Ao mirar Lula, Trump o elevou ao patamar de grande liderança global. Enxergou o que nem mesmo a opinião pública brasileira parecia enxergar
Por Bruno Sindona, no Le Monde Diplomatique Brasil
Em 2008, o presidente Lula chamou de “marolinha” a crise internacional iniciada nos Estados Unidos. E, de fato, o tsunami que afundou diversas economias foi, no Brasil, surfado com vigor, impulsionado por fatores externos, mas principalmente por um gigantesco plano de estímulo econômico que a sociedade teima em esquecer. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida foram lançados no epicentro da crise e conduziram o Brasil nessa onda, verdadeiros propulsores de desenvolvimento que elevaram o país a um novo patamar. O investimento em energia, por exemplo, nos tirou do apagão e nos tornou o segundo maior produtor de energia do planeta.
Naquele momento, Lula foi chacoteado por grande parte dos atores relevantes da mídia, da economia e da política. A maioria dos quais, hoje, ninguém se lembra. Episódios assim sempre foram frequentes em sua trajetória. Às vezes, foi ridicularizado por xenofobia, outras vezes pela ausência de ensino formal, ou ainda pela deficiência que carrega desde um acidente sofrido como torneiro mecânico. Mecanismos quase automáticos usados para diminuírem suas conquistas, e consequentemente as do país.
Acontece que o menino retirante da seca aprendeu, pela urgência da fome e pela impossibilidade de confiar no dia de hoje, a se orientar para a frente. Sem perspectivas no curto prazo, precisou treinar o olhar para longe. Assim, passou a enxergar o que quase ninguém via e a seguir sem se importar com a crítica de quem já está predisposto a desacreditá-lo. No decorrer dessa trajetória, erros foram cometidos, evidentemente. Mas erros não deveriam, em regra, apagar conquistas. E qualquer análise que privilegie um em detrimento do outro é injusta.
Temo em trazer a notícia de que o Brasil sonhado no hino nacional existe, e é concreto. O futuro do país chegou. Já não somos mais gigantes apenas pela própria natureza. Somos gigantes em soberania, em mercado, em relações, em democracia, e gigantes institucionalmente. O ataque americano mirou em um país menor, em uma republiqueta de bananas, e veio carregado de veneno institucional. Trump não tolera as instituições, e sabe que elas são seu verdadeiro inimigo. Ter encontrado aliados brasileiros da mesma estirpe o animou a atacar. Mas errou, como sempre erra quem subestima o adversário. Como erraram todos que viram em Lula um político menor. Como erram todos que, de tempos em tempos, anunciam que o Brasil já era.
Até que um novo tsunami surgiu: Donald Trump. O presidente americano, assim como a crise do subprime, ameaçou ferozmente nosso futuro. Bradou, ameaçou, impôs sanções e tarifas. E Lula, por talento ou instinto, decidiu mais uma vez olhar adiante. Viu na crise uma oportunidade de união nacional, algo que lhe havia escapado até então. Trump, temeroso do multipolarismo e consciente da relevância estratégica do Brasil, chamou Lula para valsar na arena dos grandes. E como se diz, você é do tamanho dos seus inimigos. Ao mirar Lula, Trump o elevou ao patamar de grande liderança global. Enxergou o que nem mesmo a opinião pública brasileira parecia enxergar.
Trump, à força, fez o Brasil se lembrar do que é importante. Fez-nos lembrar que soberania nacional e o próprio nacionalismo são muito mais do que frases soltas enroladas numa bandeira do Brasil produzida na China. Fez o país recordar o valor dos parceiros comerciais que construímos ao longo de séculos de relações diplomáticas bem-sucedidas, e que tornam até os próprios Estados Unidos menos relevantes. Ao pararmos para observar com frieza nossa relação com os EUA, o Brasil percebeu que somos mais necessários para eles do que eles para nós, uma surpresa absoluta para quem sempre se julga inferior. E isso pode ser facilmente validado ao analisar a lista de produtos isentos das tarifas, uma lista de quem não pode desprezar nosso tamanho.
Talvez Lula seja hoje o mais brasileiro dos brasileiros. Porque ele representa exatamente o Brasil de agora. O Brasil que fugiu da fome, que saiu do campo, que evoluiu na indústria, que construiu sua democracia no diálogo e que, mesmo depois de tudo isso, ainda não é plenamente reconhecido pelas elites nacionais e globais. O Brasil e Lula caminharam juntos nas últimas décadas. Erraram, acertaram, evoluíram. Se fizeram. Nada do que aconteça daqui para frente poderá diminuir o que já foi conquistado. O novo virá. Lula, daqui a um ano e meio ou cinco anos e meio, entregará o Brasil para alguém. Seja quem for, espero que seja tão brasileiro quanto ele e que cumpra o papel de seu tempo, como Lula tem cumprido.
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Bruno Sindona é empreendedor de impacto e conselheiro do CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável).
Enviado para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.
Foto: Tania Rego, Agência Brasil
