Trabalho: o que o otimismo (quase não) esconde

Desemprego caiu, de fato. Mas movimento se deu em meio a grande número de desalentados, em especial em face da perda de direitos. Além disso, “Reforma” trabalhista tornou precárias também as ocupações formais, e persistem as graves desigualdades regionais e de gênero

Por Erik Chiconelli Gomes, em Outras Palavras

Embora os dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE apresentem um cenário aparentemente positivo do mercado de trabalho brasileiro, é fundamental uma análise mais aprofundada das contradições e precarizações que persistem após a Reforma Trabalhista de 2017, especialmente considerando os impactos diferenciados sobre grupos sociais vulneráveis.

Os números indicam uma taxa de desocupação de 6,0% em outubro de 2024, com queda de 1,4 ponto percentual em relação a 2023, conforme apontam Lameiras, Fernandes e Padilha (2024). Contudo, esta aparente melhora mascara uma realidade mais complexa de desalento e precarização das relações trabalhistas, especialmente após as mudanças legislativas de 2017.

A taxa de participação de 62,3% em outubro de 2024, ainda abaixo do período pré-pandemia, revela não apenas uma questão conjuntural, mas um problema estrutural do mercado de trabalho brasileiro, onde um contingente significativo de pessoas em idade ativa permanece à margem do mercado formal, muitas vezes em situação de trabalho precário ou informal.

A disparidade de gênero permanece como uma questão crítica: enquanto a força de trabalho masculina cresceu 3,1%, a feminina aumentou apenas 1,4% entre 2019 e 2024. Esta diferença reflete a persistência de barreiras estruturais à participação feminina no mercado de trabalho, agravadas pela sobrecarga de trabalho doméstico não remunerado.

A situação dos jovens é particularmente preocupante, com uma retração de 10,7% na força de trabalho entre 18 e 24 anos, evidenciando como as reformas trabalhistas não foram capazes de criar oportunidades substanciais para este grupo, que continua enfrentando uma taxa de desocupação de 13,4% no terceiro trimestre de 2024.

O aumento significativo de pessoas que não desejam retornar ao mercado de trabalho (85,9% no terceiro trimestre de 2024) pode indicar não apenas uma escolha voluntária, mas uma descrença nas condições oferecidas pelo mercado atual, marcado pela precarização das relações trabalhistas e pela insegurança jurídica trazida pela reforma.

As desigualdades regionais permanecem gritantes: enquanto o Sul apresenta taxa de desocupação de 4,1%, o Nordeste registra 8,7%. Esta disparidade reflete a histórica concentração de investimentos e oportunidades em determinadas regiões do país, não alterada significativamente pelas mudanças na legislação trabalhista.

O crescimento do setor informal é particularmente preocupante: enquanto a população ocupada com registro cresceu 3,7%, os trabalhadores informais aumentaram 4,6%. Este dado sugere que parte significativa dos postos de trabalho criados não oferece proteções trabalhistas básicas, fenômeno intensificado após a reforma de 2017.

Os dados do Novo Caged, que mostram a criação de 2,1 milhões de novas vagas com carteira assinada até outubro de 2024, precisam ser analisados criticamente quanto à qualidade e estabilidade destes empregos, considerando as novas modalidades de contratação flexibilizadas pela reforma trabalhista.

A questão educacional permanece como um fator de exclusão: trabalhadores com ensino médio incompleto enfrentam uma taxa de desocupação de 10,8%, enquanto aqueles com ensino superior registram 4,1%. Esta disparidade evidencia como as reformas não foram capazes de criar oportunidades mais equitativas para diferentes níveis de escolaridade.

O aumento dos rendimentos médios reais (R$ 3.278,00 para rendimentos habituais e R$ 3.311,00 para efetivos) precisa ser contextualizado com o aumento do custo de vida e a precarização das condições de trabalho pós-reforma, que podem ter impactos negativos na qualidade de vida dos trabalhadores.

O crescimento da proporção de pessoas fora da força de trabalho por razões domésticas (de 17,6% para 22,5%) e por questões de saúde (de 17,9% para 23,1%) entre 2019 e 2024 pode indicar uma sobrecarga física e emocional dos trabalhadores, possivelmente agravada pela flexibilização das normas trabalhistas.

A redução do tempo médio de procura por emprego, com 21% dos desempregados em busca há mais de dois anos, pode mascarar a aceitação de trabalhos precários ou subempregos como alternativa ao desemprego prolongado.

As mulheres continuam enfrentando maior vulnerabilidade, com taxa de desocupação de 7,7% contra 5,3% dos homens no terceiro trimestre de 2024, evidenciando como as reformas trabalhistas não foram eficazes em promover maior equidade de gênero no mercado de trabalho.

O aumento da massa salarial real (7,8% para habitual e 9,0% para efetiva) precisa ser analisado considerando a concentração de renda e as desigualdades salariais que persistem no mercado de trabalho brasileiro, não endereçadas adequadamente pela reforma trabalhista.

A diminuição do desalento (queda de 9,0 pontos percentuais desde 2019) não necessariamente indica melhoria nas condições de trabalho, podendo refletir a aceitação de condições precárias de emprego devido à necessidade de sobrevivência.

O crescimento expressivo da força de trabalho entre pessoas com mais de 60 anos (21%) pode indicar não apenas uma escolha, mas uma necessidade de complementação de renda devido à insuficiência da previdência social e à precarização das condições de trabalho e remuneração.

A persistência de altas taxas de informalidade e desigualdade, mesmo em um cenário de aparente recuperação do mercado de trabalho, sugere que a Reforma Trabalhista de 2017 pode ter contribuído para a consolidação de um modelo de precarização estrutural do trabalho no Brasil.

A análise dos dados evidencia que, apesar dos indicadores aparentemente positivos, o mercado de trabalho brasileiro continua marcado por profundas desigualdades estruturais, agravadas por um modelo de flexibilização que privilegia a redução de custos trabalhistas em detrimento da proteção social e da qualidade do emprego.

Um olhar crítico sobre estes indicadores revela que a aparente recuperação do mercado de trabalho mascara a consolidação de um modelo de precarização e desregulamentação que afeta principalmente os grupos mais vulneráveis da sociedade, perpetuando e possivelmente agravando as desigualdades sociais históricas do Brasil.

O conjunto destes dados sugere a necessidade urgente de uma revisão crítica das políticas trabalhistas implementadas nos últimos anos, buscando um modelo que combine dinamismo econômico com proteção social efetiva e redução das desigualdades estruturais do mercado de trabalho brasileiro.

Referências

LAMEIRAS, Maria Andréia Parente; FERNANDES, Leo Veríssimo; PADILHA, Gabriela Carolina Rezende. Mercado de Trabalho: Desempenho recente do mercado de trabalho. Carta de Conjuntura, Brasília, n. 65, nota 26, p. 1-9, 4° trim. 2024. Disponível em: https://t.co/wNRtxpbNEf Acesso em: 28 dez. 2024.

Fontes de Dados:

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua. Rio de Janeiro: IBGE, 2024.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Novo Caged. Brasília: MTE, 2024.

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