“É preciso colocar o bolsonarismo na ilegalidade como é o nazismo”. Entrevistas com Miguel Rossetto, João Pedro Schmidt e Rudá Ricci

Para os entrevistados, o plano de assassinato de figuras políticas eleitas pelo povo é um atentado à democracia e deve ser combatido duramente pelas forças constitucionais brasileiras

Por: André Cardoso e Elstor Hanzen, em IHU

Quem pensou que o bloqueio de rodovias, os acampamentos nos quartéis, a invasão aos três poderes em 8 de janeiro e o ataque do homem-bomba ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana poderiam ser o auge da violência bolsonarista contra a democracia, foi surpreendido com as novas revelações da Polícia Federal (PF) na terça-feira, 19 de novembro.

Desta vez, chegou à tona um plano detalhado, chamado de Punhal Verde e Amarelo, elaborado por militares de alta patente vinculados ao governo federal da época para executar o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin, assim como o ministro do STF Alexandre de Moraes. Dos cinco presos, quatro são militares e um é agente da PF. As investigações apontam que a organização criminosa se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022.

Segundo a PF, no dia 9 de novembro, o general Mario Fernandes, um dos militares presos e que chegou a exercer o cargo de ministro interino do governo Bolsonaro, imprimiu o documento que detalhava o plano para assassinar as autoridades no Palácio do Planalto. Depois levou o material até o Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro morava. Já no dia 6 de dezembro, o Punhal Verde Amarelo é novamente impresso pelo general Fernandes. Desta vez, Bolsonaro estava no Palácio do Planalto.

No dia seguinte, o ex-presidente recebeu no Palácio do Alvorada os comandantes do Exército e da Marinha, além do ministro da Defesa, para apresentação de uma minuta golpista. Dia 15 de dezembro era a data prevista para a execução do plano, ou seja, matar as três autoridades.

As consequências deste plano de assassinato e golpe de Estado foram divulgadas nesta quinta-feira (21), quando a Polícia Federal indiciou 37 pessoas, entre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro, o candidato a vice na chapa que perdeu a eleição de 2022, Braga Netto, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, ex-diretor da Agência Brasileira de Informações Alexandre Ramagem e o presidente do Partido Liberal (PL) Valdemar da Costa Neto. Eles estão sendo indiciados por abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa em um relatório com mais de 800 páginas feito pela PF.

Para o professor de pós-graduação em Direito e cientista político João Pedro Schmidt, o auge das evidências são as revelações desta semana sobre o plano de assassinato, com envolvimento direto de integrantes da alta cúpula das Forças Armadas, inclusive do general Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. “Fica claro, assim, que os herdeiros da Ditadura Militar de 1964 mantêm a eliminação física dos adversários políticos no seu repertório de ação”, avalia.

Schmidt é um dos entrevistados do Instituto Humanitas Unisinos – IHU numa série que visa compreender a gravidade dos novos fatos revelados desta trama golpista. Ao projetar os impactos das últimas revelações, o analista afirma que o novo quadro político vem em favor da apresentação da denúncia ao STF. Para ele, uma alta relevância deste cenário “é que os dois fatos (a bomba e as prisões por tentativa de assassinato) tornam inviável o projeto de anistia aos golpistas que estava sendo articulada pela bancada bolsonarista no Congresso Nacional. Não há mais ambiente para defesa da anistia. Há que frisar que são tendências, que podem não se confirmar, mas isso seria terrível para nossa combalida democracia”, projeta.

Comparando os atos recentes com o golpe de 64, o cientista político Rudá Ricci ressalta que desta vez não houve uma penetração tão profunda no território nacional e no primeiro e segundo escalão das Forças Armadas, assim como nos comandos regionais, como do exército que são 16 generais. Este contexto pode ter contribuído para a não efetivação do plano. “Desde a reforma do Castelo Branco não se tem mais um comando unificado, o que existe é um comando plural, um colegiado de generais que tomam as decisões no exército e ficam pouco tempo em um comando específico, justamente para evitar esse tipo de liderança carismática com as armas ao alcance das mãos”, salienta.

