Mortes de adolescentes em ações da polícia de SP crescem pelo segundo ano consecutivo

Dados de violência policial aumentaram no governo de Tarcísio de Freitas; maioria das vítimas é preta e parda

Por Rafael Custódio | Edição: Mariama Correia, Agência Pública

Pelo segundo ano consecutivo, o número de mortes de adolescentes em decorrência de intervenções policiais no estado de São Paulo aumentou, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). Entre janeiro e novembro de 2024, foram 43 vítimas, aumento de 13% se comparado com todo o ano de 2023, que contabilizou 38 óbitos.

Em janeiro de 2024, a Agência Pública mostrou um crescimento de 58% no número de casos em que crianças e adolescentes foram mortos pelas polícias Militar e Civil, desde que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumiu a gestão, em janeiro de 2023.

Os óbitos nessa faixa etária vinham apresentando queda entre 2015 e 2022, mas voltaram a subir no governo Tarcísio, com o comando das polícias paulistas sob responsabilidade do secretário Guilherme Derrite, um ex-tenente das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tidas como um dos batalhões mais letais.

A Pública procurou a SSP de Derrite, que respondeu por meio de nota que “todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial, inclusive envolvendo adolescentes,  são investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, Ministério Público e Judiciário. As forças de segurança não compactuam com desvios de conduta e punem com rigor aqueles que infringem a lei ou violam as normas e procedimentos de suas corporações”.

O alto índice de mortes nas ações policiais sob a gestão do atual governador levou a ONG Conectas e a Comissão Arns a denunciar o aumento da letalidade policial à Organização das Nações Unidas (ONU), em março de 2024. Na ocasião, o governador respondeu que “pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.

Em 12 anos, entre janeiro de 2013 e novembro de 2024, as polícias de São Paulo mataram mil crianças e adolescentes em suas ações, segundo os dados da SSP. O ano com mais mortes foi 2014, quando a SSP estava sob o comando do secretário Fernando Grella Vieira, indicado pelo atual vice-presidente da república, Geraldo Alckmin (PSB), que na época era governador do estado. Nesse período, foram computadas 153 mortes, e as vítimas tinham entre 14 e 17 anos.

Dessas mil mortes, 959 ocorreram em ações de policiais militares e 41 com a Polícia Civil. A maior parte ocorreu no momento em que os agentes estavam em serviço, 661 óbitos e outros 339 quando estavam de folga.

Entre os dados que foram contabilizados oficialmente como de responsabilidade dos policiais nesse período de 12 anos, a vítima mais nova foi Ítalo de Jesus Ferreira, de 10 anos. Segundo a polícia, ele morreu em um suposto confronto com a PM, após uma perseguição em que a criança e um amigo, de 11 anos, teriam roubado um carro dentro de um condomínio no bairro do Morumbi, área nobre da zona sul da capital, em junho de 2016.

Essa versão foi contestada pela defesa da família de Ítalo Ferreira, e o juiz Ricardo Augusto Ramos, da 1ª Vara do Júri do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, determinou que apenas o soldado Otávio de Marqui, que estava envolvido na ação, seria levado a júri popular. Os outros quatro foram absolvidos.

Maioria dos mortos é preta e parda

Na noite de 23 de setembro de 2024, Alexsandro Del Rei Rosa dos Santos, de 16 anos, foi morto por um PM que não estava em serviço, na rodovia Anhanguera, em Perus, zona oeste de São Paulo. Na versão da polícia, o assassinato aconteeu após uma suposta tentativa de roubo a esse PM, que estava a caminho do trabalho.

Santos era um garoto pardo. Em 2024, 69% das vítimas de intervenções policiais eram pessoas pretas ou pardas.

Segundo o Boletim de Ocorrência (BO), obtido pela Pública, o adolescente e um homem, de 20 anos, teriam tentado roubar a moto do PM. O agente teria atirado ao perceber que a dupla fazia menção a uma arma sob a camiseta.

Mas, quando os policiais militares em serviço foram acionados e chegaram ao endereço, não encontraram armas de fogo com o adolescente. Nenhum dos agentes usava câmera corporal. Alexsandro morreu em virtude dos ferimentos causados pelos dez disparos efetuados pelo policial militar, que estava à paisana.

