A presidência da comissão não ficou com o deputado mais desqualificado para ocupá-la, que se bandeou para os EUA, mas acabou nas mãos do segundo deputado mais indigno de exercê-la
por Hugo Souza, em Come Ananás
Não havia ninguém mais desqualificado na Câmara das Deputados para assumir a presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Casa que o deputado Eduardo Bolsonaro. Isso porque Eduardo vinha usando o cargo de deputado federal para tentar mobilizar forças estrangeiras contra instituições do Estado brasileiro.
Até horas atrás, PT e PL fincavam pé sobre a questão: o PT não aceitava Eduardo na presidência da comissão de jeito nenhum; o PL não abria mão, de jeito nenhum, de Eduardo na presidência da comissão. O impasse foi resolvido com a decisão do filho deste solo – e de Jair Bolsonaro – de se bandear para os EUA, para dedicação exclusiva, por assim dizer, ao ofício da sabotagem ao seu país.
Num primeiro momento, após Eduardo anunciar que deu o fora, um afoito Luciano Zucco (PL-RS), vulgo Tenente-Coronel Zucco, anunciou a si próprio como presidente da comissão. Não demorou nadinha para a Orcrim de Bolsonaro e Valdemar Costa Neto atropelar o ex-presidente da CPI do MST e indicar para o posto, em vez de Zucco, o deputado Filipe Barros (PL-PR).
No fim das contas, a presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara não ficou com o deputado mais desqualificado para ocupá-la, mas acabou nas mãos do segundo deputado mais indigno de exercê-la.
Isso porque foi Filipe Barros quem esteve por trás, quem municiou Jair Bolsonaro com o “teor” da exposição contra as urnas eletrônicas feita por Bolsonaro a embaixadores de países estrangeiros em julho de 2022; daquela insólita iniciativa de Bolsonaro de usar a Presidência da República para, como Eduardo, tentar mobilizar forças estrangeiras contra instituições brasileiras, o que acabou deixando o pai de Eduardo inelegível até 2030.
“Teria muita coisa a falar aqui mas eu quero me basear exclusivamente em um inquérito da Polícia Federal que foi aberto após o 2º turno das eleições de 2018, onde um hacker falou que tinha havido fraude por ocasião das eleições”, disse Jair Bolsonaro no dia 18 de julho de 2022, logo no início daquela sua explanação aos embaixadores no Palácio da Alvorada.
O embasamento a que Bolsonaro se referia era o inquérito policial 1361/2018, sigiloso, mas vazado indevidamente por Filipe Barros em 2021 para o então ajudante de ordens de Bolsonaro, o indefectível Mauro Cid. Bolsonaro e Filipe Barros, que era o relator da PEC do “voto auditável”, usaram o inquérito para tentar envenenar a sociedade brasileira contra as urnas eletrônicas e, depois, para tentar envenenar emissários estrangeiros ao Brasil contra o Supremo e a Justiça Eleitoral.
Bolsonaro, Filipe Barros e o delegado da PF Victor Neves Feitosa Campo são investigados no inquérito 4878 do STF por “divulgação de dados de inquérito sigiloso da Polícia Federal com o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral brasileiro”. O inquérito se arrasta desde 2021 na egrégia corte. O último andamento aconteceu no último 12 de fevereiro, quando os autos ficaram pela 41ª vez “conclusos ao relator” – Alexandre de Moraes.
Filipe Barros foi eleito deputado federal pela primeira vez em 2018, quando gritava aos quatro ventos o discurso de que o candidato do PT à presidência da República, Fernando Haddad, era o “poste do Lula”, “do presidiário”. Nesta quarta-feira, 19, Filipe Barros tomou posse na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara como poste de Jair e Eduardo Bolsonaro, com o seguinte discurso:
“Ontem foi um dia histórico no Parlamento brasileiro. O Deputado e meu amigo, Eduardo Bolsonaro, brasileiro, que mais recebeu votos para esta Casa na história, exila-se para fugir de uma iminente perseguição às suas liberdades e às da sua família. É mais um capítulo triste da recente história no Brasil, onde a democracia é uma palavra quase sem sentido, onde um grupo político, nós, a Direita, foi escolhido para ser eliminado da vida pública.”
“Todas as minhas condolências ao Eduardo, à sua família, ao Presidente Bolsonaro, o maior líder desta Nação, perseguido pelos nossos opositores políticos.”
“Logo, é com imensa responsabilidade que recebo a missão do Presidente Bolsonaro e do meu partido, o PL, para presidir a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, trincheira tão importante para que resgatemos a nossa verdadeira soberania, nossas liberdades, para que a nossa democracia volte a ficar de pé.”
Além de Filipe Barros, Bolsonaro e o PL indicaram para compor a comissão toda a caterva mais histriônica do bolsonarismo na Câmara. Estão lá, como membros titulares, Carla Zambelli, Gustavo Gayer, o “príncipe” Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Mário Frias, o próprio Zucco e até um denunciado por golpe de Estado: Alexandre Ramagem.
Como suplentes, estão lá André Fernandes, a atiradora Julia Zanatta (fiel escudeira de Eduardo Bolsonaro), o atirador Marcos Pollon (fiel escudeiro de Eduardo), o pastor Marco Feliciano e Eduardo Pazuello, o general que lá atrás, no meio da pandemia, no meio do genocídio, cunhou o famoso lema do “bolsonarista raiz”, como Filipe Barros: “uma manda e o outro obedece”.
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Deputado Filipe Barros foi eleito presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara (Foto: Lula Marques/Agência Brasil).