Da energia fóssil à energia nuclear

Por Heitor Scalambrini Costa*

A queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) e o desmatamento têm impulsionado as mudanças no clima, que ameaçam a sobrevivência, e a própria vida no planeta pelos efeitos catastróficos resultantes, conhecidos em todos os continentes. Aliado a este flagelo que atinge a humanidade, o pacifismo caiu em desgraça, e a corrida armamentista convencional e nuclear está em alta devido às tensões internacionais, à luta por territórios, pelo poder.

O governo brasileiro com a COP30 em Belém do Pará, em plena Amazônia, almeja a liderança climática mundial. A poucas semanas dessa reunião duas situações ocorreram, que desmascaram o discurso do atual governo federal. Por um lado, a autorização concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a Petrobras iniciar a perfuração de um poço exploratório de petróleo (já pleiteia perfurar 3 poços com a mesma licença) na foz do rio Amazonas, em sua margem equatorial brasileira. O outro evento foi o discurso do ministro de Minas e Energia (MME) Alexandre Silveira, que sem meias palavras propôs a fabricação da bomba atômica, justificando o uso bélico da energia nuclear, como estratégia de dissuasão e de garantir a segurança nacional.

Com a licença autorizada pelo Ibama é certa a expansão da exploração do principal responsável pelas emissões de CO2, causador do aquecimento global. Para amenizar esta catástrofe anunciada, o presidente Lula afirmou “entre fazer pesquisa e tirar petróleo, leva um tempo muito grande, e é preciso novas licenças para você fazer essas coisas”. Talvez espere que depois da Petrobras comprovar os estudos que já indicam cerca de 10 bilhões de barris (atualmente o Brasil tem uma reserva comprovada de 16,8 bilhões de barris) de reserva acumulada naquela bacia sedimentar, ela recue e deixe o petróleo por lá mesmo. Enorme derrota da sociedade que em sua maioria não quer a exploração de petróleo atingindo o maior rio do mundo.

Há sérios e concretos riscos de danos socioambientais com a abertura de uma nova fronteira exploratória de petróleo na foz do rio Amazonas. Segundo a Ciência se houver vazamento de petróleo o resultado será uma tragédia anunciada, que atingirá não somente o Grande Sistema Recifal da Amazônia (GARS), com uma extensão estimada de 56.000 km2 (ecossistema único e rico em biodiversidade, servindo de berçário a várias espécies de peixes), como populações indígenas, quilombolas, colônias de pescadores e suas áreas de pesca artesanal, unidades de conservação, reservas extrativistas, todas próximas à área de exploração. O petróleo extraído é mais CO2 na atmosfera, mais efeito estufa, mais aquecimento global, mais destruição da floresta, mais tragédias.

Depois de muita pressão e constrangimento político, esta decisão do Ibama, provocada pelo ministro do MME, foi judicializada por uma coalizão composta de 8 organizações de entidades ambientais, indígenas, quilombolas e pesqueiras, cuja ação civil pública impetrada tem como alvo a União e o Ibama. Pede a paralisação imediata das atividades de perfuração e anulação da licença de exploração concedida, alegando falhas técnicas, ausência de consulta livre, prévia e informada, além de violação dos compromissos climáticos assumidos pelo país em convenções e acordos internacionais.

Outro desastre para a imagem do Brasil perante o mundo foi o discurso do ministro Alexandre Silveira, durante a posse dos novos diretores da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), em 5 setembro, defendendo que o Brasil poderá precisar de armas nucleares para garantir sua soberania e defesa nacional. Reacendeu a discussão sobre o uso bélico da energia nuclear.

A Constituição Federal (CF) de 1988, Artigo 21, inciso XXIII, alínea “a” estabelece que: “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”. Também importante lembrar que o Brasil é signatário de tratados e acordos internacionais, entre eles o Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), o Tratado de Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (conhecido como Tratado de Tlatelolco, cujo objetivo é o de garantir que a América Latina e o Caribe não tenham armas nucleares), e o Tratado para Proibição de Armas Nucleares.

As declarações do Ministro Alexandre Silveira sobre energia nuclear, atingem as raias do inverossímil, tornando esta autoridade do primeiro escalão do governo Lula, um dos mais combativos e maior defensor do uso nuclear para fins pacíficos e bélicos.

Como defensor de usinas nucleares no país propõe reatores modulares pequenos (em inglês, SMRs) na região Amazônica. Omite que tanto do ponto de vista tecnológico, como econômico, ainda enfrentam dúvidas importantes, sem que se tenha provado a viabilidade econômica, e nem demonstrado seu desempenho operacional. Quanto a continuar as obras da usina nuclear Angra 3, cujo início oficial da construção foi em 1984, é o principal lobista dentro do governo federal. Obra que tem um custo para sua finalização, de 23 bilhões de reais, e cujos equipamentos já comprados estão defasados, ultrapassados, não atendendo os atuais requisitos de segurança. Além da grande voracidade, pois o tesouro nacional despende anualmente 1 bilhão de reais para manutenção do canteiro de obras deste “elefante branco”.

Ao mencionar o uso da energia nuclear para fins de defesa do território e da segurança nacional, o ministro conhecido como o das “boas ideias”, também incentivou um deputado federal de extrema direita a declarar, em alto e bom som, que vai apresentar uma Projeto de Emenda Constitucional retirando do artigo 21 da CF a exclusividade do uso pacifico da energia nuclear em território nacional, escancarando a possibilidade de o Brasil fabricar a sua bomba atômica. Nada mais surpreende vindo do atual Congresso Nacional, uma das piores legislaturas, infestado de safardanas agindo contra a vontade popular.

Para não desacreditar mais o lobby a favor das usinas nucleares, houve uma imediata mobilização dos lobistas da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares, da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares (grupo de parlamentares oportunistas que apoiam a energia nuclear no Brasil), de acadêmicos beneficiados com o programa nuclear brasileiro, da mídia corporativa; todos unânimes em atacar a proposta do parlamentar extremista. Viram nesta iniciativa como “um tiro no pé”, mais dificuldades aos seus interesses de emplacar a construção de novas usinas nucleares no país. Como é reconhecido, a energia nuclear é amplamente rejeitada pela maioria da população brasileira, e a possibilidade de o país fabricar bombas atômicas só aumentaria a rejeição popular por esta fonte de energia elétrica, e de destruição da vida.

Várias associações científicas também vieram a público repudiar a “PEC da Bomba Atômica”, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira de Física e a Sociedade Brasileira de Química. Todavia nada falaram dos resíduos produzidos por usinas nucleares que podem ser usados para a fabricação de artefatos nucleares. Quem é contra fabricar bombas atômicas, por coerência, deveria também combater usinas nucleares.

Inacreditável foi a interpretação que o Estadão Verifica (em parceria com o Projeto Comprova) fez da fala do ministro Silveira. Bem conhecido por suas posições reacionárias, e um ativo defensor da nucleoeletricidade no país, este jornal chegou a publicar que o ministro não falou, o que ele disse.

A lição de ambos episódios é que o tempo do ministro das “boas ideias” esgotou. Deveria se preocupar mais com outros assuntos de sua pasta ligados às páginas policiais, pela venda de licenças ambientais em Minas Gerais; e explicar melhor como se deu o interesse de um grupo empresarial, sem nenhuma experiência na área, por usinas nucleares.

 

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