O deputado estadual Miguel Rossetto afirma que os fatos são graves e o papel dos militares precisa ser debatido. “As forças armadas existem, são pagas e funcionam para proteger o país contra inimigos externos e não para combater a democracia, combater o povo brasileiro. Há que se continuar esse debate sobre o papel e o funcionamento do exército, em especial das forças armadas do Brasil, sob pena de continuarmos uma repetição permanente, histórica e perversa, como o que aconteceu em 1964, como a tentativa que aconteceu na noite de janeiro e de forma sucessiva”, analisa o parlamentar gaúcho.

Em meio ao impacto dos acontecimentos, o deputado também constata a liderança positiva do atual governo em escala global, colocando o país novamente entre os países líderes do planeta, como no G20. “Estão sendo pautadas agendas de combate à fome e à desigualdade, de proteção ambiental, de reconhecimento da gravidade das mudanças climáticas, do fim das guerras, de taxação dos ricos e super-ricos, propõe uma agenda de desenvolvimento humanista e, no mesmo momento, somos surpreendidos com essa tentativa de assassinato desta liderança maior do Brasil e do mundo”.

Segundo Rossetto, isso “mostra que o Brasil tem uma escolha a fazer: ou a democracia ou a barbárie, ou o combate às injustiças sociais e mais igualdade, ou aprofundamento das desigualdades e da violência”.

*As entrevistas foram feitas antes da notícia desta quinta-feira (21), do indiciamento da Polícia Federal de 37 nomes por abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

Confira as entrevistas.

João Pedro Schmidt é graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição (1982), mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1988) e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2000). Em 2016, realizou pós-doutorado na George Washington University (Washington DC) com apoio do programa de Estágio Sênior no Exterior, da CAPES. É professor titular da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, atuando especialmente no PPG em Direito – Mestrado e Doutorado. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas, atuando nos seguintes temas: comunidade, comunitarismo, instituições comunitárias, terceiro setor, políticas públicas de inclusão.

IHU – Qual a gravidade do plano de assassinato preparado pelos militares em 2022 contra o presidente eleito, seu vice e ministro do STF?

João Pedro Schmidt – Na história política brasileira houve diversas conspirações e várias mortes estranhas, nunca devidamente esclarecidas, como as de Juscelino Kubitschek, Jango, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teori Zavaski e Eduardo Campos. Mas um plano de assassinato do presidente da República orquestrado por militares de alta patente vinculados ao governo nacional é algo surpreendente no cenário dos últimos 40 anos. Desde o processo de redemocratização na década de 1980 não tínhamos notícia de uma tentativa desta monta. O golpe de 2016 contra a presidenta Dilma e a prisão de Lula em 2018, feitos pela via parlamentar, midiática e judicial, fortaleceram a noção de que as elites golpistas nacionais tinham se tornado mais sutis, preferindo sofisticados mecanismos ideológicos e informacionais em lugar das velhas estratégias de guerra aberta e eliminação física de adversários nas tentativas de assaltar o poder. Esta noção começou a cair por terra no contexto das eleições de 2022. As investigações da Polícia Federal feitas desde 2023 trouxeram evidências de que os velhos instrumentos da violência política não tinham sido descartados.

O auge dessas evidências são as revelações das últimas horas sobre o plano de assassinato do presidente Lula, do vice Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes, com envolvimento direto de integrantes da alta cúpula das Forças Armadas, inclusive do general Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. Fica claro, assim, que os herdeiros da Ditadura Militar de 1964 mantêm a eliminação física dos adversários políticos no seu repertório de ação.

A guerra híbrida no Brasil não é apenas informacional, diplomática ou de soft power. Ela é também física, não apenas contra lideranças populares ou lideranças políticas no nível local, mas também no nível mais alto dos poderes republicanos. A gravidade da tentativa de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes adquire tons mais sombrios se considerarmos as recentes ações terroristas, ou seja, a tentativa de explodir um caminhão no aeroporto de Brasília às vésperas do 8 de janeiro de 2023 e o recente episódio das bombas detonadas junto ao STF por um militante bolsonarista.

