A volta da dengue e o que pode ser feito

Aproxima-se nova temporada de proliferação da doença. Ministério da Saúde já se prepara e traz novidades importantes. Mas superar a lógica da “corrida contra o tempo” exige mudanças estruturais – inclusive nas cidades, no saneamento e no tratamento do lixo

por Gabriela Leite, em Outra Saúde

Mais um verão chegou, e as condições para que a epidemia de dengue volte com a mesma força de 2024 estão presentes. O ano passado marcou um recorde de casos e mortes pela doença: estima-se que mais de 6,6 milhões de pessoas tenham contraído o vírus, número quatro vezes maior que em 2023. Foram 6.068 óbitos, perante 1.179 no ano anterior.

“As perspectivas para 2025 indicam um cenário preocupante, com risco de aumento significativo nos casos e mortes em algumas regiões do Brasil, principalmente Sul e Sudeste”, alertou Alexandra Boing, coordenadora da comissão de epidemiologia da Abrasco e professora da Universidade Federal de Santa Catarina, ao Outra Saúde.

Já nas primeiras semanas de 2025, decretos de emergência de saúde pública foram emitidos diante do espalhamento da dengue. É o caso de 21 municípios de São Paulo, principalmente na região noroeste; e do estado do Acre, que registrou 920 casos apenas nos primeiros 14 dias do ano. O Ministério da Saúde monitora seis estados, em especial, por notar um risco de aumento da incidência da dengue: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Paraná.

Um novo desafio tem sido mencionado pela pasta: o retorno do sorotipo 3, que não circulava há dez anos. Como ensina Alexandra, “a dengue possui quatro sorotipos, e a infecção por um deles gera imunidade permanente apenas contra aquele sorotipo específico”. Os tipos mais comuns no Brasil são o 1 e, em menor escala, o 2. As pessoas que já contraíram algum deles podem adoecer novamente caso tenham contato com o tipo 3.

“Como não estava circulando de forma predominante, significa que temos grande parte da população suscetível, o que pode levar a epidemia para outro patamar”, completa a epidemiologista. Segundo ela, os estados mais preocupantes, nesse sentido, são Amapá, São Paulo, Minas Gerais e Paraná.

Os planos de contingência do Ministério

Na quinta-feira passada (9/1), o Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergência (COE) para dengue e outras arboviroses. Também foi lançado o Plano de Contingência Nacional para Dengue, Chikungunya e Zika, que substitui o que havia sido elaborado em 2022. Ele é composto por alguns eixos centrais, entre eles, gestão, vigilância epidemiológica, assistência em saúde e comunicação de risco.

Para Alexandra, a iniciativa é importante. “O Plano de Contingência orienta a elaboração de estratégias regionais, estaduais e municipais, levando em conta as especificidades locais para conter o avanço da dengue e das demais arboviroses. Além da destinação de recursos para viabilizar tecnologias no combate ao vetor e para intensificar também campanhas educativas.” O ministério deve destinar R$ 1,5 bilhão para o plano de enfrentamento da doença entre 2024 e 2025.

Algumas das ações em destaque são importantes por incluírem novas tecnologias para o controle do mosquito. Está entre elas a amplificação do método Wolbachia, que consiste na introdução, em laboratório, de uma bactéria nos ovos dos Aedes aegypti, tornando-os incapazes de carregar tanto o vírus da dengue quanto da zika e chikungunya. O ministério quer introduzir o método em 40 cidades neste ano.

Há outras estratégias para conter a proliferação do mosquito, como a inserção no ambiente de mosquitos estéreis; estações disseminadoras de larvicidas; e a borrifação residual intradomiciliar em áreas de grande circulação de pessoas, como creches, escolas e asilos.

Para Alexandra Boing, “no curto prazo, a intensificação das campanhas de conscientização e a mobilização das equipes de saúde e agentes comunitários são fundamentais, mas sozinhas não bastam”. Segundo ela, é preciso focar em políticas públicas mais robustas, que não se concentrem apenas nos períodos de crise.

