Carta da 21ª Jornada de Agroecologia aponta agronegócio como um dos principais responsáveis pela crise climática

Comida boa e sem veneno, música de qualidade, memória, estudos e debates sobre alimentação e meio ambiente estão na programação. Confira! 

MST

Ao final de cinco dias da 21ª Jornada de Agroecologia, a coordenação da ação apresentou a carta desta edição, neste domingo (8). O documento apresenta a avaliação de que o planeta vive uma profunda crise social e humanitária, com os efeitos de guerras, a financeirização e a destruição da natureza, genocídio de povos e de defensores dos direitos humanos.

O agronegócio é apontado como um dos principais responsáveis pela crise ambiental: “Sabemos que o atual modelo agroalimentar capitalista, sustentado por empresas transnacionais, contribui para o aquecimento global, através do desmatamento, da produção de monocultivos, da produção pecuária em alta escala, das amplas redes de transporte e da utilização abusiva de agrotóxicos”.

Diante deste cenário, o principal desafio para a humanidade é o cuidado com a “casa comum”, com o exercício constante dos “valores anticapitalistas, entre eles, a solidariedade como uma ação entre trabalhadoras e trabalhadores”.

A carta apresenta nove compromissos, das mais de 60 organizações que compõem a Jornada, para a ação individual e coletiva no enfrentamento à crise ambiental: desenvolver a solidariedade em ações práticas; plantar árvores; produzir alimentos saudáveis; cuidar e reproduzir as sementes crioulas; recuperar as nascentes e cuidar da água; deter o uso de agrotóxicos; promover a agroecologia; reconstruir as relações entre as pessoas e a natureza com igualdade de gênero e enfrentamento ao racismo; e cuidar da Mãe Terra.

A Jornada ocorreu no Centro Politécnico da UFPR, no Jardim das Américas, com uma grande feira de alimentos e produtos diversos da reforma agrária, da agricultura familiar e da economia solidária.

Leia a carta na íntegra:

Carta da 21ª Jornada de Agroecologia 

Nós, povos do campo, das águas, das florestas e da cidade, construímos a 21ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba, entre os dias 04 e 08 de dezembro de 2024. Hasteamos a bandeira colorida entre músicas, cultura, feira e arte em marcha, em luta e com rebeldia. Com muitas mãos, corações e mentes por trabalho, terra, teto e agroecologia.

Agroecologia, para nós, é labor e luta. Nos fortalecemos alimentando a vida e combatendo nosso inimigo de classe: o capital-agronegócio.

Agroecologia, para nós, é sabedoria ancestral e ciência. Ciência que se faz sábia, ancestralidade que se mutualiza com a ciência.

Agroecologia, para nós, é agri-cultura milenar – da germinação das sementes ao convívio com animais. Água. Terra. Seres invisíveis. E tudo mais. Legado de Povos ancestrais no encontro com os Povos atuais. Sujeitos agri-culturais, políticos, sociais.

Contra os agrotóxicos e pela vida  

Vivemos uma profunda crise sócio humanitária, de guerras, avanço da extrema direita no mundo, financeirização da natureza, destruição do planeta, genocídio de povos e dos defensores dos direitos humanos.  Ao longo de todo o ano, pudemos acompanhar os efeitos das mudanças climáticas. Nas secas e queimadas na Amazônia, cerrado e pantanal, nas enchentes do sul do país, nos deslizamentos de terra e nas chuvas desreguladas.

Sabemos que o atual modelo agroalimentar capitalista, sustentado por empresas transnacionais, contribui para o aquecimento global, através do desmatamento, da produção de monocultivos, na produção pecuária em alta escala, nas amplas redes de transporte e na utilização abusiva de agrotóxicos.

Ao envenenar nossos corpos, nossos solos, águas e mentes; alteram e desequilibram a natureza, geram doenças físicas e mentais nos corpos. Vendem falsas soluções, como a agricultura climaticamente inteligente, geoengenharia climática, capitalismo verde, energias “sustentáveis”, créditos de carbono, créditos da biodiversidade, cada vez mais liberação de novas culturas transgênicas, como o trigo, feijão e arroz, que são ao fim e ao cabo novas formas de colonialismo com soluções supostamente universais, excluindo a diversidade, aprofundando as desigualdades, violências e as injustiças ambientais e climáticas.

O agronegócio é o modelo da morte, seu poder está fixado nas entranhas das elites brasileiras, como mostra sua força no Congresso Nacional, aprovando projetos de lei de retrocesso, como o marco temporal, flexibilização do licenciamento ambiental, e aprovação do Pacote do Veneno.