IHU – Como avalia este projeto tão articulado e detalhado pela alta cúpula do exército para assassinar autoridades federais?

João Pedro Schmidt – Os sinais de que o ex-presidente Bolsonaro buscava apoio para um golpe de estado no seu intuito de se manter no poder estavam por toda parte ao longo dos quatro anos de seu governo. Por conta do seu nítido despreparo em cumprir tarefas mínimas de um governo aceitável, circulavam informações de que a maior parte da elite militar não levava a sério os acenos para se engajar no golpe e entre os que concordavam com uma aventura golpista, muitos preferiam apoiar o vice-presidente, general Mourão. Com o passar do tempo, este entendimento mudou. A titularidade de generais à frente de vários ministérios, a presença de integrantes das Forças Armadas em mais de 6 mil cargos em comissão no governo federal, juntamente com a manutenção de privilégios aos militares na Reforma da Previdência, fortaleceu a adesão a Bolsonaro nas Forças Armadas. As informações disponíveis até o momento indicam que a maior parte dos oficiais não se envolveu com os ensaios de golpe, seja antes das eleições, seja depois, mas ficou em um perigoso silêncio face às movimentações golpistas, tolerando ou apoiando em silêncio os acampamentos de civis em frente aos quartéis. Neste ambiente, segmentos militares minoritários passaram a tramar o golpe, incluindo a eliminação física da chapa eleita nas eleições presidenciais de 2022 (Lula e Alckmin) e do ministro Alexandre de Moraes, principal baluarte antigolpista dentro do STF.

IHU – O golpe estava tão ou mais iminente do que em 64?

João Pedro Schmidt – O Golpe de 1964 teve particularidades próprias do seu tempo, um tempo ainda próximo de golpes e conspirações iniciadas com a Proclamação da República em 1889. Um novo ato golpista em 1964 não foi algo inesperado. Em comum com a tentativa de 2022-2023, havia a retórica anticomunista. O certo é que em 2022 estivemos à beira de outro golpe, articulado pelos perdedores das eleições. Ainda não está bem elucidado por quais razões a trama não se materializou no dia previsto para o início da tentativa de tomada do poder, 15 de dezembro de 2022. Escapamos por um triz. Saber dos detalhes do plano do golpe, com a morte por envenenamento ou artefato explosivo de governantes e integrantes do Judiciário, provoca angústia e temor em todos os que acreditam na democracia. São uma angústia e um temor ainda maiores ao observarmos, dois anos depois, a manutenção do apoio à extrema-direita em grandes fatias do eleitorado.

IHU – As novas revelações avançam sobre quem eram os mentores da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023? Quais devem ser as consequências destas últimas revelações?

João Pedro Schmidt – Provavelmente, sim. O ambiente político mudou após as bombas detonadas em frente ao STF por um ex-candidato a vereador do PL na semana passada e as prisões dos envolvidos no plano de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes nesta semana. O ambiente político agora é favorável à punição dos golpistas e de seus aliados. Este ambiente tende a influenciar o procurador-geral da República, Paulo Gonet, no sentido de, finalmente, oferecer denúncia ao STF contra o ex-presidente Bolsonaro por vários crimes cometidos, fartamente documentados.

O silêncio do procurador-geral tem chamado a atenção face à abundância de elementos incriminatórios contra o ex-presidente, seja no que diz respeito à falsificação da carteira de vacinação e à apropriação indevida de joias, seja na trama do golpe contra o Estado democrático de direito. O silêncio do procurador vem sendo interpretado de duas formas opostas: como cautela, a fim de recolher mais elementos probatórios para oferecer uma denúncia robusta, ou como protelação por razões políticas, o que tende a inviabilizar a denúncia. O novo quadro político vem em favor da apresentação da denúncia ao STF.

Outra consequência de alta relevância é que os dois fatos (a bomba e as prisões por tentativa de assassinato) tornam inviável o projeto de anistia aos golpistas que estava sendo articulada pela bancada bolsonarista no Congresso Nacional. Não há mais ambiente para defesa da anistia. Há que frisar que são tendências, que podem não se confirmar, mas isso seria terrível para nossa combalida democracia.

