Assassinato pelo TikTok. Por Luis Felipe Miguel

Quem vai cobrar da plataforma a responsabilidade pela morte da menina no Distrito Federal, causada por uma de suas “brincadeiras”?

em Amanhã não existe ainda

Sarah tinha oito anos de idade. Morava na Ceilândia, cidade satélite de Brasília. Na quinta-feira da semana passada, seu avô a pegou na escola e a levou para casa. Horas depois, quando foi levar-lhe um lanche, encontrou-a desacordada. No hospital, a equipe médica tentou reanimá-la durante uma hora, mas a menina morreu.

Ela foi uma vítima do desafio do desodorante, dirigido a crianças e adolescentes e que viraliza no TikTok. O desafio é inalar aerossol pelo maior tempo possível. Uma das muitas “brincadeiras” estúpidas, potencialmente mortais, que circulam pelas redes sociais e são acessadas por um público vulnerável.

A tragédia da menina da Ceilândia é mais uma prova – como se ainda fossem necessárias novas provas – de que é urgente regular as mídias sociais. O TikTok lucra com seus joguinhos assassinos. O YouTube, com anúncios de sites ilegais de apostas, como voltou a ser denunciado recentemente. A Meta, isto é, Instagram e Facebook, veicula sem parar anúncios de golpes de diferentes tipos, de curas milagrosas a promoções de produtos que seriam incrivelmente vantajosas se não fosse pelo detalhe de que eles nunca são entregues.

Sim, há perpetradores específicos, que precisam ser punidos – no caso, quem inventou e divulgou o tal desafio. Mas as plataformas são cúmplices. Elas se omitem de forma deliberada e “impulsionam” estes conteúdos, porque ganham com isso.

É a mesma coisa com campanhas de desinformação, manipulação política, incentivo à violência, pedofilia. As plataformas estão se lixando para as consequências, desde que gere lucro.

Quando eclode um escândalo, o que fazem? Fingem que lançam medidas inócuas e dispararam campanhas hipócritas, como a da Meta, agora, mostrando suas “contas de adolescentes” no Instagram.

Num ambiente em que o usuário declara a própria idade sem qualquer controle e milhões de crianças com idade abaixo do mínimo oficial de 13 anos têm perfis, acredita na propaganda da Meta quem quiser.

Como é mesmo que dizia Goebbels? Uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Zuckerberg deve ter uma foto do ministro nazista pendurada no seu escritório.

Todos sofrem com o império das plataformas sociodigitais. Elas são prejudiciais à qualidade do debate público, à democracia, à soberania nacional, à nossa autonomia individual, à privacidade, aos direitos trabalhistas, à educação, à cultura, à verdade.

Todos sofrem, mas as crianças são as primeiras vítimas. A pequena Sarah morreu. Outras morrem nas chacinas nas escolas, praticadas por incels gerados nos perfis e nos grupos de supremacismo masculino que pipocam no Discord, no TikTok, no Instagram. Outras colocam sua vida em risco, outras são alvo de pedófilos que arregimentam suas vítimas nas redes. Outras são levadas a sérios distúrbios de imagem e de autoestima, motivados pelos filtros do Instagram e pela cultura do like. E há também todas aquelas que se sentem desincentivadas ao estudo e a uma carreira profissional, porque julgam que a melhor perspectiva de futuro é virar influencer, seja no TikTok, no YouTube, no Instagram ou no OnlyFans.

Mais ninguém faz nada. A direita, como nós sabemos, só se preocupa com as crianças antes delas nascerem. E as big techs se tornaram suas grandes aliadas e parceiras, em especial, mas não só, no objetivo de garantir um espaço seguro para disseminação de todo tipo de mentira.

À esquerda, poucos são os que dão ao tema a prioridade que merece. As críticas às plataformas aparecem aqui e ali, mas no dia a dia quase todos se rendem gostosamente à sua lógica superficial e imbecilizante, pulando de trend em trend, sem parar para pensar no que significam.

Uma sociedade que não é capaz de proteger as suas crianças, pior, que nem sequer se preocupa em proteger suas crianças, é uma sociedade doente.

Oscar Björck, No berçário (1889)

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