Luis Felipe Miguel: Mais um ladino no poder

Sucessor de Arthur Lira é herdeiro que toca a política como lucrativo negócio familiar

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O paraibano Hugo Motta caminha para se eleger presidente da Câmara dos Deputados, com votação consagradora. Escolhido por Arthur Lira, já conta com o apoio da base lulista e da oposição bolsonarista. Esquiva-se de temas espinhosos, como a anistia a golpistas ou o PL do estupro, em que dificilmente conseguiria congregar apoios tão díspares.

Mas ele garante o essencial: prosseguir com a farra das emendas parlamentares. Por isso será praticamente aclamado para o cargo.

Hugo Motta é jovem – com apenas 35 anos, vai se tornar o segundo na linha de sucessão da presidência da República. Nunca trabalhou na vida; afinal, é um herdeiro dos negócios da família.

Só que o negócio da família é a política.

Ele se elegeu deputado federal pela primeira vez em 2010, com 21 anos de idade. É um cargo de importância. É de se imaginar que, para se tornar um representante, o sujeito deve ter tido algum destaque em alguma coisa: líder de sindicato ou associação, porta-voz de alguma causa, ocupante de cargo público importante, profissional respeitado, celebridade (ou mesmo sub) da mídia.

Hugo não tinha nada disso. Era um apagado estudante de Medicina de uma faculdade particular. Mas tinha o pai, prefeito de Patos (103 mil habitantes, distante 306 km de João Pessoa). Tinha a avó, deputada estadual. Tinha o avô, ex-deputado federal.

Na verdade, de 1997 até hoje, todos os prefeitos de Patos foram da família de Hugo.

Ele é um caso de alguém que chegou ao parlamento apoiando-se exclusivamente no capital familiar, isto é, na rede de contatos e apoios disponibilizada por parentes que já estavam na política.

Desde o início de seu primeiro mandato, Hugo se dedicou a uma tarefa: destinar recursos para Patos. Projetos de milhões de reais: um teatro municipal, uma “vila olímpica”, um centro de esportes. Nenhum deles foi concluído, embora estivessem prometidos para a década passada.

A avó de Hugo, então prefeita, foi afastada do cargo por possíveis irregularidades. A chefe de gabinete – filha dela, mãe do deputado – chegou a ser presa.

Mas ele não ficou só preparando emendas para abastecer os cofres da prefeitura da família. Tornou-se também um fiel escudeiro de Eduardo Cunha e, assim, ganhou influência na Câmara dos Deputados. Quando chegou a vez de Arthur Lira, Hugo despontava como um de seus fiéis escudeiros.

São todos da mesma linhagem. Nenhum deles pode ser acusado de ter dado qualquer contribuição, mesmo que pequena, para qualquer debate relevante, de ter pensado por um segundo no Brasil ou no seu povo, de ter tido algum gesto de grandeza.

Seu objetivo é parasitar o Estado brasileiro. Seu método é a chantagem. Seus resultados são negócios para lá de suspeitos, mas sempre milionários.

O governo Lula, dizem, está refém desse pessoal. Pode ser, mas rola uma síndrome de Estocolmo aí.

Ficou um trauma de quando a presidente Dilma Rousseff tentou enfrentar Eduardo Cunha e se lascou. A lição que ficou foi: nunca, em hipótese alguma, se deve contrariar o reizinho de plantão na Câmara dos Deputados.

(Naquela ocasião, o governo petista também buscou desinflar o MDB, incentivando o crescimento do PSD que estava sendo criado por seu então aliado Gilberto Kassab. Duplo tiro no pé. Perdeu a briga com o MDB naquele momento e, no médio prazo, posicionou Kassab, talvez a víbora mais peçonhenta da política brasileira, no centro do tabuleiro.)

O fato é que a prudência em mexer com os caciques do Centrão se manifesta como completa rendição. Quando Lira esteve encrencado, no caso suspeitíssimo dos kits de robótica para as escolas de Alagoas, Lula se apressou em protegê-lo. Agora que Flávio Dino, no Supremo, está em ponto alguns limites para a farra das emendas, o governo se esforça para mantê-la.

Será que ceder a um Congresso tomado por sanguessugas é o único caminho? Repetir, em condições pioradas, o arranjo dos primeiros mandatos, tentando uma conciliação no na base da cessão de verbas e cargos? Maquiavel dizia que a virtù consiste em agir de acordo com aquilo que as circunstâncias exigem, em vez de se prender a comportamentos que talvez não funcionem mais. É preciso pensar numa rota de maior enfrentamento.

Afinal, o Centrão de hoje, turbinado pelo golpe de 2016, pelo espaço que obteve no governo Bolsonaro e pelo fato de que o governo se vê ameaçado pela extrema-direita, não se contenta com o naco do orçamento público que o satisfazia antes.

O que ele exige é tanto que simplesmente aniquila a capacidade de ação do Poder Executivo.

A política é repleta de incertezas. Mas é possível dizer, com razoável segurança, que se Lula não se desvencilhar disso, estará condenando seu governo ao fracasso. É preciso virar a chave e buscar formas de mobilização social que pressionem o Congresso e limitem a voracidade do Centrão.

É um enfrentamento necessário para aumentar a qualidade da representação e da gestão política no Brasil. Já passou da hora de estabelecer uma estratégia que vá além da simples acomodação em nome do “realismo político”. Uma estratégia que, para ser bem-sucedida a médio e longo prazos, deve passar necessariamente pela educação política popular. Essa foi a grande lacuna dos governos anteriores do PT.

Hoje, Lula entrega tudo aos deputados e senadores, mas tem o pior apoio parlamentar desde a ditadura, medido em propostas não aprovadas e vetos presidenciais rejeitados.

Cada vez que o governo cede às pressões, revela fragilidade e aumenta a avidez do Centrão. Já vimos esse filme, mais de uma vez – com Dilma e, depois, com Bolsonaro. Hoje, cargos e verbas são entregues sem que se consiga exigir sequer o mínimo de apoio nas votações dos temas de interesse do governo. Comenta-se que o orçamento deste ano, que já devia estar aprovado, só vai passar se Lula ceder mais ministérios na reforma que se avizinha.

Mas eles precisam do Executivo. Precisam dos cargos e das verbas. Em vez de prometer ceder mais, Lula pode dizer que vai fechar a torneira e demitir ministros ou outros indicados políticos – e fazer mesmo, para efeito de demonstração. Pode denunciar o cerco que o Congresso faz, em entrevistas e em rede de rádio e TV, em vez de permanecer nas mornas declarações conciliatórias de sempre.

Pode incentivar a mobilização da sociedade em favor da implementação do programa decidido pelas urnas em outubro de 2022. Pode buscar uma aliança com o Supremo para sufocar o poder do Legislativo. O quanto disso é factível? Não sei. Mas o governo deve usar a imaginação política para buscar uma saída, em vez de ficar num curso de ação cujo resultado já vimos: submissão à chantagem e um governo paralisado e melancólico.

aquarela de Francisco Dalcastagnè Miguel

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