Confira entrevista sobre a plataforma que conecta investidores a cooperativas da Reforma Agrária para produção agroecológica
Por Fernanda Alcântara, na Página do MST
A Reforma Agrária no Brasil é um problema histórico e uma política essencial para o desenvolvimento sustentável do país. Em tempos de crises climáticas e econômicas, iniciativas que mostrem que é possível construir um futuro diferente são fundamentais e, mais do que distribuir terras, a Reforma Agrária Popular é uma estratégia para garantir a soberania alimentar e fortalecer a produção de alimentos saudáveis no Brasil.
Neste sentido, as cooperativas e assentamentos de Reforma Agrária se destacam na produção de alimentos livres de agrotóxicos, na preservação ambiental e na valorização das comunidades rurais. Assim surge o Finapop, ou Financiamento Popular da Produção, como uma iniciativa inovadora e transformadora. Criada em 2020, a plataforma conecta investidores individuais a projetos produtivos em territórios de Reforma Agrária, oferecendo uma alternativa concreta ao modelo tradicional de financiamento. A proposta do Finapop vai além do crédito produtivo: ela busca superar barreiras históricas enfrentadas pelos assentados da Reforma Agrária, como a dificuldade de acessar políticas públicas e o preconceito das instituições financeiras.
Por meio da plataforma, cooperativas e associações podem captar recursos de maneira direta e transparente, com apoio técnico e acompanhamento contínuo. Isso fortalece tanto a produção agroecológica quanto as redes de comercialização, consolidando um ciclo virtuoso que beneficia agricultores e consumidores.
Confira abaixo a entrevista com Luis Costa, diretor executivo do Finapop, que fala sobre como a plataforma é uma alternativa de transformação social, baseada na valorização do trabalho coletivo e na produção de alimentos que respeitam a terra e as pessoas.
O que é o Finapop? Como a plataforma tem se desenvolvido, com mais cooperativas e atraindo mais pessoas interessadas em investir?
Luis Costa: O Finapop é uma iniciativa de financiamento voltada para a produção de alimentos saudáveis, desenvolvida pelas cooperativas de Reforma Agrária, associações e empresas sociais presentes em territórios de Reforma Agrária em todo o Brasil. Desde 2020, trabalhamos nesta iniciativa para captar recursos, tanto no mercado financeiro, mas principalmente junto às pessoas comuns. Então, o foco é oferecer uma alternativa para aquelas pessoas que costumam investir em poupança ou comprar títulos de bancos privados. No Finapop, elas podem investir sabendo exatamente onde o dinheiro está sendo aplicado e qual impacto ele está gerando.
As cooperativas apresentam projetos, e as pessoas, ao aplicarem seu dinheiro, têm o retorno financeiro e também um retorno de impacto social, com o incentivo na produção de alimentos saudáveis, em sistemas agroecológicos ou em transição agroecológica. Essa é a filosofia do Finapop.
Quais são as principais dificuldades que as cooperativas enfrentam para colocar os projetos em prática? Como a plataforma ajuda a resolver esses problemas?
Historicamente, o financiamento sempre foi uma pauta na luta pela Reforma Agrária. O crédito é essencial para custear a produção, montar agroindústrias, viabilizar canais de comercialização etc. Porém, os bancos tradicionais e a política pública têm se mostrado muito limitados para atender essa categoria, especialmente no caso da agricultura familiar como um todo, e, principalmente, para os agricultores familiares assentados. Além do preconceito histórico enfrentado por esses grupos, há também barreiras impostas pelos próprios manuais de crédito dos bancos, que criam entraves e dificultam o acesso a recursos em forma de investimentos produtivos para as cooperativas.
Na prática, os agricultores encontram dificuldades tanto nos bancos oficiais, ou seja, no crédito agrícola convencional, mas também em políticas públicas como o Pronaf, que teve expansão nos últimos anos, mas enfrenta desafios para chegar até o pequeno agricultor. No momento de acessar o crédito, muitas famílias assentadas ficam de fora por não possuírem garantias aceitas pelos bancos, por não conseguirem cumprir os requisitos exigidos pelas instituições financeiras ou por não obterem liberação de crédito em volumes suficientes. Quando conseguem o crédito, frequentemente enfrentam juros abusivos, o que torna o processo ainda mais inviável.
Além disso, a política de crédito, tanto bancária quanto pública, é frequentemente incompatível com as demandas da transição agroecológica e da produção de alimentos saudáveis, e esse cenário exige uma alternativa como o Finapop, que funciona como uma ferramenta coletiva para superar obstáculos e impulsionar os processos produtivos das cooperativas.
Como o Finapop garante que os investimentos sejam seguros e tragam resultados para investidores e cooperativas, mesmo em cenários de crise econômica e oscilações?
