Conapir: conheça luta por igualdade de direitos e reparação histórica

Conferência Nacional da Igualdade Racial termina hoje em Brasília

Daniella Almeida – Repórter da Agência Brasil

Os delegados da 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), reunidos em Brasília, apresentam nesta sexta-feira (19) o documento final com as propostas que serão encaminhadas ao governo federal. São diretrizes e recomendações para a formulação e aprimoramento de políticas públicas de igualdade, democracia, reparação histórica e justiça racial.

O encontro, que termina nesta sexta-feira (19), reúne cerca de 2 mil pessoas de todo o país. São 1,7 mil delegados eleitos, 200 convidados e 50 observadores que debateram as 740 propostas aprovadas nas etapas anteriores em conferências municipais, estaduais e regionais.

Na quinta-feira, a reunião plenária homenageou a socióloga e militante do movimento negro Luiza Bairros, falecida em 2016, que foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil (Seppir) entre 2011 e 2014.

Na reunião deliberativa, as propostas foram sendo submetidas à votação de todos os delegados presentes e os textos foram ajustados para refletir a vontade coletiva.

Após consenso, as recomendações foram inseridas no texto final da conferência a ser levado nesta sexta-feira (19) ao governo.

A programação oficial de quinta-feira foi alternada com manifestações espontâneas de grupos sociais. As comunidades de terreiro de religiões de matriz africana – Candomblé e a Umbanda – ocuparam os corredores e levaram “seu axé” ao palco da plenária com cantos e vestimentas e adornos para pedir respeito ao saber ancestral e ser resistência.

Mãe Gilce de Oyá, ribeirinha da ilha de Cotijuba (PA), deseja que a Constituição Federal de 1988 garanta igualdade ao povo negro.

Na sequência, em roda, os capoeiristas se uniram em coro para reivindicar a valorização do ofício da capoeira.

Em um protesto pacífico de rodopios e rasteiras, musicado por berimbaus, pandeiros e agogôs, os delegados na Conapir sugeriam que a capoeira seja inserida nos currículos escolares como uma celebração da cultura afro-brasileira, que transmite tradição, ética e valores. Para não ser vista apenas como uma atração turística.

João Moreira, professor de educação física no Grande ABC Paulista, popularmente conhecido como Mestre Pelé, defende a luta, caracterizada pela ginga, que foi criada pelos escravizados no Brasil. “Hoje, a capoeira educa, ensina a ter respeito com o próximo e a disciplina de sua própria pessoa”.

Mestre Pelé exaltou os griôs, sábios contadores de histórias, como figuras experientes e respeitadas. “Os mestres, mesmo sem nunca terem conseguido ir a uma universidade, iniciaram todo esse processo educacional com a capoeira.”

Uma conferência. Dois mil rostos. Uma nação diversa

As ciganas Marisa e Nardi Casanova Calim, de Curitiba, lamentam ser invisibilizadas pela sociedade civil e pelo Estado brasileiro. Elas dizem ter seus direitos à saúde, educação, moradia e segurança pública negligenciados com frequência.

“Ser cigana deveria ser viver o dia-a-dia com a tua roupa, com a tua identidade, que são teus trajes, com o que se tem de tradições, dos costumes. Mas, geralmente, as pessoas não entendem esse tipo de cultura, por isso somos um povo discriminado e sofremos muitos preconceitos. Chega! A Constituição Federal diz, no artigo 5º, que qualquer pessoa pode ir e vir por onde ela quiser”, reforça a cigana Marisa.

Diversas são as idades dos delegados da Conapir. A estudante de Niterói (RJ), Martha Lúcia Briola de Souza, de 25 anos, trouxe o filho de 8 meses, Felippe José. Ela representa a juventude, a mãe negra e periférica na conferência.

A brincadeira de chamar sua criança de “o mais novo delegado da V Conapir” dá lugar ao medo do filho dela sofrer discriminação por ter o corpo negro.