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Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara. É autor de Terra de ninguém (Unicamp, 1999), Dicionário da gestão democrática (Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A participação em São Paulo (Unesp, 2004), entre outros.

IHU – Qual a gravidade do plano de assassinato preparado pelos militares em 2022 contra o presidente eleito, seu vice e o ministro do STF?

Rudá Ricci – A gravidade é imensa. Isso é um crime, tentativa de assassinato, golpe ao Estado de direito, subversão à ordem democrática, ou seja, o uso do Estado para perseguição política e eliminação de forças oposicionistas. É uma sucessão de crimes que ofendem completamente a estabilidade do país. É um movimento antipatriótico, antinacional, de uso das forças estatais, equipamento, dinheiro público, para benefício próprio. Os envolvidos precisam ser presos de maneira exemplar e expulsos. Além disso, é preciso fazer uma reforma das forças armadas ainda mais profunda do que aquela feita por Castelo Branco no início da ditadura militar.

IHU – Como avalia este projeto tão articulado e detalhado pela alta cúpula do exército para assassinar autoridades federais?

Rudá Ricci – A informação que estamos recebendo é uma confirmação de como que o bolsonarismo aparelhou o Estado sem nenhum pudor para fazer do aparelho público um negócio próprio. O bolsonarismo tem que ser colocado na ilegalidade porque é uma modalidade de fascismo e agora estamos vendo que ele não é qualquer coisa. É uma conspiração envolvendo o alto escalão das Forças Armadas, do governo. Imagina, Braga Netto foi candidato na chapa do Bolsonaro à reeleição como vice. É preciso colocar o bolsonarismo na ilegalidade como é o nazismo. Os termos, a plataforma, o discurso…tem que ser considerado crime contra lesa-pátria.

IHU – O golpe estava tão ou mais iminente do que em 64?

Rudá Ricci – Até agora não dá para fazer comparação com 1964. O que parece é que eles não tiveram uma penetração tão profunda no território nacional e no primeiro e segundo escalão das Forças Armadas, os comandos regionais, principalmente parte do exército, aeronáutica, parte do comando do exército que são 16 generais. Desde a reforma do Castelo Branco não se tem mais um comando unificado, o que existe é um comando plural, um colegiado de generais que tomam as decisões no exército e ficam pouco tempo em um comando específico, justamente para evitar esse tipo de liderança carismática com as armas ao alcance das mãos.

De qualquer maneira, a forma histriônica do Bolsonaro de ser, os exageros, uso indiscriminado do aparelho de Estado, como foi aquela reunião com embaixadores, isso deixou mais constrangidas as forças militares que se consideram legalistas para se colocar contra a legalidade. Eu acho que isso inibiu qualquer tipo de envolvimento como se fosse um ato patriótico. Nisso foi muito menos organizado do que 64. Nem vou falar que teve sucesso porque não teve sucesso nenhum.

IHU – As novas revelações avançam sobre quem eram os mentores da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023? E quais devem ser as próximas consequências?

Rudá Ricci – Sim, avança. Eu acho que nós estamos na iminência da prisão do general Braga Netto. Porque se a revelação da Polícia Federal de que esses que foram presos conspiraram na residência do Braga Netto, não há por que ter um argumento distinto em relação à solicitação de prisão preventiva. Penso que ele só não foi preso nesse momento para não criar uma comoção inicial que oferecesse chance para qualquer tipo de mobilização dos golpistas. É uma escalada que envolve Braga Netto e, em seguida, Bolsonaro. É um clima nacional que vai sendo criado de convencimento de que eram pessoas horrorosas, desqualificadas e criminosas que estavam governando o país.

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Miguel Rossetto é sociólogo, fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Foi primeiro ministro do Desenvolvimento Agrário do presidente Lula Ministro do Desenvolvimento Agrário, Trabalho e Previdência Social e Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo Dilma Rousseff e vice-governador de Olívio Dutra. Hoje, atua como deputado estadual do Rio Grande do Sul.

