MDB é o partido brasileiro com mais políticos que seriam descendentes de escravagistas

Dos 33 políticos e autoridades brasileiras com ancestrais escravizadores, seis são do MDB

Por Leandro Aguiar | Edição: Mariama Correia, Agência Pública*

O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é o partido que reúne o maior número de políticos que teriam antepassados escravizadores. É o que revela a investigação inédita da Agência Pública sobre as genealogias de políticos e autoridades brasileiras.

A partir da consulta e análise de centenas de documentos foi possível constatar ancestrais que teriam sido escravistas nas genealogias de pelo menos seis políticos do MDB. Nesse ranking, o segundo partido é o PL, com cinco nomes. O PP e o PT têm quatro cada um. União Brasil, Podemos, PSB e PSDB, três. A investigação encontrou um político com antepassados que teriam escravizado pessoas nos partidos Novo, Republicanos e PRD.

Dois dos emedebistas que teriam antepassados escravistas são os ex-presidentes Itamar Franco e José Sarney. Outros dois são pai e filho: o senador Jader Barbalho e o governador do Pará, Helder Barbalho. Os demais políticos são os senadores Fernando Dueire e Veneziano Vital do Rêgo.

Políticos de berço 

O economista pernambucano Fernando Antônio Caminha Dueire, 65 anos, iniciou em novembro de 2022 seu primeiro mandato no Senado Federal. Integrante da bancada ruralista, ele era o primeiro suplente na chapa de Jarbas Vasconcelos, um dos fundadores do MDB nos anos 1960. Vasconcelos exerceu numerosos cargos políticos – incluindo o de governador de Pernambuco e senador. Foi reeleito para o Senado em 2018, mas licenciou-se do mandato por questões médicas.

Dueire é filho de Maria Carmelita Monteiro e Pedro Dueire do Nascimento. Carmelita foi presidenta do Banco da Providência, braço filantrópico da Igreja Católica, durante o bispado de dom Hélder Câmara, de quem era amiga. Pedro, seu esposo, foi comerciante e deputado estadual por Pernambuco. Mas, muito antes dos pais do senador, a família já contava com uma longa tradição no exercício do poder político, econômico e militar.

Nascido em 1751, o trisavô de Carmelita, João de Castro e Silva, foi um dos homens fortes de Portugal na região do Ceará: era capitão-mor, responsável, portanto, pela defesa da colônia ultramar. Também seu pai, o português José de Castro e Silva, exerceu a função de capitão-mor, e, segundo a Revista do Instituto do Ceará, editada desde 1887, “territorialmente ampla e temporariamente longa foi a influência econômica de sua descendência”.

José de Castro e Silva é o sexto avô do senador Fernando Dueire que teria tido escravizados durante o período colonial. O documento que atesta é o Livro de Batismos de Aracati (CE), de 1797. Consta nele a ata de batismo de Francisca, “parda, filha legítima de Bento, escravo do capitão-mor José de Castro, e de Gertrudes da Conceição, índia”. Pela alta posição que ocupava na administração colonial, é possível que José de Castro tenha escravizado mais pessoas – o registro de Bento, porém, foi o único ao qual a Pública teve acesso.

“17 escravizados”

Hoje, aos 54 anos, o emedebista Veneziano Vital do Rêgo Segundo Neto está na política desde os 27, quando se elegeu vereador de Campina Grande (PB). Sua carreira só fez ascender: aos 35 venceu a disputa pela prefeitura da cidade. Dez anos e dois mandatos de prefeito depois, sagrou-se deputado federal, e na eleição seguinte, em 2018, alcançou o Senado – do qual se tornou vice-presidente em 2021.

O senador descende de uma família de políticos e de alguns dos senhores de engenho mais ricos da Paraíba, como o major Antônio Bento Duarte, nascido em 1851, e o coronel Francisco Duarte, que nasceu em 1842. Os tataravós de Veneziano foram o coronel Santos da Costa Gondim e Maria Franca Torres. O coronel nasceu em 1815 e morreu em 1894, pouco depois da abolição da escravidão, e Maria nasceu em 1826, falecendo em 1871.

A informação de que o coronel teria tido escravos consta no testamento de Maria. Aos seus seis filhos, ela legou “17 escravos, casas de sobrado, casa de taipa, safra de canas, propriedade de terras”, patrimônio que fazia da família “uma das maiores riquezas da cidade de Areia-PB”, como analisou a historiadora Eleonora Félix da Silva em sua dissertação de mestrado, “Escravidão e resistência escrava na ‘Cidade d’Areia’ oitocentista”, defendida em 2010 na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

A família rica tem uma grande tradição política. Vital do Rêgo Filho, irmão do senador, chegou ao Senado, sendo indicado ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) por Dilma Rousseff (PT) em 2014, cargo que ocupa até hoje. A mãe dos dois, a também emedebista Ozanilda Gondim Vital do Rêgo, foi colega do filho no Senado até o ano passado. Nilda, como é conhecida, era a primeira suplente do senador José Maranhão (MDB) e assumiu a vaga após a morte dele. Já o pai de Veneziano, Antônio Vital do Rêgo, foi deputado estadual e federal, tendo passagem por oito partidos, entre eles a Arena, que dava sustentação à ditadura militar, e também pelo MDB, que lhe fazia oposição.

