Devolutiva ocorreu na Roda de Conversa “Impactos dos Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que fez parte da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”
Por Marilia da Silva / CPT Goiás
No dia 26 de novembro, o Acampamento Leonir Orback recebeu a Missão Territorial da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”, um encontro entre comunidade, pesquisadores, ativistas e jornalistas para debater como os agrotóxicos têm impactado a vida das famílias locais.
Para este diálogo, foi organizada a Roda de Conversa “Impactos dos Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que contou também com a participação de famílias de outras comunidades, em diferentes regiões do estado, que vivem realidades semelhantes à do acampamento.
“As pessoas ficam com problemas na pele, diarréia, enjôo, e quando vão no postinho o médico diz que é virose. Mas a gente, que a acompanha, sabe que é sempre na época que bate o veneno na soja [em área vizinha]”, contou Nilva Machado, que abriu a mesa com um breve relato sobre os problemas de saúde vividos pelas famílias da comunidade.
Para moradores do Leonir Orback, além de um momento de formação, a roda foi espaço de devolutiva dos resultados de estudos realizadas com material coletado por pesquisadores de diferentes instituições. A comunidade vem, há anos, denunciando problemas de saúde desencadeados no período mais intenso de pulverização nas lavouras vizinhas, localizadas muito próximas às suas casas.
Água com Veneno
Um dos resultados apresentados para a comunidade, foi da análise de duas amostras de água colhidas em 2022 no acampamento. O estudo foi realizado por equipe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e publicado em Vivendo em Territórios Contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado, pela Campanha Cerrado.
Fernanda Savicki, coordenadora da pesquisa, esteve presente no território para falar sobre os resultados da pesquisa: nas duas amostras coletadas na comunidade foram encontrados cinco diferentes tipos de substâncias agrotóxicas, pelo menos duas delas já banidas da União Europeia: a Artrazina e o Fibronil. Também foram encontrados o Glifosato, o 2.4-D e o Etofenprox, substâncias também altamente tóxicas às pessoas e ao ambiente.
Estudos científicos associaram o Glifosato, o Fipronil e o 2.4-D ao desenvolvimento de vários tipos de câncer em seres humanos. A Artrazina, o Glifosato e o 2.4-D são considerados como desreguladores do sistema endócrino. De acordo com a legislação brasileiras, estes dois fatores deveriam impedir a liberação do uso destas substâncias na agricultura, mas o que acontece na prática, ainda hoje, é que os níveis considerados aceitáveis para presença dessas substâncias na água de consumo da população são exorbitantes, muito acima do que é ou já foi aceito na União Europeia, por exemplo.
A Artrazina sequer tem um limite estabelecido como aceitável no Brasil: a presença deste veneno na água, em qualquer quantidade, não impede que ela seja considerada adequada para uso humano.
O Fipronil está ainda diretamente relacionado com a mortandade em massa de abelhas, uma grave ameaça à biodiversidade e à produção de alimentos em todo o mundo. O Etofenprox, além de nocivo às abelhas, também é altamente tóxico para vidas aquáticas.
Os relatos de moradores de outras comunidades do campo presentes na roda de conversa mostraram como o problema é uma realidade comum entre famílias do campo em Goiás. Maria Lúcia, integrante do grupo de mulheres apicultoras do Assentamento Dom Fernando, localizado em Itaberaí (GO), conta que os casos de mortandade de abelhas são constantes na região. A agente pastoral Marta Jacinto também compartilhou um relato sobre a convivência com comunidades de Silvânia (GO), também rodeadas pelas plantações de soja.
Pesquisa da UFG aponta para intoxicação
Equipe do Laboratório de Mutagênese da Universidade Federal de Goiás (Labmut/UFG), que realiza estudos de monitoramento do impacto dos agrotóxicos na saúde de trabalhadores rurais do estado de Goiás, também esteve presente na Roda de Conversa para apresentar os resultados da análise de material genético colhido no Acampamento Leonir Orback no último mês de julho.
Ao todo, 43 moradores da comunidade participaram da pesquisa, que analisou as danos ao material genético colhido associados à exposição a substâncias agroquímicas. A análise foi apresentadas pela pesquisadora Andreya Gonçalves e mostra a presença de quebras de DNA, apesar de o tipo de exposição dos moradores do acampamento ser apenas de forma indireta.
“Pretendemos voltar ao acampamento Leonir para realizar novas coletas. Para ter um resultado mais preciso, precisamos realizar o Biomonitoramente, com várias coletas, próximas e distantes dos períodos de pulverização, para tirar uma conclusão sobre como isso está afetando as pessoas”, explicou Daniela Mello, coordenadora da pesquisa. De acordo com moradoras do acampamento, os lavoureiros vizinhos pularam a plantação de milho do último mês de julho, a chamada Safrinha. Assum, a exposição à pulverização foi menos intensa no período que o material foi coletado para a pesquisa.
A pesquisa também incluiu a dosagem da enzima Colinesterase nas amostras de sangue coletadas, exame que faz parte do protocolo de identificação de intoxicação por agrotóxicos estabelecido pelo Ministério da Saúde. O resultado apontou para possível episódio de intoxicação de 4 pessoas do acampamento.
Zonas Livres de Agrotóxicos
Roberta Quirino, da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida, avaliou que, os dados destas pesquisas, que mostram a contaminação de corpos e territórios, mostram a necessidade de construir ações concretas para que as violações de direitos relacionadas ao agroquímicos se reduzam. Ela usou o exemplo do Rio Grande do Sul, onde comunidades conseguiram assegurar, por lei, os seus terrítórios e áreas de segurança como Zonas Livres de Agrotóxicos.
A criação deste tipo de proteção em áreas onde se produz de modo agroecológico é um das bandeiras da Campanha, juntamente com o banimento, no Brasil, das substâncias que já foram proibidas em outros países e regiões pelo mundo.
Gerailton Ferreira, da CPT Goiás, trouxe uma importante reflexão sobre a questão dos agrotóxicos, que faz parte de todo um sistema produtivo e econômico que envenena nossos corações. “Precisamos descontaminar não só o nosso solo e nossa água, mas a nós mesmas. Infelizmente o sistema conseguiu também contaminar corações com o ódio. Estamos em um momento em que a gente vê mas não enxerga, escuta mas não ouve, e ficamos achando que sozinhos conseguimos superar nossos problemas”, apontou Gerailton, chamando as comunidades para a ação coletiva organizada.
No dia seguinte à Missão Territorial, a Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás realizou a Audiência Pública “Impactos dos Agrotóxicos em Goiás”, na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, para debater a questão com o conjunto da sociedade goiana e parlamentares.
–
Grito das comunidades contra os Agrotóxicos e pela Vida (Foto: Marilia da Silva)