“O ciclo vai continuar enquanto o país não encarar de frente os determinantes sociais e ambientais que perpetuam o problema. Prevenção verdadeira não é só matar mosquito, é mudar o ambiente onde ele se cria. Caso isso não aconteça, seguiremos presos a essa rotina anual de emergência e resposta”, alerta.

Vacinas contra dengue

Desde o ano passado, está disponível pelo SUS uma vacina que protege contra essa arbovirose. Mas há uma série de fatores que restringem sua efetividade. A principal diz respeito à quantidade de doses disponíveis. O melhor imunizante disponível, hoje, é o Qdenga produzido pela farmacêutica japonesa Takeda. Mas a sua produção é limitada. O Brasil tem feito grandes compras, garantindo o máximo disponível, mas ainda assim são insuficientes. Também na semana passada foi anunciada a aquisição de mais 9,5 milhões de doses, para o ano que inicia. Em 2024, foram 6,5 milhões.

Como o esquema vacinal da Qdenga é constituído por duas doses, é possível alcançar apenas um número muito limitado da população. Outro fator impeditivo: não foram feitos testes de eficácia e segurança com pessoas com mais de 60 anos, o que impede seu uso nesse público, que é o que corre mais risco de adoecer gravemente com o vírus. Avaliando essas duas questões, o Ministério estabeleceu que o público alvo da campanha de vacinação contra a dengue são crianças de adolescentes de 10 a 14 anos, grupo também vulnerável à doença.

Há também uma nova possibilidade no horizonte: a aprovação, pela Anvisa, da nova vacina contra dengue produzida pelo Instituto Butantan. Os documentos estão sendo avaliados pela agência, e o fabricante promete entregar um milhão de doses ainda em 2025, caso seja aprovada. Um benefício desta vacina é ser de dose única, podendo atingir mais pessoas. A produção nacional de um imunizante contra a dengue seria um marco importante no sentido de garantir a autonomia nacional e reduzir os custos de compra do fármaco.

Embora sejam boas novidades, o controle da dengue não deve se apoiar apenas nos imunizantes. Alexandra comenta que “é importante entender que as vacinas, por si sós, não resolverão a crise de saúde pública causada pela doença. Elas são ferramentas importantes, mas não substituem a principal medida de controle: a eliminação dos criadouros do Aedes aegypti”.

É possível evitar grandes surtos em 2025?

Como explica Alexandra Boing, o problema da dengue não será resolvido em corridas contra o tempo a cada nova estação: é preciso que haja respostas mais perenes. “Importante sempre lembrar que não se combate um vetor como o Aedes aegypti apenas com soluções pontuais e de curto prazo. É preciso pensar em estratégias integradas e sustentáveis, algo que historicamente falta”, pontua.

Isso porque uma das explicações para o aumento de casos de dengue nos últimos tempos é a emergência climática que se faz presente – argumento defendido inclusive pelo diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom. As mudanças climáticas são mais um dos elementos que causam grandes surtos da doença, ao lado do crescimento desordenado das cidades, a globalização que aumenta a mobilidade de populações e do vetor e a falta de estrutura e saneamento, lista Alexandra.

“O Brasil ainda convive com parte considerável da população sem acesso a condições mínimas de saneamento básico. Soma-se a isso medidas ineficazes de combate ao vetor. Para o combater é fundamental ações intersetoriais e com o olhar para as desigualdades sociais”, explica a epidemiologista.

“Sim, há saídas”, garante Alexandra, “mas elas exigem ações contínuas e integradas. O combate à dengue não pode ser sazonal. É preciso intensificar a mobilização da população, ampliar as campanhas de conscientização e melhorar a infraestrutura urbana, especialmente em saneamento e coleta de lixo”.

Créditos: Genilton Vieira/Instituto Oswaldo Cruz

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