‘Montanhas de rejeitos’: indígenas denunciam avanço de mineração no Vale do Jequitinhonha (MG)

Em entrevista, liderança indígena explica os impactos da mineração de lítio no entorno da Terra Indígena (TI) Cinta Vermelha Jundiba

Alma Preta

Na cidade de Araçuaí (MG), no Vale do Jequitinhonha, cerca de 100 indígenas Pankararu e Pataxó retomaram uma área de 560 hectares da Fazenda São Judas Tadeu, com o objetivo de impedir o avanço da mineração de lítio no local.

A preocupação é que, com a venda da região, que faz divisa com a Terra Indígena (TI) Cinta Vermelha Jundiba, o processo de extrativismo impacte ainda mais a vida da comunidade e o meio ambiente do território.

Em entrevista à Alma Preta, Toá Kãnynã Pankararu, uma das lideranças indígenas locais, explica que esta é a segunda vez que a área é reivindicada.

Segundo a liderança, há 15 anos a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) realizou o grupo de trabalho (GT) para a formalização do relatório que reconhece a área como parte da TI, após um recurso em favor dos indígenas.

“A primeira vez que ocupamos foi contra a monocultura que ia plantar eucalipto na margem do Jequitinhonha, porque a fazenda é uma extensão do nosso território. A Funai foi fazer os estudos antropológicos e formou o GT entre 2011 e 2012. O relatório foi concluído no ano seguinte e não avançou mais”, conta.

O recurso, segundo Toá, solicitava a aquisição da fazenda e anexação ao território, para que as atividades econômicas não destruíssem os recursos naturais da terra indígena.

“É uma área que a gente já utiliza há muito tempo, né? É onde tem plantas medicinais, onde coletamos frutos para fazer remédios. É no entorno do rio que plantamos plantas sagradas para nós”.

Além da demora na anexação, a liderança destaca que o atual proprietário da fazenda pretende vender a propriedade. Entre os interessados, estão duas empresas mineradoras de lítio que atuam no local. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), grande parte das jazidas de lítio na América Latina estão localizadas em territórios indígenas.

“Se [a fazenda] for vendida, nosso território aqui acaba. A nossa aldeia acaba, né? Vai ficar impossível para o nosso povo sobreviver aqui, com a mineração de um lado e do outro e nós estamos no meio, porque toda essa área aqui foi mapeada para mineração de lítio”, ressalta.

No entorno do território indígena, já existe a presença do extrativismo. Toá Kãnynã recorda que a comunidade de Poço Dantos, que integra o território, já perdeu vários hectares no entorno da região.

“A ação das mineradoras daqui é muito rápida. São montanhas de rejeitos e também muita poeira. São impactos de todos os tipos, na saúde, social, na cultura. E muitas vezes são empresas multinacionais. Elas trazem muito desconforto para os povos tradicionais e indígenas”.

A ocupação da área começou em frente à fazenda, mas por questões de segurança foi realocada para depois do rio. Com isso, os indígenas realizam uma campanha para custear a compra de canoas para possibilitar o transporte. A ação também arrecada alimentos para as pessoas mobilizadas.

“Nós estamos adquirindo umas canoas para evitar usar carro e passar nas porteiras dos outros fazendeiros. Achamos que estávamos correndo risco. A gente nunca sabe o que pode acontecer com os outros fazendeiros também, que são contra os povos indígenas e a favor da mineração”, completa.

A Alma Preta questionou o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sobre a demora na regularização da reserva, sobre quais ações foram tomadas para conter o impacto da exploração de lítio na região da Terra Indígena Cinta Vermelha Jundiba e quais medidas de apoio estão sendo fornecidas à retomada.

A reportagem também buscou o parecer da pasta sobre a possível venda do território, considerando o impacto das atividades mineradoras à saúde e ao modo de vida dos Pataxó e Pankararu.

Não houve resposta para nenhum dos questionamentos. O espaço segue aberto para manifestações.

Imagem: Indígenas Pankararu e Pataxó durante a retomada de área próxima à Terra Indígena Cinta Vermelha Jundiba, em Araçuaí (MG), com faixas contra a mineração de lítio — Reprodução / Toá Kãnyã Pankararu

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