Pelo menos 28 pessoas foram mortas nos ataques israelenses nas últimas horas, de acordo com dados divulgados pelas autoridades de Gaza, entre os edifícios atingidos também uma escola que abrigava famílias deslocadas.
A reportagem é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 24-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O porta-voz da Agência de Defesa Civil de Gaza, Mahmoud Bassal, disse à agência de notícias AFP que a escola havia sido convertida em abrigo para palestinos desalojados, um dos quais, Mahmoud, falando à BBC Arabic, descreveu o impacto: “Estávamos dormindo em uma barraca no pátio da escola quando fomos acordados pelo som de uma explosão muito forte”.
O exército israelense, como faz depois de cada ataque que atinge instalações sanitárias ou áreas previamente designadas como seguras, afirmou que a escola Musa bin Nusair também era um centro de comando do Hamas.
No entanto, como tem acontecido com frequência desde 8 de outubro, as declarações do IDF não são sustentadas por evidências.
Sobre a conduta dos soldados na Faixa de Gaza e as ordens que recebem da liderança do exército, testemunhos estão começando a vazar, como os coletados pelo Hareetz, na recente matéria sobre a “linha dos cadáveres”.
A linha dos cadáveres
“Nenhum civil, todos são terroristas”. Assim começa o longo relatório publicado na semana passada pelo Hareetz. De acordo com os testemunhos de soldados das IDF que serviram em Gaza e concordaram em falar anonimamente com o jornal progressista israelense, qualquer pessoa que cruze a linha imaginária no corredor de Netzarim é morta a tiros e todo palestino é considerado terrorista. Mesmo que se trate de crianças. O corredor de Netzarim – uma faixa de terra de sete quilômetros de largura que se estende do Kibutz Be’eri até a costa do Mediterrâneo e divide a Faixa de Gaza ao meio – está sob o controle do exército israelense, que esvaziou essa área de residentes palestinos, demoliu suas casas para construir estradas militares e postos militares e, desde o início de outubro, implementou pelo menos um cerco de fato, que responde ao conhecido “plano dos generais”.
Na parte norte da Faixa de Gaza, um cerco e o uso da fome como arma de guerra estão sendo implementados com base no plano delineado pelo general aposentado Giora Eiland. Uma estratégia segundo a qual Israel deveria impor condições inviáveis aos habitantes do norte da Faixa, matando-os de fome e forçando-os a ir embora. Qualquer um que permanecer ao norte do corredor de Netzarim ou o atravesse pelo sul é considerada terrorista.
Os funcionários das Nações Unidas vêm alertando há meses com urgência que “toda a população do norte da Faixa está correndo o risco de morrer”. Confirmando que o plano dos generais está em vigor e explicando também a conduta que os soldados confessaram ao Haaretz, no início de outubro, Israel ordenou que os cerca de 400 mil residentes do norte se mudassem para as chamadas “áreas humanitárias”. Muitos se recusaram a deixar suas casas, desesperados demais com os constantes deslocamentos ou cientes de que até mesmo as áreas anteriormente designadas como “zonas seguras” haviam sido bombardeadas.
Um comandante da Divisão 252 disse ao Haaretz que as forças em campo chamam o corredor de Netzarim de “linha dos cadáveres” e que os corpos não são mais nem mesmo recolhidos, atraindo matilhas de cães que vêm comê-los. “O comandante da divisão designou essa área como uma ‘zona de matança’, escreve o jornal israelense. Qualquer um que entrar é alvejado”. E quem for atingido é considerado um combatente, portanto um terrorista, conforme confirmado por outro dos oficiais entrevistados da mesma divisão, que revela os detalhes da ordem que recebem de seus superiores: “Para a nossa divisão, a zona de matança se estende até onde alcança a mira de um franco-atirador. Estamos matando civis que depois são considerados terroristas”.
Um soldado de outra divisão, a 99, declarou que qualquer um que entre na “zona de matança” seria considerado, ex post facto, um terrorista que estava fazendo um reconhecimento, não importando se mulher ou criança, pois, de qualquer forma, são considerados espiões.
E o mandato da unidade era que, uma vez que os corpos tivessem sido mortos, as identidades das vítimas deveriam ser fotografadas e investigadas. O oficial entrevistado pelo Hareetz revela que, em um caso recente de 200 vítimas provocadas pelas forças armadas israelenses, “apenas dez foram confirmadas como pertencentes ao Hamas”.
A guerra da sede e a catástrofe humanitária
“A água é essencial para a vida humana, mas há mais de um ano o governo israelense vem negando deliberadamente aos palestinos de Gaza o mínimo indispensável para sua sobrevivência”, disse a diretora executiva da Human Rights Watch, Tirana Hassan, por ocasião da publicação, na semana passada, de um relatório de 179 páginas baseado em entrevistas com dezenas de palestinos em Gaza, entre os quais funcionários do serviço de abastecimento de água, especialistas em saneamento e operadores sanitários, bem como imagens de satélite e dados que vão de outubro de 2023 a setembro de 2024.
