Estudantes de Arquitetura da PUC lançam site que documenta 7 anos de transformações urbanas no Rio

Por Stephanie Reist, no Rio On Watch

Uma grande faixa no Parque Olímpico na Barra da Tijuca diz: “A Olimpíada traz mais do que só Olimpíada”. Esse “mais” tem sido um ponto de disputa entre o Prefeito Eduardo Paes e os moradores da cidade. Paes aponta para a expansão do transporte—com as linhas de BRT, o VLT no Centro da cidade e uma nova linha de metrô conectando Ipanema, na Zona Sul, com a Barra da Tijuca, na Zona Oeste –como exemplos do legado dos Jogos. Ativistas argumentam que as Olimpíadas têm sido usadas pela prefeitura para trazer ainda mais exclusão e desigualdade, apontando que esses investimentos em transporte se voltaram para partes já afluentes da cidade. Grupos de direitos humanos locais e internacionais citam as milhares de remoções, como as que ocorreram bem ao lado do Parque Olímpico, na Vila Autódromo, e mais assassinatos pela polícia de jovens, a maior parte moradores negros da favela, como os tristes e reais legados dos Jogos.

Com os Jogos em curso, um grupo de estudantes de graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio lançou o website RioNow.org para mostrar a pesquisa que realizou sobre as mudanças que as Olimpíadas trouxeram para o Rio. Seu principal elemento é uma linha do tempo começando em outubro de 2009, quando o Rio foi selecionado na disputa pelas Olimpíadas. Contudo, mais que apenas documentar as construções e projetos de infraestrutura inauguradas pela Copa do Mundo de 2014 e pelos Jogos Olímpicos de 2016, a linha do tempo usa múltiplas fontes para exibir as complexas transformações ocorridas tanto no Rio quanto no Brasil. “A gente tentou construir um instrumento que permitisse uma leitura multifacetada de todo esse processo“, explica a professora de Arquitetura e História da Arte Ana Luiza Nobre, que conduziu o grupo de pesquisa.

Relevantes imagens de primeira página de cada mês, desde outubro de 2009, do O Globo, traçam a narrativa de elite sobre as mudanças sociais, políticas e econômicas na cidade. Uma manchete de novembro de 2010 refere-se a grandes operações policiais na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, na Zona Norte como “o Dia D da Guerra ao Tráfico”.

O Rio, como muitas outras cidades que se candidataram para as Olimpíadas, prometeu que os Jogos trariam investimento estrangeiro e aumentariam a prosperidade econômica. Para rastrear isso, a linha do tempo também mapeia indicadores econômicos, inclusive o desemprego nacional, PIB, o mercado de ações BOVESPA, preços de mercado, a taxa de câmbio do dólar e o preço de imóveis no Rio de Janeiro. Por exemplo, preços imobiliários dispararam entre 2009 e 2014 antes de se estabilizar.

A linha do tempo também apresenta imagens de inaugurações de grandes projetos arquitetônicos e construção como a abertura da passarela projetada por Niemeyer na Rocinha e o intervalo de tempo para as mudanças do Parque Olímpico na Barra da Tijuca e ademolição do elevado da Perimetral como parte da revitalização da Região Portuária. Declarações de autoridades do governo, da FIFA e das Olimpíadas estão destacadas em amarelo, dando ideia das mudanças no clima político. E os principais eventos no Rio e no Brasil, da ocupação militar da Maré ao processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, também servem como outro eixo para se entender as mudanças no cenário físico e social ao longo dos últimos sete anos.

Há duas séries de números traçando as remoções, a série do governo e a série das organizações de monitoramento como o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas. As duas séries de números representam uma grande descoberta da pesquisa: o quão difícil é descobrir informações. “Uma grande parte do trabalho da pesquisa foi levantar e encontrar as informações. Informações que deveriam ser públicas. Saber quantas pessoas foram removidas por exemplo, essa é uma informação que ninguém tem. A gente ficou correndo atrás da informação”, disse Ana Luiza Nobre.

