Pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular para o Catraca Livre apontou que 61% dos homens abordados afirmaram que uma mulher solteira que vai pular carnaval não pode reclamar de ser cantada e, para 49% dos mancebos, bloco de carnaval não é lugar para mulher “direita”. Além disso, 70% acreditam que as mulheres se sentem felizes quando ouvem um assobio e 59% acham que elas ficam felizes quando ouvem uma cantada na rua.
Nessa hora, não tem como não sonhar com o meteoro vindo e dando reset nas coisas.
Destaco esses dados por conta de leitores que reclamaram do meu post de domingo (7), sobre as formas de assédio no Carnaval, revoltados por eu estar “criticando o jeito alegre do brasileiro” (sic). Para muita gente, provavelmente não se enquadram na categoria de “vagabundas” apenas suas mães e avós, que dormem o sono das santas católicas, enquanto quem é “da vida” povoa os blocos na rua. Por isso, achei que trazer essa discussão de volta ao blog era pertinente.
Porque “mulher de bem” está descansando em casa ou dormindo durante a madrugada, não aceitaria nunca colocar um vestido acima do joelho e deixar as costas de fora. Não bebe, fuma ou tem vícios detestáveis, não ama apenas por uma noite e não ri em público, escancarando os dentes a quem quer que seja.
“Mulher de bem” permanece em casa para servir o “homem de bem” e estar à sua disposição como empregada, psicóloga, enfermeira, cozinheira ou objeto sexual, a qualquer hora do dia e da noite.
Por quê? Porque, na sua cabeça, elas pertencem a eles. Porque assim sempre foi, é assim que se ensinou e foi aprendido. É a tradição, oras! E o discurso da tradição, muitas vezes construído de cima para baixo para manter alguém subjugado a outro não pode ser questionado.
Nesse sentido, quem ousa sair desse padrão, pode ser vítima de alguns “corretivos sociais”. Reclamamos de uma estúpida minoria muçulmana que, do alto de uma interpretação bisonha do Corão, atacam mulheres que resolveram ser independentes, mas acabamos por fazer o mesmo aqui. Não é um vidro de ácido lançado no rosto de quem deixou a burca ou o shador em casa. Mas os casos que estão circulando na internet de mulheres que apanharam por dizerem “não” neste Carnaval mostram que o fundamentalismo machista se traveste de várias formas dependendo da cultura.
Ataques verbais ou mesmo contatos físicos que não foram expressamente autorizados são formas de violência sexual. E das mais perversas porque, como tal, não são encaradas.
E não se engane. Não é só meia dúzia de celerados, a pesquisa do Data Popular mostra isso. Opiniões como essas traduzem o que parte da nossa sociedade machista pensa: Que uma mulher que conversa de forma simpática em uma festa está à disposição, que uma mulher que se veste da forma como queira está à disposição, que um grupo de mulheres sem “seus homens”, andando na noite, está à disposição. Depois perguntam o porquê de Marchas das Vadias acontecerem ao redor do mundo para protestar pelo direito de viver da forma que melhor convier.
Já disso tudo isso aqui uma série de vezes. E peço desculpas se este texto soa repetitivo – principalmente para as mulheres que vivem isso na pele no dia a dia. Mas o texto é voltado a você, amigo homem, que não descobriu que pode ir contra a sua programação, que o ensinou a ser agressivo e ver as mulheres como coisas e não sabe que não precisa da anuência de pai, chefe, colegas, amigos para viver, mas apenas da sua consciência. Vai, que ainda dá tempo de mudar.