IHU – Qual a gravidade do plano de assassinato preparado pelos militares em 2022 contra o presidente eleito, seu vice e o ministro do STF?

Miguel Rossetto – Com gravidade máxima é que estamos recebendo essas informações, as quais dão conta de um plano articulado por oficiais de alta patente do Exército Brasileiro na sequência do 8 de janeiro. Uma tentativa de assassinar o presidente da república, o vice-presidente e um ministro do STF com requintes de perversidade e crueldade, de violência, com envenenamento, utilização de armas. Assassinar aqueles que foram escolhidos pelo povo brasileiro para governar o Brasil. É gravíssima esta conduta e deve exigir o máximo de atenção. São em momentos como este que os países escolhem seu futuro: ou a democracia, ou a barbárie. No Brasil, ou a democracia, ou a violência, ou a democracia, ou a ditadura.

É preciso dar punição exemplar e fazer uma investigação rigorosa de tal forma a se conhecer toda a cadeia de comando dessa articulação. O 8 de janeiro foi um movimento absolutamente articulado nesta tentativa de golpe de estado e de assassinatos no nosso país. E merece todo o nosso repúdio, com evidência e com a punição necessária.

IHU – Como avalia este projeto tão articulado e detalhado pela alta cúpula do exército para assassinar autoridades federais?

Miguel Rossetto – As informações que temos até agora dão conta de um movimento com baixo grau de adesão do Exército e das Forças Armadas. É grave o fato de que tem um general envolvido, oficiais, tenente-coronel, coronel-major e toda a extensão que seguramente as investigações vão denunciar. O golpe foi interrompido, seja por dissidências internas, seja pelo fracasso do 8 de janeiro, pela conquista e pela unidade e força que as instituições democráticas demonstraram a partir da liderança do presidente Lula. A sociedade repudiou claramente esta tentativa. Agora, a dimensão da articulação desse movimento vamos ter conhecimento a partir das investigações da Polícia Federal. Em hipótese alguma é possível desprezar a presença e a articulação desses oficiais de alta patente do Exército Brasileiro. Isso é crime militar.

IHU – As novas revelações avançam sobre quem eram os mentores da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023? E quais devem ser as próximas consequências?

Miguel Rossetto – É uma situação grave, mas que apresentou dois caminhos claros. O G20, onde o presidente Lula lidera um movimento importante em escala global, coloca o país novamente entre os países líderes do planeta. Estão sendo pautadas agendas de combate à fome, de combate à desigualdade, de proteção ambiental, de reconhecimento da gravidade das mudanças climáticas, do fim das guerras, de taxação dos ricos e super-ricos, propõe uma agenda de desenvolvimento humanista e, no mesmo momento, somos surpreendidos com essa tentativa de assassinato desta liderança maior do Brasil e do mundo. Isto mostra que o Brasil tem uma escolha a fazer: ou a democracia ou a barbárie, ou o combate às injustiças sociais e mais igualdade, ou aprofundamento das desigualdades e da violência.

Todas as nossas instituições e todos nós seremos testados. Que a democracia vença, que as liberdades sejam asseguradas e a condição para que isso ocorra é que haja punição severa. Desejamos que não haja anistia, desejamos que haja uma punição rigorosa a todos os envolvidos. E, evidentemente, uma avaliação profunda da formação e da organização das instituições e das forças armadas. É muito importante avaliar com profundidade o grau de comprometimento na oficialidade do exército brasileiro, das forças armadas, e avaliar profundamente a formação destes militares, o seu compromisso com a democracia. As forças armadas existem, são pagas e funcionam para proteger o país contra inimigos externos e não para combater a democracia, combater o povo brasileiro. Há que se continuar esse debate sobre o papel e o funcionamento do exército, em especial das forças armadas do Brasil, sob pena de continuarmos uma repetição permanente, histórica e perversa, como o que aconteceu em 1964, como a tentativa que aconteceu na noite de janeiro e de forma sucessiva.

Foto: Bruna Prado/AP

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