Nos EUA, águia ou abutre? Por Frei Gilvander Moreira

A história da humanidade demonstra que nenhum império é eterno e que todos eles têm uma história de nascimento, ascensão, decadência e morte. Tornando-se um longo capítulo da história da humanidade. Assim aconteceu com muitos impérios, tais como o Egípcio, o Assírio, o Babilônico, o Persa, o Grego, o Romano, o Português, o Inglês e não será diferente com o império dos Estados Unidos ou das Big techs[1]. A águia, um belo animal, é símbolo nacional dos Estados Unidos, mas na verdade reage como um abutre posicionando-se de forma gananciosa, expansionista, separatista e belicosa, perseguindo os povos latino-americanos e outros.

A história mostra também que todo império quando está se desintegrando e apodrecendo deixa seus chefes irados e, como abutre, reage, cuspindo fogo e ameaças. Assim aconteceu com a posse do novo “imperador” dos Estados Unidos, no dia 20 de janeiro de 2025. Pelo discurso colonialista, racista, prepotente e ufanista, e também pelos decretos assinados no mesmo dia da posse, expõe a podridão de um sistema que tenta desesperadamente manter sua hegemonia. Por isso, assistimos a algo com rompantes de um imperador, usando em vão o nome de Deus, o que é idolatria (usar o nome de Deus para justificar políticas de morte), se autoapresentando como imbatível ao afirmar que “inicia agora a era de ouro da América”, “construiremos as forças armadas mais poderosas do mundo”, “vamos invadir o Panamá e retomar o Canal”, “vamos terminar o muro que separa os EUA do México”, “vamos cobrar impostos dos povos em outros países impondo tarifas comerciais para que nossos cidadãos paguem menos impostos e possam ter prosperidade, glória e seremos motivo de inveja em todo o mundo…”.

O continente americano inclui América do Norte, Central e do Sul e americanos são todos os habitantes das três Américas, não apenas quem é estadunidense. E os verdadeiros cidadãos da América são os Povos Originários (Indígenas), que foram vítimas de genocídio, mas resistem em centenas de Povos.

Todavia, esse discurso proferido por Donald Trump demonstra soberba e megalomania. Trump revela não só o medo de um Chefe de Estado que sabe que nos limites do seu país, o projeto capitalista de sociedade baseado no consumismo não deu certo!  Porque por trás da fala belicosa e ameaçadora de invasão de outros Estados-Nação, a promessa de ruptura do direito internacional à autodeterminação dos povos, o rompimento do acordo ambiental assinado em Paris, que previa a desaceleração da emissão de gases poluentes responsáveis pelo aquecimento global e por sua vez provocadores da atual e gravíssima crise climática. A promessa de retirar direitos civis construídos a duras penas pela população negra, pelas mulheres e pelo Movimento LGBTQIA+ através de uma reconstrução baseada em uma nova engenharia social demonstra os traços fascistas e nazistas da cúpula retrógrada de empresários que o apoiam. Tudo isso que a grande imprensa divulgou e ao mesmo tempo disseminou expõe a fratura na coluna do gigante, como na esquizofrenia de Nabucondonossor, imperador da Babilônia na história antiga, que tão alto pensava ser, melhor que os céus, e no seu império experimentou, a comer capim como os bois e a vaguear em sua loucura de megalomania.

Após jurar obedecer à Constituição dos Estados Unidos, o discurso de Trump foi deprimente, colonialista, populista, homofóbico, xenófobo, déspota, fascista/nazista e exterminador do futuro. Deprimente porque as centenas de pessoas que o assistiam presencialmente aplaudiam quando os slogans ufanísticos e estadunidensecêntricos eram proferidos, o que revela o apodrecimento das instituições estadunidenses e a visão tacanha do povo que o elegeu.

Como pode aplaudir postura homofóbica ao afirmar que “nos Estados Unidos a partir de hoje terão só dois gêneros: o masculino e o feminino”?! O direito à orientação sexual homoafetiva não pode ser abafado nem por decreto e nem por preconceito homofóbico. Como pode alguém aplaudir que “o muro que separa os Estados Unidos e o México será concluído em breve e deportaremos os imigrantes ilegais”, como se fosse possível a vida no planeta Terra sem a convivência entre os povos?!

