionais. O governador ignorou, em sua fala, o fato de que nossas comunidades vivem, manejam e preservam a floresta há milênios, utilizando a biodiversidade, a água e a terra para garantir sustento com autonomia e abundância.
Os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos do Pará e da Amazônia têm um modo de vida que não depende de projetos de mercado de carbono ou de subsídios governamentais para sobreviver. Nossa alimentação saudável, baseada em conhecimentos tradicionais, é fruto do trabalho cuidadoso com os recursos naturais, livres de contaminações químicas e de mercúrio. Além disso, nossos povos contribuem de forma plural para a sociedade, com representantes que são escritores, médicos, advogados, professores, cientistas e parlamentares, promovendo nossa cultura e saberes para além dos limites das comunidades. A “bioeconomia” que o governador propõe vender como uma novidade ao mercado global é, na verdade, um modo de vida que praticamos há gerações.
A fala do governador reforça uma visão reducionista e colonialista sobre nossas comunidades, tratando-nos como se fôssemos meros dependentes de políticas de governo, ao invés de reconhecer nossa autonomia, saberes e práticas sustentáveis. O mercado de carbono, ao contrário do que foi afirmado, não pode ser imposto como única solução de desenvolvimento para as comunidades tradicionais, sem que haja consulta prévia, livre e informada, em respeito à Convenção 169 da OIT. As comunidades e povos precisam continuar mantendo sua autonomia na gestão de seus territórios, pois é isso que tem garantido um futuro sustentável com respeito à biodiversidade existente na Amazônia. A imposição de tais projetos, sem diálogo e sem respeito aos direitos constitucionais das comunidades, desrespeita nossa história, nossa luta por autonomia e coloca em risco o direito ao território das futuras gerações.
Acrescentamos ainda que o crédito de carbono, na modalidade REDD+, representa a comercialização da natureza, um processo financiado por empresas e governos estrangeiros que, assim, continuarão a lançar gás carbônico na atmosfera. Trata-se de comercializar a natureza para garantir a continuidade de lucros. Com seu apoio a essa iniciativa, o governador do Pará se dispõe a servir aos interesses do capital internacional, desconsiderando os direitos e a autonomia dos povos amazônicos.
Defendemos o direito à autodeterminação de nossas terras e afirmamos que não aceitaremos ser usados como justificativa para projetos de governo que não considerem nossa voz e nosso modo de vida. Reafirmamos que as decisões sobre nossos territórios devem ser construídas em conjunto com nossas comunidades, respeitando nossos conhecimentos e modos de subsistência, que há séculos garantem a conservação dos nossos territórios na Amazônia.
Exigimos que o governador Helder Barbalho e o Governo do Estado do Pará respeitem o direito de consulta e o protagonismo das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas na formulação de políticas e projetos que afetem diretamente nossas vidas e territórios. Que cessem as falas coloniais e as soluções impostas sem diálogo e respeito aos nossos direitos, e que sejam reconhecidos os saberes e práticas que já sustentam a Amazônia e garantem a vida em harmonia com a floresta.
Assinam a carta:
1. Instituto Zé Cláudio e Maria
2. Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará
3. Rede Agroecológica
4. Associação Indígena Pariri
5. Movimento Tapajós Vivo
6. Rede de Mulheres das Marés e das Águas do Litoral do Pará
7. Quilombo Gibrié de São Lourenço
8. Organização dos Educadores Indígenas Munduruku-Arikico
9. Associação Wakobrun de Mulheres do Alto Tapajós
10. Comitê Chico Mendes
11. Comitê de Defesa dos Direitos dos Povos Quilombolas de Santa Rita e Itapecuru Mirim (MA)
12. Casa Preta Amazônia
13. Associação Indígena Tembé do Vale do Acará
14. Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes do Quilombo do Alto Acará (AMARQUALTA)
15. Associação Comunidade Quilombola Sítio Cupuaçu
16. Instituto Madeira Vivo
17. Comitê de Defesa da Vida Amazônica na Bacia do Rio Madeira
18. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental
19. Coletivo Indígena Mura de Porto Velho
20. Instituto Patauá Socioambiental
21. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)
22. Associação da Comunidade Ribeirinha Extrativista da Vila Tauiry (ACREVITA)
23. Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
24. Terra de Direitos
25. Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do PDS Brasília (AMTRAB)
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Arte: Fenafar