A delegada Martha Lúcia justifica seu medo pela história secular do povo brasileiro. “Os navios negreiro genocidas vieram da África. Aqui, com a colonização dos portugueses, nossos corpos vêm sofrendo há 500 anos. Eu tenho medo, sim, da segurança pública. E existem racismo e preconceito, sim.”

O sentimento da jovem Márcia é endossado pela experiência de vida de outra delegada, de Duque de Caxias (RJ). Luana Evanderlina, de 74 anos, é membro do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro e da Promoção da Igualdade Racial e Étnica de Caxias e conhece bem o contexto de violência. A realidade é fartamente exposta à Luana Evanderlina, pelo trabalho de 40 anos como assistente social em quatro favelas da Baixada Fluminense.

Luana Evanderlina vê os dias de Conapir como uma oportunidade de lutar pela igualdade de direitos e exigir reparação pelos danos históricos causados pelo racismo. “O Brasil, literalmente, é um país negro. Esse legado é nosso, porque quem fez esse país foi o povo preto retinto. Mas muita gente sempre tem em mente o modelo europeu dos nossos colonizadores brancos, o que atrasa o entendimento de que esse país é nosso.”

Eliane de Lima, de Campina Grande (PB), a Lóla, conhece outras faces do racismo, sob a perspectiva vivida pelos trabalhadores domésticos, dentro de quartinhos, marginalizados nas chamadas casas de famílias.

Atualmente, Eliane integra a Associação dos Trabalhadores Domésticos de Campina Grande, e foi ao evento para cobrar o cumprimento da Lei Complementar nº 150/2015 que unificou os direitos dos trabalhadores domésticos, equiparando-os aos dos demais trabalhadores urbanos e rurais. Direitos que a trabalhadora doméstica sabe na ponta da língua, mas não os vê universalizados. Entre eles estão adicional noturno, controle da jornada de trabalho, FGTS, seguro-desemprego.

“A gente trabalha demais e ganha pouco por ser trabalhador doméstico. Nossa força não é valorizada no mercado de trabalho”, constata Eliane de Lima.

A psicóloga e professora indígena Mick Aimirim Poti saiu de Caruaru (PE) para representar seu povo Karaxuwanassu na conferência. Na capital federal, ela se uniu a outros grupos para exigir a inclusão e a permanência dos povos indígenas no Estatuto de Igualdade Racial como forma de ampliar o alcance das políticas públicas aos indígenas.

Discriminação em diversas frentes e intolerância religiosa vive diariamente o jovem Vinny Obaluaê, do Movimento Negro Unificado (MNU), na Bahia. Na mira do preconceito estão sua identidade de gênero, gay; a cor de sua pele, preta; a sua crença de matriz africana.

Com leque de cores do arco-íris na mão, Vinny circulou nos ambientes da Conapir, chamando a atenção. Ele deseja ampliar a representatividade negra em espaços de poder, decisão e visibilidade, como na política, na mídia, nas artes, no mercado de trabalho e nas comunidades acadêmicas.

Outra assistente social da cidade de Niterói (RJ), Thaísa Bento Ferreira, trouxe a filha de 6 meses para dar o exemplo. O letramento racial que Thaísa teve na universidade, ela quer ensinar à pequena Lívia.

“Acho que a maternidade não pode ser um impeditivo para que continuemos lutando com políticas públicas que vão beneficiar minha filha no futuro.

Thaísa Bento quer esperança de um futuro melhor e digno pela via da igualdade racial. “Construo esse espaço com ela aqui, pensando que a Lívia também o construirá, em algum momento, lutando pelos próprios direitos e pelos direitos dos filhos dela. Com isso, a gente vai ensinar as nossas próximas gerações.”

Confira a programação de encerramento da V Conapir para esta sexta-feira (19)aqui.

Imagem: A 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (5ª Conapir) termina hoje (19), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, com o tema Igualdade e Democracia: Reparação e Justiça Racial. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – Marcelo Camargo/Agência Brasil

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