O relatório afirma que “desde outubro de 2023, as autoridades israelenses obstruíram deliberadamente o acesso dos palestinos à quantidade adequada de água necessária para a sobrevivência na Faixa de Gaza”. Não apenas alimentos e acesso às ajudas humanitárias, portanto, também a água e a sede se tornaram instrumentos do massacre em curso em Gaza.
A Human Rights Watch acusa Israel de privar deliberadamente os civis do acesso adequado à água, danificando intencionalmente as infraestruturas hídricas (incluindo painéis solares que alimentam as estações de tratamento, um reservatório e um depósito de peças de manutenção, além de bloquear o combustível para os geradores) e higiênico-sanitárias, cortando o fornecimento de eletricidade e bloqueando a entrada de recursos hídricos essenciais.
“Isso não é apenas negligência; é uma privação calculada, levando à morte de milhares de pessoas por desidratação e doenças, que nada mais é que um crime contra a humanidade, o extermínio e um ato de genocídio”, disse ainda Tirana Hassan.
As autoridades israelenses continuaram a limitar o acesso à água, combustível e alimentos mesmo depois que o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ordenou que eles protegessem os palestinos fornecendo ajudas e depois que o TIJ especificou, em março, que quantidades suficientes de água, alimentos, eletricidade e combustível deveriam ter acesso permitido.
Mas as ajudas por terra continuam praticamente paralisadas.
Assim como todas as ajudas relacionadas ao uso da água, incluindo os sistemas de filtragem, as cisternas e os materiais necessários para reparar a infraestrutura hídrica danificada.
Entre outubro de 2023 e agosto de 2024”, continua o relatório da Hrw, “a Gaza Coastal Municipalities Water Utility, a ONU e outras fontes informaram que os civis em Gaza não tinham acesso à quantidade mínima de água necessária para sobreviver em situações de emergência de longo prazo.
No norte, especialmente, de acordo com a ONU, as pessoas não tiveram acesso à água potável por mais de cinco meses, entre novembro de 2023 e abril de 2024.
O acesso a alimentos
A situação não é melhor para o acesso a alimentos. De acordo com os dados divulgados ontem pela Oxfam, em dois meses e meio apenas doze caminhões de ajudas conseguiram entrar no norte de Gaza. O conteúdo de três deles foi entregue a pessoas desalojadas que encontraram abrigo em uma escola, que depois foi esvaziada e bombardeada em questão de algumas horas.
Assim como outras agências humanitárias internacionais, nem mesmo a Oxfam conseguiu entregar ajudas indispensáveis para salvar vidas aos civis no norte de Gaza desde 6 de outubro, ou seja, desde quando Israel intensificou o cerco militar a Jabalia, Beit Lahia e Beit Hanoun. No mês passado, diz a Oxfam, um comboio de 11 caminhões foi inicialmente bloqueado no ponto de coleta do exército israelense em Jabalia, onde civis literalmente famintos conseguiram pegar o que puderam. “Depois de receberem autorização para seguir para o destino estabelecido, os caminhões foram novamente retidos em um posto de controle, onde o exército obrigou os motoristas a descarregar as ajudas em uma zona militarizada, inacessível à população civil.”
Inacessível para dezenas de milhares de pessoas que estão cortadas de toda forma de assistência humanitária, pessoas famintas, crianças famintas. Alguns contaram à Oxfam que foram forçados a comer folhas para sobreviver.
“Chegamos a um ponto em que temos que dizer aos nossos filhos para não brincarem demais para não se cansarem – disse um homem deslocado com sua família do campo de refugiados de Al-Maghazi aos funcionários da Oxfam – Temos apenas um pacote de biscoitos para alimentar 15 crianças. Estamos sem eletricidade, sem abrigo. Não podemos nos dar ao luxo de comprar nem mesmo uma lona plástica porque custa 180 dólares e seriam necessárias pelo menos cinco para construir uma tenda”.
Enquanto isso, no norte de Gaza, os bombardeios continuam. A Defesa Civil Palestina estima que mais de 2.700 pessoas foram mortas e mais de 10.000 ficaram feridas desde o início do cerco, em outubro. Metade dos corpos não foi recuperada e as crianças vasculham o lixo em busca de comida, enquanto pairam sobre elas o inverno, o frio e a carestia.
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Foto: as pessoas em Gaza estão vivendo em condições cada vez mais insalubres, em meio à ameaça iminente de doenças mortais / Crédito: UNRWA