CDHM relata presença de policiais e fazendeiros em Tey’i Jusu um dia antes do Massacre de Caarapó

No Cimi

O relatório entregue nesta quinta-feira, 23, pelos parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal sobre diligência realizada no Mato Grosso do Sul, nos últimos dias 15 e 16, revela que policias do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) e as polícias Militar e Federal estiveram na retomada Yvu, tekoha – lugar onde se é – Tey’i Jusu, município de Caarapó, um dia antes do ataque aos Guarani e Kaiowá que culminou no assassinato do indígena e agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 23 anos (velório acima, na foto de Ana Mendes/Cimi). Os policiais estavam com os fazendeiros que no dia seguinte invadiram a retomada de forma violenta – o que deixa a entender que as autoridades policiais no estado sabiam do risco de um ataque contra a comunidade Guarani e Kaiowá.

A comitiva confirmou ainda que o indígena Valdir Gonçalvez, de 14 anos, segue desaparecido, sem nenhuma notícia de paradeiro por parte dos indígenas, e verificou um sem fim de cartuchos espalhados pela retomada Yvu. De acordo com o relatório apresentado pelos parlamentares, o fazendeiro conhecido como Virgílio Mata Fogo afirmou aos Guarani e Kaiowá, na presença dos policiais, que caso a comunidade não saísse da área retomada ele iria “resolver do meu jeito (SIC)”. No dia seguinte, conforme o documento da CDHM, Virgílio coordenou o ataque que terminou no Massacre de Caarapó junto com outros dois fazendeiros chamados de Camacho e Japonês.

“No dia seguinte (14/06) cerca de 200 caminhonetes retornaram, com “pistoleiros, fazendeiros e mais o sindicato rural Famasul”, e já chegaram atirando. Segundo os indígenas, os ataques foram “sem piedade”, “não para assustar, mas para matar”, desferidos principalmente pelo fazendeiro conhecido como Virgílio. O ataque durou entre nove e 13 noras, aproximadamente”, diz trecho do relatório. Clodiodi foi assassinado e outros seis indígenas foram hospitalizados com tiros na cabeça, tórax e abdômen, entre eles uma criança de 12 anos.

Os disparos que atingiram de forma fatal Clodiodi, de acordo com o relatório, foram efetuados por Virgílio Mata Fogo. “Tio do indígena assassinado, Zenildo Isnarde presenciou o momento dos tiros fatais e socorreu o sobrinho. Ele viu Virgílio atirando no rapaz, tiros que se seguiram mesmo depois de o tio já estar carregando o sobrinho no ombro. “Eles vieram atacando, empurrando. O menino já morreu dentro da aldeia”, conforme trecho do relatório.

De acordo com as vítimas adultas que falaram os parlamentares ainda internadas no Hospital da Vida, em Dourados, foi Virgílio também quem desferiu os tiros nelas. A imprensa sul-mato-grossense e os vídeos feitos pelos indígenas revelaram ainda a presença de indivíduos de uma empresa de segurança ainda não identificada. Os parlamentares da CDHM entraram com pedido junto à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, agora parte do Ministério da Justiça, para que as vítimas que sobreviveram ao Massacre de Caarapó sejam inseridas no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, pois “são testemunhas oculares” do ataque.

Os fazendeiros queimaram ainda uma maloca, motos, todos os poucos pertences dos indígenas e depois enterraram tudo numa vala aberta por um trator. Em um dos vídeos captados pelos celulares dos Guarani e Kaiowá, o mesmo trator tenta recolher um amontoado de pertences dos indígenas para enterrar. Os Guarani e Kaiowá não permitiram: ali estava o corpo de Clodiodi, que também seria atirado na vala. As últimas informações apuradas dão conta de que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) investigam os mandantes e presentes no ataque, além dos autores dos disparos que mataram Clodiodi e atingiram outros seis Guarani e Kaiowá.

Os parlamentares afirmam no relatório da CDHM que solicitaram audiências com o ministro da Justiça Alexandre Moraes, para quem pediram ainda a permanência da Força Nacional na região, com o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot e com o Diretor-Geral da Polícia Federal, mas em nenhum dos três casos datas para o encontro foram agendadas pelos órgãos. Na diligência, que percorreu outras terras indígenas fora a Dourados Amambai Peguá, estiveram presentes o presidente da CDHM, deputado Padre João (PT/MG) e o 1º Vice-presidente, deputado Paulo Pimenta (PT/RS). Além deles, os deputados federais sul-mato-grossenses Vander Loubet (PT/MS) e Zeca do PT (PT/MS).

Terra indígena declarada pelo Estado

A retomada Yvu, do tekoha Tey’i Jusu, faz parte da Terra Indígena Dourados Amambai Peguá e fica a 20 km de Caarapó. Em 12 de maio deste ano, a terra indígena foi declarada e delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça, no Diário Oficial da União. Outros tekoha fazem parte da terra, que ainda abrange a Reserva Indígena Tey’i Kue – criada na década de 1930 para confinar os Guarani e Kaiowá expulsos de seus territórios tradicionais contra a vontade. Essas terras passavam a ser consideradas devolutas e entregues às frentes de colonização sulistas.

Foto: Ana Mendes /Cimi

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