Governo Lula, mesmo com programa de redução, não interrompe o “libera geral” de químicos perigosos para uso do agronegócio. Causam grandes impactos na saúde no país – e vultosos lucros a indústrias estrangeiras. Como tem agido o Ministério da Agricultura?
Por Gabriela Leite, em Outra Saúde
O Brasil mantém o ciclo de acelerada aprovação de agrotóxicos, que bate recordes a cada ano. Em 2025, segundo dados apurados em primeira mão pelo Brasil de Fato, foram 725 novos produtos químicos liberados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) até dezembro – quase 10% a mais que em 2024, o último ano recorde. Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), com dados de 2021, considerou o Brasil o país que mais usa agrotóxicos no mundo – inclusive mais que China e Estados Unidos juntos.
“É impensável que estes agrotóxicos estejam sendo submetidos de fato aos estudos necessários para garantir a sua segurança. Se estivéssemos tratando de novas substâncias, menos tóxicas e mais eficientes, seria um esforço louvável; porém, o que vemos são novos registros de velhas moléculas”, criticou Jakeline Pivato, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em entrevista ao BdF.
Outra Saúde descreveu, em reportagem deste mês, a visão de alguns pesquisadores sobre esse fenômeno. É o que a geógrafa Larissa Bombardi chamou de colonialismo químico. Pode ser resumido da seguinte forma: multinacionais produzem no Brasil agrotóxicos proibidos no Norte Global, para serem utilizados em larga escala pelo agronegócio local; os lucros saem do país – por aqui restam os impactos devastadores, de adoecimentos e mortes a contaminação do ambiente e conflitos socioambientais.
O recorde de aprovações acontece, aliás, no ano em que o governo Lula lançou o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Por meio de decreto assinado em julho, ele busca reduzir o uso desses químicos no Brasil e promover práticas agropecuárias sustentáveis, que resultem em alimentação saudável e proteção do meio ambiente, com controle social. Integrantes de movimentos sociais exigem que ele comece a ser implementado com urgência.
E enquanto o Pronara não mostra resultados, o agronegócio avança sem limites, inclusive na Amazônia. O cultivo de soja e do milho no oeste do Pará, por exemplo, principalmente nos municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, tem causado uma grave crise de saúde pública, com um aumento de 545% nos casos de intoxicação por agrotóxicos nos últimos cinco anos. Comunidades indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais denunciam à InfoAmazônia a contaminação de rios, a pulverização próxima a moradias e escolas – que provoca sintomas como náuseas, dores e alergias – e o descumprimento das distâncias de segurança.
Pesquisas locais associam a exposição aos pesticidas, especialmente o glifosato, ao aumento de doenças neurológicas, problemas reprodutivos e outros danos à saúde. Diante da omissão fiscalizatória, o Ministério Público Federal acionou a Justiça para exigir medidas protetivas, enquanto as comunidades enfrentam ainda ameaças e a degradação de seu modo de vida tradicional. Nos últimos 10 anos, a área plantada de soja e milho mais que triplicou nos municípios citados, e em 2023 ocupava 217 mil hectares, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Ministério da Agricultura, enquanto aprova a níveis espantosos novos agrotóxicos, busca minar estratégias para combate à crise climática – em pleno ano de COP-30 no Brasil. Em alinhamento com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e o Instituto Pensar Agro (IPA), o Mapa pressiona pela retirada de referências a agrotóxicos, desmatamento e conflitos socioambientais do Plano Clima, documento estratégico do governo brasileiro para o enfrentamento da crise climática até 2035.
O ministério classificou as menções, que listam esses fatores como causadores de insegurança alimentar, como “ideológicas” e “nocivas à imagem do agro”, e pediu a reescrita ou supressão de ao menos oito trechos. Essa pressão, inclusive, contribuiu para o adiamento do anúncio do plano durante a COP-30. Especialistas e dados alertam que a agropecuária é responsável por 70% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil e que a omissão dessas questões compromete a efetividade do plano, cedendo aos interesses de um setor em detrimento de uma política climática robusta e urgente.
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Elaboração: Brasil de Fato
