Por Bruna Abinara, Informe Ensp
Significados técnicos e sociais das placas pleurais, ações de vigilância no Brasil e possibilidades de cooperação internacional foram os destaques temáticos do segundo dia de atividades do IV Seminário Internacional de Vigilância dos Expostos ao Amianto: Uma Abordagem Interdisciplinar sobre a Saúde, Trabalho e o Ambiente. Realizado nos dias 8 e 9 de abril, o evento foi promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). As mesas foram transmitidas pelo canal da ENSP no Youtube; assista!
A exposição ao amianto no trabalho e no meio ambiente representa graves riscos à saúde. A maioria das mortes ocorre décadas após o contato, devido ao longo período de latência. Apesar de proibido em mais de 70 países, o amianto ainda é utilizado. Também chamado de asbesto, é um mineral natural formado por fibras muito finas e resistentes, usado na construção civil, no setor automotivo e em outras áreas industriais.
O médico imunologista do trabalho Jefferson Benedito Pires de Freitas deu início à primeira mesa do dia, intitulada “Placas pleurais e seu significado técnico, político e social”, com a contextualização das doenças pleurais não malignas, que são caracterizadas pela alteração da membrana que encobre os pulmões pela exposição ao amianto. “Muitas vezes escutamos dizer que placa pleural é apenas um indicador de exposição, mas ela é uma doença”, afirmou. O médico assistente na divisão de Imunologia do Incor, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explicou que as placas pleurais são as mais frequentes manifestações de contato com asbesto e que elas são agravadas ao longo do período da latência.
O pneumologista e pesquisador sênior da Fundacentro, Eduardo Algranti, abordou as alterações funcionais associadas às placas pleurais e as suas implicações na vigilância epidemiológica dos expostos ao amianto. A partir de estudos e pesquisas científicas, o palestrante apontou que as placas pleurais se associam a perdas funcionais discretas, mas podem apresentar relevância clínica pela extensão e pelo espessamento pleural difuso. Além disso, alertou para o fato de estarem relacionadas a maiores riscos de desenvolvimento de mesotelioma e câncer de pulmão. “A doença pleural é exatamente o que o nome indica: uma doença relacionada ao asbesto, não é simplesmente um marcador de exposição. Toda vez que aparece, ela reforça a necessidade de colocar o indivíduo em seguimento periódico ao longo dos anos”, concluiu.
Por último, a fundadora da ABREA, Fernanda Giannasi, expôs que, apesar da proibição, o Brasil ainda figura como um dos maiores produtores e exportadores de amianto do mundo. A palestrante apresentou o projeto “Vigilância em Saúde dos expostos ao amianto da desativada mina de São Felix em Bom Jesus da Serra”. Sobre as dificuldades que identificou junto à população do território, Fernanda elencou a dificuldade na realização de exames, o alto custo para deslocamento de equipes e equipamentos até a região e a distância de hospitais especializados. “As certidões de óbito indicavam ‘causa desconhecida’, o que gerou um silêncio epidemiológico e a falta de investimentos públicos no local”, denunciou. Para a fundadora da ABREA, o diagnóstico de placas pleurais é importante para promover justiça social, uma vez que o reconhecimento delas enquanto doenças profissionais garante aos trabalhadores o direito à indenização em vida.
A coordenadora da mesa, Daniela Elbert Pais de Melo, que é membro do MPT, reforçou a relevância social e jurídica do diagnóstico de placas pleurais. “As indenizações são dadas em razão da doença, mas também da incapacidade. Quando pegamos um laudo indicando que a doença não é importante clinicamente ou que tem perdas funcionais discretas, é muito difícil convencer o juiz de que a situação é grave”, explicou.
Em seguida, a mesa “Ações de Vigilância no Brasil e Cooperação Internacional” apresentou projetos de formação, pesquisa e ação em diversos países, apontando possibilidades de contribuição. A conversa foi coordenada pela Assessora em Saúde do Trabalhador da Vice-presidência de Ambiente Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz) Maria Juliana Moura Correa, que destacou a promoção de vigilância e políticas para melhorar a vida dos expostos ao amianto como objetivo do evento.
O chefe de projetos internacionais do Asbestos and Dust Diseases Research Institute (ADDRI), Shane McArle, apresentou o panorama australiano. Segundo o mestre em Saúde Pública, o amianto foi banido no país em 2003, porém, continua a ser uma forte ameaça pela presença massiva no ambiente e nas construções urbanas. Shane explicou que a Austrália estabeleceu um plano estratégico nacional, que busca promover ações para eliminar as doenças relacionadas ao asbesto, apoiar os trabalhadores e as pessoas expostas, assim como liderar a proibição mundial do mineral. “Na Austrália, nós sabemos onde está o problema, o importante é a conscientização pela prevenção a novas exposições”, defendeu. Para o representante da ADDRI, a única solução é garantir que o amianto não seja mais usado, produzido ou exportado. Por isso, apostou na importância da cooperação internacional.
O professor Alex Sandro Roschildt Pinto, da Universidade Federal de Santa Catarina, apresentou o Sistema de Telemedicina e Telessaúde (STT), um projeto de pesquisa com inteligência artificial que pretende auxiliar na detecção de doenças relacionadas ao amianto. Segundo o palestrante, a proposta do sistema é usar a tecnologia para analisar os laudos e as imagens médicas para apoiar os especialistas no diagnóstico. “Almejamos também ter uma base de dados disponível, que concentre as informações dos indivíduos afetados, porque detectamos que estão dispersas pelo Brasil”, elaborou.
“O que mais me incomoda é que notícias sobre mortes por doenças causadas pelo amianto se tornaram rotina no Brasil”, confessou a professora do Instituto Federal da Bahia Orleane Britto. A pesquisadora ressaltou que as publicações científicas com foco na exposição ambiental ainda são muito escassas ao redor do mundo. Assim, destacou que eventos como este seminário representam uma oportunidade de conhecer iniciativas de outros países e firmar parcerias.