Por que as mulheres morrem?

Confira artigo do Setor de Gênero neste Dia Internacional de Combate à Violência Contra as Mulheres

MST

Hoje meu amor veio me visitar e trouxe flores para me alegrar,
infelizmente eu não sinto mais, porque agora eu descanso em paz!

Das tantas formas de se morrer, as mulheres morrem por serem mulher, sejam elas Cis ou Trans, pois o simples fato de serem mulheres é a razão da sua condenação. Morrem diretamente através dos feminicídios ou das consequências de uma vida de violência que machuca corpo e alma.

Importante destacar que o feminicídio se refere apenas aos casos de assassinato de mulheres em decorrência da sua condição de gênero: “ser mulher”. É um crime de ódio, normalmente permeado de crueldades, com pouca ou nenhuma possibilidade das vítimas se defenderem. Isso porque, quase sempre, é um crime praticado por pessoas próximas e com laços afetivos com a vítima. Conforme os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, (FBSP) sobre quem comete o crime: 73% foram cometidos por um parceiro ou ex-parceiro íntimo (marido ou namorado); 10,7% por familiares; 8% dos casos foram perpetrados por outros conhecidos. Ou seja, pessoas que conhecem seus hábitos, suas rotinas, suas fragilidades.

Outro elemento é que é em casa onde acontece a maioria dos crimes, sendo o “lar doce lar” o lugar onde as mulheres estão mais expostas a diferentes violências. O que mostra que o feminicídio não constitui um evento isolado, repentino e/ou inesperado; faz parte de um processo contínuo de agressões, cujas raízes são misóginas e patriarcais.

No entanto, é importante sabermos que o feminicídio é um crime possível de ser evitado, uma vez que ele integra um ciclo de violência, cujo agravamento é perceptível. Apesar disso, o número de vítimas anuais é assustador e faz sangrar nossos corações, pois, como afirma o Levante Feminista contra o Feminicídio: “quem mata uma mulher mata a humanidade”.

O feminicídio e o suicídio decorrente de violências são a expressão fatal das diversas violências que podem atingir as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de gênero, por razões históricas, culturais, econômicas, políticas e condições sociais discriminatórias.

Entre 2015, ano de promulgação da Lei 13.104/2015 (que tipifica o feminicídio como homicídio qualificado) e 2023, quase 10,7 mil mulheres foram vítimas. O FBSP chama atenção para que “de modo geral, os dados aqui apresentados apontam para o contínuo crescimento da violência baseada em gênero no Brasil, do qual o indicador de feminicídio é a evidência mais cabal”.

No MST, mesmo pautando a necessidade do enfrentamento a todas as formas de violência, também sofremos perdas para o feminicídio em nossas fileiras, sendo que, entre 2019 e 2024, foram ceifadas as vidas de 17 mulheres (cis e trans). Destacamos que esses são os casos que chegam ao nosso conhecimento, seja por notas de pesar, ou que ocorreram em territórios com presença de militantes. Se pensarmos nas áreas em geral temos certeza de que esses números são muito maiores.

Um elemento a considerar em relação à violência contra as mulheres, em todo o ciclo, das primeiras agressões ao feminicídio, é a impunidade; apesar do aparato legal que o Brasil dispõe, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, temos um sistema jurídico que é patriarcal e misógino. Prova disso é o uso recorrente do argumento da legitima defesa da honra, que torna os assassinos vítimas e as vítimas vilãs, que nunca teve parâmetro penal legal, mas foi reiteradamente utilizado nos processos, desde as investigações ao júri popular. Esse argumento teve sua utilização contestada desde a década de 1970, embora apenas em 2023 tenha tido seu uso proibido pelo STF.

No entanto, quando acompanhamos os casos de julgamento ainda percebemos a tentativa de culpabilização das vítimas, como aconteceu no julgamento do assassino de Dona Neura, onde a defesa se utilizou o tempo todo de insinuações morais contra ela e suas filhas.

Muitos dos casos que chegaram até nós não foram a julgamento, por ausência de investigação, por conta de um inquérito malfeito realizado pela polícia, ou pela insuficiência dos aparelhos jurídicos, tanto do Ministério Público quanto da Defensoria.

Dos quase 20 casos que registramos em nossos territórios, apenas 03 foram a julgamento: o da companheira Neurice, no estado de Goiás, mãe de 04 filhas/o, assassinada pelo ex-marido, cujo assassino, apesar dos requintes de crueldade, recebeu pena mínima (18 anos), de Raissa Rayara, mãe de um filho e de Cassiana, mãe de 04 filhos, do estado do Ceará, ambas assassinadas pelos ex-maridos, que apesar de receberem penas mais pesada, estas não pagam pela dor de sua ausência, pela solidão dos que ficaram.

Em 2024, a Lei 14.994/2024 alterou a lei de 2015, redefinindo penalmente o tipo do crime e aumentando a pena mínima de 12 para 20 anos de reclusão. Porém, é necessário perceber que o feminicídio é o ato final e fatal da violência contra a mulher e que o endurecimento das penas não resolve a complexidade do problema.

Isso porque há uma aceitação social da violência contra as mulheres, uma naturalização de relações violentas, que responsabiliza a vítima e justifica os atos do assassino – “o que ela fez para ele agir assim”, “eu a matei porque a amo”.

Aprendemos no MST que a indignação só tem sentido quando acompanhada de ações concretas, que solidariedade é sempre dar o que temos de melhor, por isso, o nosso Programa de Reforma Agrária Popular exige que atuemos cotidianamente no enfrentamento à violência em suas várias expressões. O feminicídio, por mais dolorido que seja, é o ápice do problema, a ponta do Iceberg, abaixo há uma imensidão de sofrimento, de um ciclo vicioso de dor, de machismo, de racismo, de LBTfobia, de misoginia, e é nessa base que devemos atuar.

Precisamos superar a ideia do lar como um idílico espaço privado, ter clareza que em briga de marido e mulher mete-se sim a colher, a organicidade e, se preciso, a polícia. Precisamos pensar nossos espaços orgânicos como espaços de acolhimentos e de construção coletiva para o rompimento do ciclo de violência. Potencializar a formação humana, pois considerando que os agressores são, em sua maioria, homens, esses homens precisam receber uma formação objetiva e subjetiva que os faça compreender que suas ações violentas terão consequências, que vão muito além da esfera legal, que quem violenta (direta ou indiretamente), ou com ela compactua, está agindo contra o próprio Movimento. Nosso projeto de Reforma Agrária Popular tem como pilar a emancipação de todos os seres humanos, por isso é importante que os homens entendam que o enfrentamento às violências não é assunto, nem tarefa de mulheres, mas do conjunto da organização.

Trazemos aqui presente as companheiras que foram arrancadas da luta, da vida, de suas famílias. É preciso manter viva a sua memória, como expressão de resistência, como semente que faça brotar um mundo sem violência como um direito de todas as pessoas.

A mulher dentro de cada um não quer mais o silêncio!
Quem mata uma mulher, mata a humanidade!
Na sociedade que a gente quer, basta de violência contra as mulheres!

O patriarcado destrói, o capitalismo faz guerra, o sangue LGBT também é sangue Sem Terra!

Sem feminismo, não há socialismo!

*Editado por Fernanda Alcântara

Foto: MST

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