Buscamos criar alternativas de financiamento baseadas em dois eixos centrais. O primeiro é estabelecer uma comunicação com as pessoas que consomem os alimentos produzidos pelas cooperativas em territórios de Reforma Agrária, mostrando que existe uma forma alternativa de fazer financiamento. O segundo eixo é o foco na produção de alimentos, especialmente em sistemas de transição agroecológica. Dessa forma, contemplamos uma pauta importante, principalmente nos últimos anos, que é a emergência climática, que exige práticas agrícolas inovadoras para superar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Esse projeto se sustenta nesses dois pilares e, para que isso funcione, as cooperativas de Reforma Agrária se organizam e operam em diferentes modelos de produção, promovendo a intercooperação. Isso pode ser feito, por exemplo, através de cadeias produtivas ou da Rede Armazéns do Campo, que atua na comercialização. Além disso, as cooperativas acessam políticas públicas para fornecer alimentos à merenda escolar, o que demonstra uma estratégia de organização da produção já consolidada ao longo de décadas, mas agora também temos o dinheiro.
O crédito, nesse contexto, surge como uma ferramenta adicional para impulsionar esses processos. A plataforma Finapop permite que centenas, hoje já milhares de pessoas, participem desse ciclo de forma coletiva. A produção gerada não apenas proporciona rendimentos para o investidor, mas também oferece uma alternativa à financeirização do mercado convencional e à especulação financeira. O dinheiro investido gera, de fato, alimentos, que são comercializados de acordo com uma estratégia já estabelecida. Esse processo de intercooperação e a estrutura produtiva consolidada nas cooperativas oferecem uma garantia adicional para os investidores, que têm a certeza de que seu investimento contribui para o fortalecimento das cooperativas por meio de processos de uma estrutura produtiva robusta e consolidada.
E quais são as ações para além do financiamento que o Finapop realiza para aproximar os investidores dessas comunidades agrícolas?
Temos clareza de que o financiamento não é um fim em si mesmo, ou um “salvador da pátria”, mas uma ferramenta adicional. Ele complementa toda uma estrutura organizativa nos territórios de Reforma Agrária, não só da produção, mas também de processos de coletivização, intercooperação e estratégias estabelecidas de produção e comercialização. Há uma estrutura consolidada nos territórios de Reforma Agrária que permite que o crédito funcione como um recurso adicional para o desenvolvimento das cooperativas.
Quando avaliamos um projeto no Finapop, não analisamos apenas o investimento em si, mas todo o contexto ao qual ele está vinculado. Esse processo começa antes mesmo da aprovação do crédito: a cooperativa apresenta o projeto, e, juntos, realizamos uma qualificação, garantindo seu protagonismo na organização necessária para acessar o financiamento.
Diferentemente do que ocorre nos bancos, onde quem solicita o crédito precisa se adaptar às condições impostas, buscamos criar um ambiente que priorize as demandas reais. Avaliamos não apenas o projeto específico, mas também as necessidades gerais da cooperativa e da comunidade, garantindo que o crédito faça sentido dentro desse contexto. Uma vez selecionada e qualificada, a cooperativa recebe acompanhamento contínuo para assegurar que o investimento atinja os resultados planejados e, além disso, fortaleça o processo organizativo da cooperativa. Esse apoio pode abranger desde a produção inicial até a agroindustrialização necessária para colocar o produto no mercado.
Para os investidores, o retorno é constante. Eles recebem atualizações sobre o estágio do projeto, os benefícios gerados, as melhorias implementadas e a evolução da produção. Esse acompanhamento é realizado ao longo de toda a execução do projeto. Assim, o Finapop não atua apenas no momento do crédito, mas segue acompanhando as diversas atividades da cooperativa, da comunidade e do assentamento.
Como acessar o Finapop e como funciona o processo de investimento?
A plataforma é bastante simples. A pessoa define o valor que deseja investir, a partir de R$ 100, e pode concluir tudo pela plataforma on-line, emitindo um boleto ou PIX para o pagamento. Após isso, ela começa a receber informações detalhadas sobre o projeto escolhido.
Durante o período de captação, a execução do projeto é monitorada, e os investidores recebem relatórios periódicos sobre o andamento. Nosso objetivo é manter a plataforma ativa constantemente, com novas ofertas mensais. Hoje, por exemplo, temos uma captação em andamento, e outras três já foram concluídas com sucesso. Em breve, novas oportunidades estarão disponíveis.
Mais de 70% das cooperativas atendidas pelo Finapop nunca haviam acessado crédito produtivo antes. Isso reforça a relevância dessa iniciativa para a organização da produção em territórios de Reforma Agrária, além de oferecer uma alternativa significativa para os investidores, que podem aplicar seus recursos em algo em que realmente acreditam e que terá impacto direto em suas vidas.
Confira parte da entrevista em vídeo:
*Editado por Solange Engelmann