Banco criará norma para garantir escuta pública em projetos que impactam o direito à moradia
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acatou recomendação do Ministério Público Federal (MPF) e se comprometeu a instituir uma normativa interna para assegurar participação social em projetos urbanísticos voltados à requalificação do Centro do Rio de Janeiro. A decisão, comunicada formalmente ao MPF, estabelece prazo de 60 dias para a sistematização de um processo de escuta social nas futuras iniciativas com perfil semelhante ao projeto Masterplan.
O Masterplan é um projeto urbanístico financiado pelo BNDES em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, que propõe diretrizes para a requalificação da região central da cidade, com foco na valorização de imóveis públicos ociosos. Desenvolvido pelo Consórcio Conexão Rio entre 2023 e 2024, o plano tem o alegado objetivo de combater o esvaziamento populacional e a degradação do centro urbano, transformando-o em um território multifuncional, com moradias, comércios, serviços e equipamentos culturais.
Embora preveja o uso de alguns imóveis para habitação de interesse social, o Masterplan foi questionado pelo MPF por não prever mecanismos de participação direta dos moradores e dos movimentos sociais na sua elaboração, redundando em pouca priorização ao tema.
A Recomendação PRDC/RJ nº 9/2025, assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, Julio Araujo, orientou o banco a adotar medidas claras para garantir a escuta da população diretamente impactada pelas ações de reurbanização. A proposta estabelece dois pilares fundamentais: consultas obrigatórias a movimentos sociais atuantes no território e a realização de audiências públicas amplas, com máxima representatividade e cujos resultados sejam efetivamente considerados na formulação dos projetos.
“Não é possível ignorar a demanda por moradia popular no centro da cidade. É imprescindível que os projetos contem com participação popular desde o início, mediante escuta ativa dos movimentos sociais e outras entidades”, afirma o procurador.
A resposta do BNDES, formalizada por meio de nota técnica, reconhece a viabilidade técnica e jurídica da recomendação e afirma que uma proposta de normativa será submetida à alta direção do banco. A instituição destaca que a inclusão de mecanismos de escuta qualificada da sociedade civil aprimora a legitimidade e a qualidade dos projetos voltados à reabilitação de áreas centrais.
Inquérito – A atuação do MPF teve início com a abertura de um inquérito civil para apurar a ausência de diálogo entre o banco e os movimentos sociais no processo de estruturação do Masterplan. Embora o BNDES tenha informado ter promovido escutas com representantes institucionais e técnicos na elaboração do plano, o MPF constatou que moradores locais e coletivos de moradia não foram envolvidos nas discussões sobre o futuro dos imóveis públicos da região.
O direito à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, é uma das bases da recomendação, que também se fundamenta em normas internacionais de direitos humanos e em políticas públicas como o Programa Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Democratização dos Imóveis da União. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) estabelece a gestão democrática como diretriz essencial da política urbana, exigindo a participação da população na formulação, execução e acompanhamento de projetos de desenvolvimento urbano.
O caso é acompanhado no âmbito do Grupo Interinstitucional de Moradia Adequada, coordenado em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ). A expectativa é que a resposta do BNDES represente uma reformulação na condução das políticas urbanas, com maior transparência, participação e justiça social.
Procedimento nº 1.30.001.004321/2020-31
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Imagem: Palácio Pedro Ernesto, Centro histórico do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