Na Cidade Ademar, bairro da zona sul, mais um adolescente pardo foi morto pela polícia, em julho de 2024.  Gustavo Marques de Araújo, de 16 anos, foi assassinado após uma suposta tentativa de assalto no cruzamento da avenida Vereador João de Lucca e a rua Padre Bento Ibáñez.

De acordo com o BO, a vítima do roubo disse que o adolescente e o irmão teriam feito menção a uma arma de fogo sob a roupa, quando exigiram o seu celular. Um PM de folga baleou Araújo e apreendeu o irmão gêmeo.

Polícia nega responsabilidade nas mortes 

O enterro de Gregory Ribeiro Vasconcelos, de 17 anos, ocorreu sem velório, devido às condições do corpo do adolescente. Segundo a família, o corpo teria ficado fora do refrigerador do Instituto Médico Legal (IML).

Ele foi morto e um amigo, L. H, de 15 anos, ficou ferido após uma suposta troca de tiros com policiais militares das Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), em novembro de 2024, na comunidade Morro do São Bento, em Santos, no litoral paulista. A versão apresentada pelos policiais é contestada por Renan Lima Lourenço Gomes, advogado da família do jovem sobrevivente.

“No dia do incidente, L. H. estava apenas dando uma volta de moto com seu amigo, Gregory, como qualquer outro adolescente faria. Ambos nunca haviam se envolvido em qualquer tipo de infração e estavam apenas curtindo o momento. No entanto, foram abordados abruptamente por policiais que dispararam contra eles sem qualquer provocação. L. H. e Gregory não estavam armados e não estavam cometendo nenhum crime”, disse Gomes.

De acordo com uma fonte interna ouvida pela Pública sob condição de anonimato, na versão dos policiais militares, eles estavam em um patrulhamento na comunidade quando suspeitaram de um grupo de dez pessoas. Quatro delas estavam em duas motos e fugiram ao ver os PMs se aproximarem.

Ainda de acordo com essa versão dos policiais, o grupo teria tentado fugir para uma área de tráfico de drogas, onde parte dos suspeitos passou a fazer disparos na direção dos PMs. Durante o suposto confronto, os adolescentes foram baleados pelos agentes.

Ainda na versão apresentada pelos PMs, as vítimas foram socorridas e levadas aos hospitais Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Zona Noroeste e para a Santa Casa de Santos, mas Vasconcelos não resistiu aos ferimentos e morreu.

L. H. passou um longo período internado na Santa Casa de Santos. “Ele possui uma gaiola ortopédica na perna, tentando sanar os danos causados pelos disparos de arma de fogo que sofreu. Esses ferimentos são tão graves que ele não consegue se locomover e vive com dores intensas”, disse o advogado.

Gregory Vasconcelos não foi o único morador do Morro do São Bento a ser morto naquele dia. Ryan da Silva Andrade Santos, de apenas 4 anos, foi baleado no abdômen enquanto brincava na rua. Ele morreu a caminho do hospital.

Na época, o porta-voz da PM de São Paulo, o coronel Emerson Massera, disse que a bala que matou a criança santista “possivelmente teria saído da arma de um policial militar”. No entanto, o caso não consta entre os números de mortes em decorrência de intervenção policial da SSP.

A Pública questionou a SSP e a pasta respondeu que “a unidade realiza todas as diligências necessárias para total esclarecimento dos fatos, podendo a natureza de ambos os casos ser alterada no decorrer das apurações, sem qualquer prejuízo ao inquérito policial”. Leia a nota na íntegra.

Dez meses antes, o pai de Ryan Santos também foi morto pela PM, durante a Operação Verão, que ocorreu entre dezembro de 2023 e abril de 2024 e resultou em 56 mortes, a mais letal da história do estado desde o massacre do Carandiru, em 1992. Leonel Andrade dos Santos, de 36 anos, tinha uma deficiência na perna e andava com o apoio de muletas. Policiais militares, no entanto, alegaram que ele e um amigo, de 37 anos, haviam apontado uma arma e por isso revidaram.

Imagem: José Cícero/Agência Pública

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