Por Amanda Sampaio e Elka Macedo, na ASA
Na edição do Diário Oficial da União (DOU), do dia 13 de maio deste ano, foi publicada a medida do Governo interino de Michel Temer que elimina nove Ministérios, entre eles, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), trazendo muita indignação e resistência de milhões de brasileiros e brasileiras. São quatro milhões de famílias agricultoras, aproximadamente 16 milhões de pessoas, que perdem a mínima garantia da visibilidade das pautas camponesas.
Para a Coordenadora Executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado do Ceará, Cristina Nascimento, que está participando nessa semana da 2ª Conferência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (2ª CNATER), em Brasília, a extinção do MDA representa um profundo retrocesso de direitos. “É a prova real do descaso do Governo interino com o povo brasileiro. O mundo rural, da agricultura familiar, não faz parte da lógica do agronegócio e da burguesia. É retrocesso e também mostra a lógica excludente de um governo impopular. Somos contra a destruição dos direitos conquistados. Resistiremos na rua sempre. A Conferência de ATER já inicia dando o recado que não reconhecemos esse Governo e iremos às ruas nos manifestar pelo fim do Governo golpista e por nenhum direito a menos”, afirmou.
As ações do extinto MDA, e do também extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), foram transferidas e fundidas para o recém-criado Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário pelo governo interino de Michel Temer. E as decisões, que representam retrocessos dos direitos conquistados pelas famílias agricultoras do Brasil, não param por aí. No último dia 30 de maio, o Governo em exercício anunciou a transferência de cinco secretarias, ligadas anteriormente ao extinto MDA, para a Casa Civil. Atualmente sob administração de Eliseu Padilha (PMDB), a Casa Civil agrega as seguintes Secretarias: Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, Secretaria de Reordenamento Agrário, Secretaria da Agricultura Familiar, Secretaria de Desenvolvimento Territorial e Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária na Amazônia Legal. Além dessas pastas, a Casa Civil ainda passa a responder pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Com essas recentes decisões, temas como reforma agrária, agroecologia e convivência com o Semiárido passam a ser também minimizados no cenário nacional. Outra política que está gravemente comprometida é a de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) voltada especificamente para as famílias da agricultura familiar. Para o agricultor José de Oliveira Mesquita, do assentamento Lagoa do Norte, em Nova Russas (CE), as consequências reais da extinção do MDA para o povo camponês serão muito graves.
“A consequência pra agricultura familiar é a queda da produção nos quintais produtivos, que vinham produzindo numa escala boa para alimentação, e do avanço que vinha se tendo na agroecologia. Vai ter todo esse retrocesso porque muitos agricultores vinham entrando nesse ritmo, conhecendo mais o que é a agroecologia, entendendo a concepção e a necessidade que se tem de produzir sem agrotóxicos, sem queimar, sem degradação da terra. Tudo isso agora retroage. As pessoas entraram em um barco e quando elas começaram a aprender a manejar o barco, o orientador tá indo embora. A consequência que se pode trazer é um naufrágio total da agricultura familiar. Voltar aos atrasos”, afirma o agricultor.
As mulheres camponesas são ainda mais impactadas pela extinção do Ministério, como destaca a Secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Agricultores na Agricultura (Contag), Alessandra Lunas. “Para nós mulheres agricultoras, o fim do MDA significa um retrocesso imenso, pois este era um Ministério com o qual dialogávamos e que avançava. Eles ouviam o que as Margaridas [referindo-se às mulheres da Marcha das Margaridas] tinham a dizer e a gente tinha espaço para cobrar políticas públicas para mulheres, a exemplo da Ater voltada para as mulheres. Esta é uma perda inadmissível e revela a face do governo golpista que não defende os direitos da população. Portanto, nós continuaremos lutando pela volta da presidente Dilma para que continuemos a avançar e não haja mais retrocessos”, afirma.
Lunas falou ainda sobre como este assunto está sendo pautado na 2ª CNATER, que teve início nesta terça-feira, 31, e acontece sob a gestão da sociedade civil. “A Conferência é um marco de resistência. Sem o MDA, ela está sendo gerida pelo Condraf [Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável] para assegurar a sua realização. Esta e outras conferências são o retrato da democracia participativa do país e o resultado que esperamos deste momento é que os encaminhamentos sejam instrumento de luta para a gente seguir avançando”.
Cartas e manifestos – Após anunciado o fim do MDA, muitas organizações e pessoas se manifestaram com notas, artigos e cartas de repúdio à decisão. A mais recente deve ser publicada ainda hoje, 1º de junho, pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), durante a 2ª CNATER. O Manifesto da ANA salienta o quanto a extinção do MDA interfere nas conquistas das famílias agricultoras, como destacado no trecho abaixo.
“O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), criado ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso, exerce um papel fundamental na interlocução com a sociedade civil para aprimorar essas políticas, bem como para implementá-las a partir dos Planos Safra da Agricultura Familiar. A extinção do MDA, anunciada logo após o afastamento da Presidenta Dilma, mostra o desrespeito do Governo ilegítimo com este enorme contingente, e também um desconhecimento da importância da agricultura familiar para a segurança alimentar e nutricional do país. Lutaremos para a reversão dessa medida.”
Em carta enviada, em 23 de fevereiro deste ano, ao então Ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, a Articulação já se mostrava preocupada com os rumos da execução de políticas públicas voltadas à agricultura familiar. “Para a ANA, é motivo de enorme preocupação cortes de recursos em políticas públicas direcionadas à reforma agrária, à agricultura familiar, às mulheres e à juventude rural, aos povos indígenas e aos povos e comunidades tradicionais, como os que vimos em 2015. Políticas garantidoras de direitos precisam ser priorizadas e ampliadas e isso se expressa em primeiro lugar pela dotação orçamentária a elas alocada.”
A extinção do Ministério põe em xeque as possibilidades de ações que beneficiem a classe camponesa. O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário do governo Lula, Guilherme Cassel, traz essa preocupação em artigo intituladoExtinção Do MDA – Crueldade e Crime Premeditado publicado em seu perfil na rede social Facebook no último dia 16 de maio. Em um dos trechos do artigo ele explica porque esta atitude do Governo interino é considerada por ele um “crime premeditado”.
“Tanto o MDS como o MDA têm estruturas enxutas, aquém das suas necessidades reais e trabalham com um enorme universo de pessoas e demandas: o Bolsa Família atende 13,8 milhões de famílias e o MDA é responsável pela gestão do crédito, do seguro agrícola, da assistência técnica e da comercialização, de mais de quatro milhões de famílias de Agricultores Familiares e de Assentados da Reforma Agrária. Nos dois casos, o volume de trabalho e a especialização necessária para bem realizá-lo justificam a existência dos dois ministérios. Simples assim. Autoexplicativo. Reunir tudo isso em uma só pasta é apostar no fracasso e no desmantelamento das estruturas e programas no curto e no médio prazo”.
*Amanda Sampaio, Comunicadora do Cetra e Elka Macedo, da Asacom.
—
Foto: Ana Lira.