Considerações sobre o pacote de medidas econômicas.
Parece consenso que o anúncio do pacote de medidas econômicas pelo ministro Fernando Haddad foi uma trapalhada. Os petistas tentam fazer alarde com o aumento da isenção do imposto de renda para R$ 5 mil, como se fosse uma medida revolucionária, mas a verdade é que não cola.
Foi uma pequena tentativa de dourar uma pílula muito amarga – e, além disso, o comando do Congresso já avisou que não vai fazer a medida passar assim tão fácil.
É um pequeno aceno a uma camada que Fernando Haddad chama de “classe média” – remediados que se viram no fio da navalha. A classe média propriamente dita foi excluída, já que a tabela vai reonerar quem recebe acima de R$ 7,5 mil. E os mais pobres perdem com a restrição ao abono salarial (maldade quase gratuita, com impacto fiscal insignificante), redução do salário mínimo e novas regras para o BPC.
O pequeno imposto a ser cobrado dos ricos, se (e esse é um grande “se”) a medida for aprovada no Congresso, é muito pouco para instaurar um regime de taxação progressiva.
O governo Lula rendeu-se à pressão do capital e caminha na direção do austericídio.
Ao reduzir o reajuste real do salário mínimo, reforça a superexploração da força de trabalho e a vulnerabilidade dos aposentados. Caso a regra anunciada por Fernando Haddad estivesse em vigor desde o primeiro mandato de Lula, o salário mínimo hoje estaria em volta de R$ 1 mil – uma perda de quase 30%.
E combater fraudes sempre é bem-vindo, mas as novas regras do BPC penalizam muitas famílias, aquelas que têm mais de uma pessoa em situação de dependência (idoso ou com deficiência).
Parece que a ideia de crescimento com estímulo ao mercado interno, um pilar da política econômica lulista, foi abandonada. Parece que o compromisso de combater a pobreza extrema foi desinflado.
Fernando Haddad e, por conseguinte, Lula abraçaram o fiscalismo e o discurso da redução do Estado, praticamente sem resistência.
A reação do “mercado” mostrou que ainda é pouco. Mas Fernando Haddad já se encontrou com os banqueiros e sinalizou que está disposto a ceder ainda mais.
A alta do dólar foi aquele combo gostoso: pressionar por mais cortes, desgastar um governo que não é considerado plenamente confiável e ainda ganhar na especulação.
Roberto Campos Neto, um bolsonarista desavergonhado, não fez nada para conter o câmbio. Triste foi ver Gabriel Galípolo, seu sucessor indicado por Lula, aplaudindo a inação do Banco Central.
Como o governo vai manter o discurso contra os juros altos com Gabriel Galípolo comandando o Banco Central? Vai ficar claro que é só teatrinho.
Não é só o ajuste. Lula sancionou sem vetos a lei que “disciplina” a farra das emendas parlamentares, aceitando, sem luta, o sequestro do orçamento público pela elite política predatória – logo, a imobilização de seu próprio governo.
Também não é capaz de dar um passo para emparedar o golpismo militar, mesmo em seu momento de maior fragilidade. Preferiu aproveitar a oportunidade para incluir no pacote a redução de alguns privilégios imorais do oficialato, julgando que agora a resistência fardada seria menor. Um recado claro: ajudem no “ajuste” e a gente deixa quieto o golpismo de vocês.
Vão dizer que “com esse Congresso não dá”, que “a correlação de forças é negativa”. Verdade. Mas cadê a lendária capacidade de articulação política de Lula? Cadê sua habilidade para encontrar brechas e construir consensos?
Vemos um governo nas cordas. O pior: sem qualquer ânimo para reagir e esboçar uma defesa de sua base social. Sua liderança está cindida entre um presidente envelhecido, que não está sabendo se posicionar diante de circunstâncias bem diversas daquelas de seus primeiros mandatos, e um ministro da Fazenda que se rendeu completamente à ortodoxia fiscalista.
Com o PT entre rendido e acuado e o PSOL boulista transformado em ala externa do PT, falta uma oposição à esquerda que pelo menos aumente o ônus da adoção de medidas antipovo.
Teria sido melhor eleger Simone Tebet. Pelo menos a gente tinha esperança de que a CUT buscasse alguma mobilização, em vez de se limitar a lançar uma nota anódina.
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Foto: Sebastian Voortman