Pela ampliação das políticas públicas

O nosso governo precisa seguir construindo políticas públicas e priorizando, na destinação orçamentária, recursos para a concretização da agroecologia e da agricultura familiar. A retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do PAA Sementes e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são vitais para a segurança alimentar e permanência da camponesa e do camponês na terra, e dos povos indígenas, quilombolas, e povos e comunidades tradicionais em seus territórios. É importante garantirmos a continuidade destas políticas, e ir além. Avançar na ampliação das iniciativas de conservação da agrobiodiversidade, proteção das sementes crioulas e comercialização e circulação dos produtos da sociobiodiversidade.

Na luta por um Brasil sem fome, é fundamental o apoio à estruturação das cozinhas comunitárias e solidárias, com abastecimento de produtos da agricultura familiar, o incentivo à construção das hortas urbanas e os subsídios para produção de alimentos saudáveis acessíveis a trabalhadoras e trabalhadores. Além disso, a regularização fundiária, a demarcação dos territórios dos povos originários e tradicionais é tarefa urgente e necessária tanto no campo quanto na cidade.

Além destas iniciativas, a agroecologia precisa entrar como meta prioritária de ação, sendo reconhecido seu papel para assegurar o direito à alimentação adequada. A concretização da agroecologia e a sustentabilidade da agricultura familiar dependem de linhas de financiamento e seguro para trabalhadoras e trabalhadores da terra. Também é preciso avançar na construção coletiva de incentivos para que agricultores e agricultoras caminhem para a transição agroecológica; melhorar as políticas de assistência técnica e extensão rural, e assegurar a participação efetiva dos sujeitos do campo em todas as etapas de elaboração destas políticas públicas.

A partir da reforma tributária, os poderes públicos devem retirar os benefícios fiscais da exportação dos produtos do agronegócio, entre eles os agrotóxicos. Cabe ao governo proibir a pulverização aérea; banir os banidos, responsabilizar os crimes de uso de agrotóxicos como arma química e instituir a Política Nacional de Redução do uso de Agrotóxicos.

Cultivando o Esperançar

Em tempos duros para os povos de todo o mundo, a agroecologia se reafirma como caminho para cuidar da terra, da biodiversidade do planeta, e de todos os seres vivos.  Agroecologia é um projeto de vida, que carrega os saberes populares dos povos originários e comunidades tradicionais, e segue agregando tecnologias, conceitos e saberes da humanidade, em movimento permanente. É projeto político, é prática, é ciência e educação popular. É garantia da igualdade e da diversidade racial, de gênero e de sexualidade. É valorização do trabalho, do ser e saber dos povos dos campos, águas e florestas. A Agroecologia entrelaçada aos conhecimentos tradicionais ancestrais é a concreta capacidade dos povos para enfrentar as mudanças climáticas no planeta e garantir a soberania e segurança alimentar.

A agroecologia esfria o planeta 

Precisamos destacar, ainda, o papel que as mulheres têm na conservação de seus quintais, na guarda das práticas tradicionais e no comércio solidário. Exemplos concretos e pedagógicos das alternativas ao capitalismo, e da valorização do trabalho vivo dos povos. Por isso, lutamos pela superação das relações de opressão de gênero, raça, classe, contra pessoas LGBTQIAPN+, e por corpos e territórios livres e saudáveis.

A agroecologia é baseada nos princípios da autogestão, solidariedade, cooperação, sustentabilidade, e em relações de trabalho sem exploração. Sua relação é indissociável da economia solidária. Para a viabilidade econômica dos empreendimentos coletivos formados por trabalhadoras e trabalhadores, do campo e da cidade, sejam as cooperativas, associações ou grupos informais, se faz necessário: o fomento de cadeias produtivas solidárias que não dependam exclusivamente de compras públicas para garantir sua comercialização e renda; e o fortalecimento de processos organizativos que garantam a autogestão e rotatividade de funções.

Pistas para adiar o fim do mundo 

Cuidar da nossa casa comum é nosso desafio como humanidade, assim como o exercício constante dos valores anticapitalistas, entre eles, a solidariedade como uma ação entre trabalhadores e trabalhadoras.

Diante da crise do capital, nós propomos, as seguintes ideias e compromissos para ações individuais e coletivas para o cuidado da nossa casa comum: a) desenvolver a solidariedade em ações práticas; b) plantar árvores; c) produzir alimentos saudáveis; d) cuidar e reproduzir as sementes crioulas; e) recuperar as nascentes e cuidar da água; f) deter o uso de agrotóxicos; g) promover a agroecologia; h) reconstruir as relações entre as pessoas e com a natureza com igualdade de gênero e enfrentamento ao racismo; i) Cuidar da Mãe Terra.

Por um Brasil soberano e popular, baseado na agroecologia, livre de transgênicos, agrotóxicos, opressões de classe, raça, gênero e sexualidade. Por territórios saudáveis que respeitem as pessoas, os povos, os saberes, a biodiversidade, os animais e o meio ambiente. Por uma nação sem fome, sem pobreza e comprometida com a justiça social e ambiental.

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