Nota de Combate: para quem está na dúvida quanto ao motivo que terá levado Trump a voltar atrás hoje, 12/04, e isentar smartphones, computadores e outros eletrônicos de tarifas recíprocas…
Por Paulo Gala, em seu site
A cadeia de suprimentos (supply chain) para a produção do iPhone é uma das mais complexas e eficientes do mundo, altamente concentrada na Ásia do Leste, especialmente em países como China, Vietnã, Coreia do Sul, Taiwan e Japão. Essa rede integra dezenas de milhares de fornecedores de componentes especializados, desde microchips e sensores ópticos até parafusos, conectores e telas OLED. A montagem final, liderada por gigantes como Foxconn e Pegatron, ocorre majoritariamente em fábricas altamente automatizadas e operacionais 24 horas por dia, com milhões de trabalhadores treinados em linhas de produção de altíssima precisão.
Essa estrutura foi construída ao longo de décadas com apoio de políticas industriais agressivas, investimentos bilionários em infraestrutura, e uma cultura empresarial voltada para eficiência logística, qualidade e velocidade de entrega. Fabricantes como TSMC, Samsung e Sony se tornaram líderes mundiais em componentes críticos — chips de última geração, memórias, câmeras, displays — e estão localizados em regiões onde há ecossistemas completos de fornecimento, engenharia e inovação. Além disso, as zonas econômicas especiais da China oferecem incentivos fiscais, acesso rápido a portos e mão de obra técnica abundante, tornando o ambiente imbatível para manufatura em larga escala.
Transferir essa cadeia produtiva para os Estados Unidos significaria reconstruir do zero uma infraestrutura industrial que o país não possui mais em escala. Os EUA enfrentam escassez crônica de engenheiros especializados em manufatura, eletrônica de precisão e processos fabris. Além disso, há poucos fornecedores locais de componentes de baixa margem, como conectores, motores vibratórios, sensores e até embalagens, cuja produção foi deslocada para a Ásia devido a custos e especialização. Mesmo empresas americanas, como a Apple, dependem de fabricantes asiáticos para mais de 90% de suas peças e montagem.
Outro obstáculo é o custo e a escala. A Ásia do Leste oferece economias de aglomeração: fábricas vizinhas compartilham suprimentos, técnicos, trabalhadores e know-how, reduzindo drasticamente prazos de entrega e custos logísticos. Nos EUA, não só o custo da mão de obra é mais alto, como também não existe uma rede equivalente de fornecedores nas proximidades. Além disso, muitas peças são fabricadas por empresas que não têm operação nos EUA e não planejam instalar fábricas fora da Ásia, dada a dependência de outros insumos que também são asiáticos.
O papel dos engenheiros é particularmente crítico. Na China, por exemplo, é possível reunir milhares de engenheiros em questão de dias para resolver problemas de produção ou ajustar processos. Nos EUA, isso seria inviável: além da escassez numérica, o sistema educacional americano tem priorizado áreas como software e finanças, enquanto a formação técnica em manufatura foi desvalorizada nas últimas décadas. Isso impede o surgimento de hubs de produção similares aos da Ásia, onde universidades, governo e empresas atuam em conjunto para formar talentos industriais.
Portanto, embora politicamente atraente, a ideia de “repatriar” a produção do iPhone para os EUA esbarra em limitações estruturais, econômicas e humanas. A cadeia de produção asiática não é apenas barata — ela é altamente integrada, sofisticada e adaptável. A tentativa de replicá-la exigiria trilhões de dólares, décadas de investimento em infraestrutura e uma reformulação profunda da cultura industrial americana. Mesmo com incentivos e tarifas protecionistas, os EUA não têm hoje a capacidade física e humana para substituir a Ásia como centro da manufatura avançada de eletrônicos.
–
Imagem: André Carrilho