Trabalho intelectual e remuneração. Por Luis Felipe Miguel

Nossa sociedade estigmatiza o trabalho manual – mas, ao mesmo tempo, acha feio cobrar pelo trabalho intelectual

em Amanhã não existe ainda

Vivemos em uma sociedade que estigmatiza fortemente o trabalho manual. Refiro-me aqui, é claro, àquelas atividades que são consideradas pouco qualificadas; pianistas ou cirurgiões também trabalham com as mãos, mas não entram nessa categoria.

(O historiador da arte Henri Focillon tem um texto luminoso intitulado “Éloge de la main”, elogio da mão, em que enfatiza o fato de que a beleza produzida por artistas e artesãos nasce do gesto da mão.)

E também é claro que mesmo o peão na fábrica fordista usa seu intelecto no trabalho, por mais que a linha de montagem tente transformá-lo em um robô.

Uma mesma atividade pode ser catalogada de um jeito ou de outro, dependendo do status. Uma mera cozinheira, por mais criativa que seja, será vista como trabalhadora manual, ao passo que quem se denomina “chef” de um restaurante é visto como um artista, ainda que não vá além de repetir manjadas receitas de Paul Bocuse.

Em suma, acho que dá pra entender meu ponto – a linha divisória entre trabalho manual intelectual é produzida socialmente e tem a ver mais com os circuitos do reconhecimento dado às diferentes ocupações do que às suas características intrínsecas.

Essa divisão desfavorece os trabalhadores manuais, que têm menos prestígio social e não alcançam as funções melhor remuneradas.

Mas tem também um efeito especial numa parcela dos trabalhadores intelectuais – sobretudo aqueles que estão mais próximos da definição corrente de “intelectual”.

É que o trabalho intelectual é tão elevado, tão puro, que não pode ser conspurcado por questões terrestres como pagamento.

Já começa com os professores. Lembro de Tarcísio de Freitas, no início do mandato, justificando a péssima remuneração deles: “Professor não tem o melhor salário, mas tem muito amor”.

Amor, não sei. Mas provas para corrigir, contas para pagar, estafa, distúrbios de saúde mental, isso com certeza.

É a velha ladainha do magistério como “sacerdócio”.

O mesmo vale para escritores. Todo mundo pede um texto aqui, um artigo ali, uma apresentação acolá – mas ficam espantados se há uma taxa a ser paga.

Mas é trabalho.

Lembro da velha anedota, se não me falha a memória protagonizada por Bernard Shaw. Ele estava em polêmica com um aristocrata metido a beletrista. Tentando encerrar a discussão, seu oponente falou:

– Eu escrevo pela honra, mas você escreve pelo dinheiro!

E Shaw retrucou:

– É verdade. Cada um busca o que não tem.

Na universidade, o trabalho extra não pago também campeia. Claro, tem aqueles que usam o título de professor universitário como cartão de visitas para vender suas consultorias. Mas nas ciências humanas, ainda mais no circuito “progressista”, a regra é fazer tudo no amor.

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