Os avós paternos e maternos do senador também foram políticos. O pai de seu pai, conhecido como major Veneziano, nascido em 1907, presidiu a Assembleia Legislativa de Pernambuco entre 1950 e 1958, enquanto o pai de sua mãe, Pedro Moreno Gondim, governou por dois mandatos a Paraíba, de 1958 a 1966.

A reportagem procurou os políticos citados e seus representantes para esclarecer os achados sobre suas árvores genealógicas e a relação dos seus antepassados com a escravidão, assim como fizemos com todas as autoridades citadas no Projeto Escravizadores. Não recebemos respostas até a publicação.

Do protagonismo ao governismo

A ditadura militar, instaurada com o golpe de 1964, pôs fim ao pluripartidarismo. Surgiram, então, a Arena e o MDB. No início, o MDB era como uma frente ampla. Havia egressos do Partido Comunista Brasileiro, do Partido Trabalhista Brasileiro de João Goulart, presidente deposto pelos militares, centristas do extinto Partido Social Democrático (PSD), como Tancredo Neves, e quadros à direita, saídos da União Democrática Nacional (UDN), que apoiou o golpe.

Embora tenha surgido como a oposição tolerada pela própria ditadura, o MDB alcançou uma popularidade não prevista pelos militares e foi, ao lado do movimento sindicalista, de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de setores progressistas da Igreja Católica, um dos protagonistas na restauração da democracia no Brasil.

Nos anos 80, durante a redemocratização, as disputas internas do MDB começaram a ficar evidentes. De um lado, estavam os chamados “autênticos”, políticos de ideologia definida, à centro-esquerda, e que participaram da fundação do movimento, como Ulysses Guimarães e Roberto Requião; do outro, os “moderados”, muitos ligados a grandes produtores rurais e que pregavam uma atuação pragmática da legenda, contando inclusive com ex-quadros da Arena – José Sarney, por exemplo, assim como o pai e o avô materno do senador Veneziano Vital do Rêgo.

Com o retorno do pluripartidarismo em 1979, os políticos à esquerda do MDB refundaram o PCB, o PCdoB e o PSB, migrando para estes partidos. Seis anos depois, em 1985, morreu Tancredo, eleito indiretamente para a Presidência da República, e o MDB, de oposição, tornou-se situação pela primeira vez. Os “autênticos”, porém, negaram apoio a Sarney, enquanto os “moderados” participaram do seu governo.

Para Rodrigo Patto Sá Motta, 58 anos, professor titular de História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a chegada do MDB ao poder foi determinante para que o partido assumisse a face que tem hoje, “mais comprometido com as elites econômicas do que com um programa de centro-esquerda”. “Enquanto era oposição à ditadura, o partido não tinha acesso a recursos e cargos, e portanto, salvo raras exceções, não atraía políticos de perfil oportunista. Depois da redemocratização, o MDB cresceu muito, elegendo grandes bancadas, governadores e prefeitos, o que favoreceu a entrada de personagens à direita no partido”, explica.

Além disso, desde a origem do MDB o que unia suas diferentes correntes era a luta contra a ditadura e pela democracia. Com o fim do regime, essa bandeira perdeu parte do sentido. “Isso contribuiu para a saída de pessoas de esquerda e centro-esquerda, atraindo, por outro lado, ex-arenistas e políticos mais jovens, sem um compromisso ideológico fixo”, completa o professor.

Por discordâncias com a chegada de novos quadros, emedebistas históricos, como Fernando Henrique Cardoso, abriram uma dissidência no partido, fundando, em 1988, o PSDB. No ano seguinte, na primeira eleição presidencial após o fim da ditadura, os “autênticos” prevaleceram, lançando a candidatura de Ulysses Guimarães. O resultado do pleito foi desanimador para os “autênticos”: com 4% dos votos, Ulysses amargou um sétimo lugar na disputa. Os “moderados”, então, ganharam espaço na direção do MDB, e muitos seguem dando as cartas no partido ainda hoje, como Renan Calheiros, Michel Temer e Jader Barbalho. Como resultado da predominância desse grupo, de 1990 até a atualidade, o único presidente que não contou com o apoio formal ou informal do MDB foi Fernando Collor.

A investigação foi feita com apoio do Pulitzer Center*

Imagem: Plenário do Senado/ Agência Senado/ Senado Federal/ Lula Oficial/ José Cruz/Agência Brasil/Matheus Pigozzi/Agência Pública

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

5 × 5 =