Desastre da Vale: Instituições de Justiça recorrem contra interferência judicial na gestão do acordo de Brumadinho

Entre as decisões questionadas estão a violação da autonomia da gestão de recursos e a elevação dos valores das assessorias técnicas

Ministério Público Federal em Minas Gerais

O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPEMG) recorreram de decisões que interferem na gestão do Acordo Judicial de Reparação Integral (AJRI), decorrente do rompimento da barragem em Brumadinho. De acordo com o recurso, as decisões representam uma redefinição judicial indevida na gestão de recursos e na autonomia atribuída às Instituições de Justiça em relação aos projetos de demandas das comunidades atingidas.

De acordo com cláusulas do AJRI, a prerrogativa de definir a “forma de gestão dos recursos” – destinados à contratação de estruturas de apoio, como as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) – é das Instituições de Justiça. O objetivo é garantir que as pessoas atingidas tenham participação informada e efetiva na definição, monitoramento e fiscalização dos projetos de reparação, auxiliando na redução da assimetria técnica entre as vítimas e a Vale S.A.

Intervenção judicial e quebra da autonomia – O recurso (agravo de instrumento) argumenta que a primeira instância interveio indevidamente na gestão dos recursos ao deixar de homologar os termos de compromisso firmados com as ATIs Nacab e Guaicuy; impor, de ofício (sem que as partes tivessem pedido), novos critérios e valores para a ATI Aedas; e determinar que as Instituições de Justiça submetessem novos termos aditivos com a exclusão de cláusulas previamente ajustadas.

Os MPs e a Defensoria apontam que as decisões violaram princípios do Código de Processo Civil (CPC) como o da iniciativa das partes (impulso oficial) e o da congruência (o juiz deve decidir nos limites do que foi pedido), caracterizando uma decisão extra. De acordo com o recurso, também foram violados princípios constitucionais, como o da fundamentação. Dessa forma, argumentam que a intervenção judicial no caso em análise deveria limitar-se a verificar a legalidade da forma de gestão e se o teto global do anexo do acordo globalmente homologado estava sendo respeitado.

Aumento injustificado de custos – Um ponto central do recurso é a decisão, tomada de ofício, que aumentou o orçamento para a ATI Aedas (que atende as Regiões 1 e 2). A 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte determinou R$ 29,3 milhões para a entidade – um créscimo de mais de 60% em relação aos R$ 17,8 milhões propostos pelas Instituições de Justiça, com base no estudo técnico da Coordenação de Acompanhamento Metodológico e Finalístico (CAMF), órgão auxiliar.

A CAMF, responsável por conciliar a estrutura das ATIs com o princípio da economicidade, questionou a base técnica da decisão judicial. O acréscimo foi considerado “artificial” e desprovido de base nas necessidades reais das regiões. Ao aumentar o custo para uma ATI Aedas e, ao mesmo tempo, negar a homologação das demais, a Justiça agiu de forma contraditória e sem fundamentação técnica robusta.

As Instituições de Justiça ainda informaram que já haviam instaurado um procedimento administrativo que apurou irregularidades na gestão de recursos pela Aedas (como a aquisição indevida de um imóvel), o que resultou na determinação de rescisão do Termo de Compromisso anterior.

Para o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, que assina o agravo, o aumento dos recursos para uma ATI que demonstrou descumprimento do termo compromete a economicidade e a correta aplicação do dinheiro da reparação. “A morosidade e a burocracia causadas pela judicialização excessiva da gestão são prejudiciais à própria população que se busca reparar, que depende de um assessoramento técnico contínuo e sem interrupções”, diz um dos trechos do recurso.

Além disso, MPF, MPMG e DPEMG alertam que a intervenção judicial excessiva é um risco à reparação, pois as decisões podem levar à descontinuidade dos serviços, pois a não homologação e a necessidade de renegociação atrasam a atuação das ATIs. Tal atraso gera risco de desmobilização das equipes (como alertado pela ATI Guaicuy), causar prejuízos à economicidade ao aumentar injustificadamente os custos da atividade-meio (assessoramento) que pode comprometer a sustentabilidade do acordo e reduzir os recursos disponíveis para a atividade-fim (projetos, programas e ações de reparação). Além disso, alertam que o atraso afeta a segurança jurídica, pois a decisão que definiu valores pontuais de ofício, sem base técnica, enfraquece a autonomia das partes e o sistema de gestão pactuado no Acordo Judicial.

Pedidos – O MPF e as demais instituições pedem a concessão de tutela antecipada (liminar) para suspender a eficácia das decisões questionadas e determinar a imediata homologação dos Termos Aditivos propostos para as ATIs Nacab e Guaicuy (Regiões 3, 4 e 5); suspender a imposição do novo valor para o assessoramento técnico pela Aedas (Regiões 1 e 2) e a suspensão da decisão que condiciona a homologação à submissão de novos Termos Aditivos para as Regiões 3, 4 e 5, com a supressão de cláusulas neles contidas.

Como pedido final, MPF, MPMG e DPMG pedem que o TJMG, ao reformar as decisões contestadas, reconheça sua autonomia na forma de gestão das estruturas de apoio do AJRI, especialmente para a execução do Anexo I.1, que trata dos projetos de demandas das comunidades atingidas.

Foto: Andressa Zumpano

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