Em todos os países há cidadãos e cidadãs vivendo fora do seu país de origem e em todos os países pessoas de muitos outros países são acolhidas. O direito de ir e vir inclui também o direito de viver no país que a pessoa escolher. Impossível cercar um país e isolá-lo da convivência internacional, o que traz inúmeros benefícios para os povos como a troca de experiência cultural e, óbvio, a ajuda em força de trabalho. Imagine os Estados Unidos sem os 11 milhões de imigrantes ilegais que atualmente fazem uma série de trabalho que os estadunidenses se recusam a fazer: serviços de limpeza, construção civil, cuidador/a de idosos/as, segurança, serviços gerais, cozinhar, servir…

Absurdo também o Trump vociferar que vai “perfurar, perfurar, todos os poços de petróleo inexplorado no país e que não estará nem aí para transição energética” e assinar decreto retirando novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris, que exige redução das emissões de gás carbônico para reduzir o colapso ambiental e frear a ferocidade dos eventos extremos cada vez mais frequentes e letais. A promessa é de devastar o que resta do Planeta, nossa única Casa Comum, em nome de lucros imediatos.

Até a mãe natureza boicotou a posse de Trump por ter imposto à capital Washington a temperatura de 5º celsius negativos com sensação térmica de 10º negativos. Milhares de trampistas ficaram fora da festa da posse pela severidade climática que impediu cerimônias ao ar livre. Alardear o negacionismo científico e fazer discurso populista criticando que o Joe Biden não conseguiu pôr bombeiros e defesa civil para apagar o fogo apocalíptico que varreu uma região da Califórnia é lorota, pois se acelerar a indústria petrolífera nos Estados Unidos, o império será devastado com maior rapidez, pois a natureza virá rugindo como um leão na selva e devorará tudo o que encontrar pela frente. Ou seja, negar a necessidade de frear o desenvolvimentismo econômico à custa de brutal devastação dos bens naturais – terra, águas, ar – será acelerar a marcha em um desfiladeiro para o precipício e a morte final de todos e todas. Será como a anedota contada por Franz Hinkelammert, para ilustrar a irracionalidade do racionalizado sistema capitalista: dois homens que competem – com muita eficiência, cada qual com um motosserra mais poderoso – para cortar o galho em que estão sentados à beira do precipício. Assim atua o Trump, toda extrema-direita pelo mundo afora, a turma do agronegócio, do hidronegócio, das mineradoras, todos os capitalistas, fascistas ou não, e seus adeptos que estão sacrificando o planeta Terra no altar do mercado idolatrado.

Retirar os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde e perdoar milhares de criminosos que invadiram o Capitólio tentando impedir que o Joe Biden, que havia sido eleito, tomasse posse é absurdo dos absurdos, é insistir em voltar à idade das trevas, é sepultar de vez a hipocrisia da democracia burguesa e declarar à luz do sol o imperialismo nu e cru.

Ainda bem que a história demonstra também que não há varinha mágica que tenha o poder de transformar em políticas públicas idôneas discursos populistas que enganam os incautos. Em breve, quem elegeu Trump abrirá os olhos ao perceber que a vida real não se transformará na 8ª maravilha com “prosperidade e glória”, porque os grandes coronéis do mundo, magnatas como Elon Musk e Marc Zuckerberg sempre usaram o povo para se enriquecer e nunca serão idôneos para contribuir com políticas públicas que construam relações sociais de justiça, paz, respeito e amor.

A história demonstra também que diante das opressões a resistência cresce. Não há império que dure para sempre, e a força dos povos, unidos em luta pelo bem comum, é o motor da verdadeira transformação. A América Afrolatíndia, berço de coragem e esperança, será a tumba do neofascismo/neonazismo global. Inspirados/as pela aurora austral (boreal), que são raios de luzes em noites escuras, ou descobrindo luzes no túnel e não apenas no final do túnel, construiremos a partir dos últimos um mundo com justiça, paz e amor, onde todas as fronteiras serão abertas e todos os muros derrubados. A Internacional da direita neofascista/neonazista não passará, é vencível, pois está recheada e podre de contradições! A força e a luz do justo, ético e da verdade, o que nos faz mais humanos, terão a última palavra.

Por fim, a luta, a resistência e a história continuam e é animador ter a certeza de que a humanidade aspira um projeto social pautado por relações sociais de justiça, paz e amor, cuja colaboração entre os povos prevaleça sobre a barbárie prometida com a ascensão da extrema direita internacional, engendrada como ovos de serpente no útero do capitalismo que superexplora não só a dignidade humana, mas também todos os bens da natureza.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações.

Nota:

[1] Grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado de inovação e tecnologia.

Ilustração: Latuff

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