Desde ontem, sites e jornais on-line, majoritariamente de Santa Catarina, exibem variações de manchetes que sempre partem da mesma premissa: Betinho teria sido morto após “um confronto com a polícia”. Betinho, com menos de um metro de altura, teria ameaçado os policiais, armado com uma faca. Repetem, ao seu jeito, as alegações da PM local. O texto abaixo nos conta outra história. Raquel Wandelli e o psicólogo Thomas Teixeira Fidryszewski recusam a versão oficial e, com humanismo, nos contam sobre Betinho:
Por Raquel Wandelli
Dez policiais militares invadiram hoje, 4/1, no extremo Sul da Ilha de Santa Catarina, a casa de um homem anão de 48 anos e o mataram com quatro tiros à queima-roupa. Muito popular na comunidade da praia da Solidão, Ernesto Shmitt Neto, mais conhecido como Betinho, além de sofrer de nanismo, tinha problemas mentais com manifestações frequentes de surtos psiquiátricos potencializados pelo uso de drogas. Ele vivia com a mãe Joaquina, que alugava quartos na casa para manter a família.
A polícia foi chamada por uma inquilina que se disse ameaçada com uma faca pelo anão após um desentendimento. Ao saber da chegada da polícia, Betinho se trancou no quarto de casa, mas os policiais arrombaram a porta e o executaram. Amigos da vítima na comunidade alegam despreparo e violência desnecessária.
O psicólogo e professor de psicologia, Thomas Teixeira Fidryszewski, também morador da Solidão, conta que acompanhava os recorrentes surtos da vítima. Em depoimento pessoal, ele afirma que Betinho sofria de constantes crises nervosas com acessos de depressão e agressividade, mas era facilmente controlado por ele e amigos da comunidade, sem emprego de violência:
Hoje (04/01/2025), por volta das 11h da manhã a policia militar de Florianópolis assassinou o nosso amigo Betinho da praia da Solidão. Beto entrou em surto psicológico e expulsou seus inquilinos ameaçando-os com uma faca; após o transtorno, Beto trancou-se em sua casa e estava sozinho com uma faca em mãos.
Os inquilinos chamaram a polícia e mais de 10 policiais arrombaram a porta de sua casa, em seguida, dispararam mais de 5 tiros em um sujeito com menos de 1 metro de altura, tendo em vista que poderia ser facilmente controlado pelos policiais, que em nenhum momento tiveram essa intenção, de fato, confirmando que foi uma execução.
Um amigo em comum colocou-se a disposição para conversar com Betinho para acalmá-lo e fazer com que ele se entregasse, mas os policiais o impediram e partiram de maneira direta para o assassinato.
Beto era anão e sofria de transtornos psicológicos que o levaram à dependência química, fatos que potencializavam suas crises psicológicas. Filho único de dona Joaquina era um rapaz com problemas, entretanto, os moradores sempre lhe respeitaram e em diversos momentos deram conta de suas crises que eram acometidas por um comportamento violento e agressivo, porém, facilmente controlado por quem o conhecia.
Ficam duas perguntas que, como psicólogo e professor do curso de Psicologia, me acometem nesse momento de luto: Como que a PM lida com o profissional de psicologia que liberou laudo positivo para fardar, armar e colocar nas ruas sujeitos tão desequilibrados e incapazes emocionalmente? Em quem podemos confiar quando, em outros momentos, a comunidade já acionou a PM e a guarda municipal porque haviam sujeitos mal encarados provocando desordem e tanto a PM quanto a GM não vieram, mas, hoje, vieram rapidamente a pedido de uma turista e assassinam um morador em surto psicológico. Em quem, nós moradores da praia da Solidão, podemos confiar para fazer nossa segurança?
A PM serve a quem?
Thomas Teixeira Fidryszewski
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Betinho da Solidão. Foto: Sandra Alves