Grupo tenta superar inconsistências para divulgar dados detalhados à população
Por Mariah Friedrich, Século Diário
O Brasil ocupa a posição de maior consumidor mundial de agrotóxicos, como apontou levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que revelou que as lavouras brasileiras utilizam mais agrotóxicos do que os Estados Unidos e a China juntos. Apesar dos impactos graves à saúde humana e da contaminação do solo, da água e da fauna, a obtenção de dados confiáveis sobre o uso desses produtos enfrenta barreiras, conforme alerta o Fórum Espírito-Santense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (Fesciat).
Desde 2017, o Fórum tem atuado no Espírito Santo para promover discussões e ações em torno do uso de agrotóxicos e suas alternativas. No entanto, o acesso limitado a informações oficiais tem dificultado o avanço das iniciativas. Coordenador da Comissão de Impactos à Saúde e Meio Ambiente do Fórum, o professor Lusinério Prezotti, do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) em Santa Teresa, região serrana do Estado, destaca os desafios enfrentados pela equipe.
“Ficou muito clara é a dificuldade em obter dados oficiais. A gente vê esse avanço em alguns estados, onde os próprios órgãos fiscalizadores tabulam os dados e divulgam em seus sites para acesso público. Aqui, o órgão oficial de fiscalização [Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo, Idaf] tem os dados, mas não os tabula nem os divulga”, observa.
A realidade estadual reflete a falta de transparência no registro, comercialização e monitoramento de agrotóxicos no Brasil, agravada pela sanção do Projeto de Lei 1.459/2022, apelidado de “Pacote do Veneno”, transformado na Lei dos Agrotóxicos (14.785/2023) pelo presidente Lula.
A nova legislação, que flexibiliza as regras de aprovação, registro, reclassificação, fiscalização, comércio, exportação e uso de agrotóxicos nocivos, é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7701, movida pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialismo e Liberdade (Psol), Rede Sustentabilidade, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar).
Paralelamente, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que buscaria promover alternativas mais seguras, não foi assinado e segue sem uma nova data para implementação, deixando em aberto o compromisso com a redução dos impactos ambientais e à saúde.
Dados inconsistentes
No Espírito Santo, o fórum se organiza em três comissões temáticas: uma dedicada a avaliar os impactos dos agrotóxicos e transgênicos, outra a segurança alimentar, e uma terceira que trabalha na promoção da agroecologia e produção orgânica. “Nosso trabalho na comissão de impactos é buscar dados e transformá-los em informações úteis e acessíveis para a sociedade”, explicou Lusinério Prezzoti. Ele enfatizou que o objetivo é identificar quanto de agrotóxicos é usado, quais os principais ingredientes ativos e as culturas que mais consomem essas substâncias no Estado.
Apesar dos esforços, o acesso às informações permanece um entrave significativo. Em 2018 e 2019, o fórum realizou um levantamento inicial, mas o coordenador da Comissão de Impactos à Saúde e Meio Ambiente do Fórum relata que os dados disponíveis não eram confiáveis nem oficiais. “Agora, temos em mãos dados concretos oriundos do sistema eletrônico do Idaf, o EIDAF, mas detectamos inconsistências que precisam ser corrigidas antes da divulgação”, afirmou. Ele revelou que só recentemente o Idaf informou que o sistema está em conformidade, permitindo ao fórum solicitar novamente os dados dos últimos anos.
A expectativa é que, no primeiro semestre de 2025, sejam divulgadas informações detalhadas sobre o consumo de agrotóxicos no Estado, incluindo dados por cultura, município e princípio ativo. “Nosso compromisso é garantir que as informações sejam consistentes e verdadeiras antes de apresentá-las à sociedade”, frisou.
Lusinério alertou que a ausência de informações confiáveis prejudica a capacidade da população de tomar decisões conscientes. “Se você soubesse quais alimentos contêm mais resíduos de agrotóxicos, poderia optar por evitar consumi-los ou buscar alternativas, como produtos orgânicos. A falta de informação tira do consumidor a soberania de escolha”, criticou. Ele acrescentou que a divulgação de dados poderia aumentar, ainda, a cobrança por medidas corretivas, promovendo maior controle e segurança.
Outro ponto crítico mencionado foi a dificuldade em monitorar a presença de agrotóxicos em águas de interiores e alimentos. O representante do fórum destacou que os dados estaduais sobre resíduos de agrotóxicos na água ainda não são divulgados, embora análises estejam em andamento.
Avanços na agroecologia
Apesar dos desafios, o Fesciat aponta avanços significativos nos últimos anos. A Política Estadual de Agroecologia (Peapo), sancionada em 2018, trouxe pautas importantes para o desenvolvimento sustentável. “Conseguimos inserir demandas agroecológicas no plano estadual de agricultura e cobrar ações mais efetivas do governo e dos municípios”, pontua Lusinério Prezotti. Ele destaca a necessidade de apoio técnico às prefeituras para fomentar a produção orgânica e a implantação de vigilâncias locais de populações expostas a agrotóxicos.
A criação da Subsecretaria de Agricultura Familiar também é apontada como uma medida importante do governo estadual para apoiar os pequenos agricultores capixabas. Em Montanha, extremo norte do Estado, a aprovação da política municipal de agroecologia e produção orgânica, que surgiu por meio de uma iniciativa da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA), reflete um esforço de integrar práticas sustentáveis e fortalecer a agricultura familiar, com foco em alimentação saudável e preservação ambiental.
Santa Teresa, na região serrana, implementou uma política específica de apoio aos produtores orgânicos, voltada para fortalecer aqueles que já atuam ou desejam transicionar para sistemas produtivos sustentáveis e livres de agrotóxicos.
Pacto Ecológico Estadual
A experiência do Pacto Ecológico Capixaba, implementado inicialmente em Viana, é vista como um modelo para ser expandido para outros municípios capixabas. A presidente do Fesciat, Isabela Cordeiro, promotora de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), explica que o projeto visa fortalecer a pauta agroecológica, por meio da capacitação de produtores rurais e fomento à transição da agricultura convencional para a orgânica, com o apoio de instituições como o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).
Ela enfatiza que o projeto tem investido na formação contínua dos agricultores, com visitas técnicas, imersão em estações agroecológicas e participação em encontros estaduais de controle social. O pacto visa também a assinatura de termos de cooperação técnica e a implementação de legislações que regulamentam a produção orgânica. Um dos grandes destaques é a universalização da alimentação escolar orgânica no município de Viana.
A expectativa da entidade, com a consolidação e divulgação de dados sobre agrotóxicos nos próximos meses, é impulsionar políticas públicas mais eficazes e garantir o direito social à informações sobre o uso desses produtos no Estado, promovendo a transparência e a segurança alimentar da população.
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Foto: Antonio Cruz – Agencia Brasil