A cidade alega publicamente que apenas 4.772 famílias foram removidas para as Olimpíadas, enquanto seus próprios dados mostram que 20.000 famílias ou 77.000 pessoas foram removidas no Rio pré-Olimpíadas. Por causa da falta de transparência, o grupo se baseou fortemente em outras pesquisas acadêmicas como a de Lucas Faulhaber, que usa o índice de 77.000 para mostrar não apenas o número de pessoas removidas mas para onde elas foram. Essas famílias foram frequentemente para a distante Zona Oeste do Rio, majoritariamente controlada pela milícia.

“A remoção já era um tema falado antes, mas tornou bem mais falado agora porque está muito presente. É um tema que a gente viu muito até pela nossa proximidade com a Vila Autódromo, onde acompanhamos todo o processo”, relatou Nathalia Perico, uma estudante de arquitetura da PUC.

Como estudantes de arquitetura, um campo que engloba o social e o estético, eles também incluíram as principais exibições de arte que aconteceram no Rio durante os últimos sete anos. “Nós queríamos evidenciar que o que estava acontecendo em termos culturais e eventos artísticos era totalmente descolado desse processo“, explica Zeca Osorio, um dos estudantes que trabalharam no site. “A gente não conseguiu encontrar muitos casos de exposições ou eventos que de alguma forma discutissem todo esse processo”. Um dos poucos artistas que se destacou para eles foi Igor Vidor, que levantou pesos no meio de casas demolidas da Vila Autódromo para representar o número de pessoas removidas por causa do Parque Olímpico.

Antes de disponibilizar a linha do tempo via RioNow.org, o grupo exibiu um banner de 10 metros na PUC e na Vila Autódromo. A escala permite ao observador perceber fisicamente a grande amplitude das mudanças que ocorreram desde outubro de 2009.

Os estudantes também produziram um jornal, disponível no site, que eles têm distribuido em momentos-chave durante os Jogos. O jornal, escrito em inglês e português, destaca muitas das descobertas do estudo e mostra uma versão condensada da linha do tempo entre 2015 e 2016. No dia 14 de agosto, eles distribuíram o jornal no Parque Olímpico na Barra da Tijuca e no dia 21 de agosto, distribuirão nas proximidades da maratona Olímpica.

RioNow.org também apresenta uma lista das 100 construções e projetos de revitalização urbana com o maior impacto público construídos durante a preparação dos Jogos. A lista mostra empresas de arquitetura à esquerda, os projetos ao centro e as firmas construtoras que executaram os projetos à direita. Apesar do layout simples, a lista mostra o quão complicadas essas relações realmente são e as dificuldades de se descobrir quem é responsável por muitos desses projetos de legado. Eles disseram que foram até os locais para procurar por placas detalhando as companhias envolvidas, o que apenas levou a interrogações sobre quais são às firmas responsáveis. O design emaranhado incita os observadores a se engajar nesse mesmo processo de descoberta de informações.

A complicação provém, em partes, da lei federal do Regime Diferenciado de Contratações. O propósito inicial da lei era o de acelerar as construções relacionas à Copa do Mundo 2014 e às Olimpíadas 2016, permitindo a autoridades públicas ignorarem regulamentações em projetos públicos e semi-públicos, embora ela tenha sido estendida para incluir projetos do PAC. Deste modo, firmas de arquitetura e empreiteiras–muitas das quais fazem doações a políticos e partidos–diversas vezes obtiveram contratos sem passar pelo processo normal de licitação. A lei tem sido criticada por contribuir com a Lava-Jato e outros escândalos de corrupção.

O site também inclui um mapa topográfico no qual os picos representam lugares com mais projetos de infraestrutura, arquitetura e renovação urbana, principalmente na Barra da Tijuca e na Zona Portuária. Muito pouco foi feito nas Zonas Norte e Oeste, onde a maior parte da população da cidade vive e onde muitos dos removidos foram morar.

Em seu conjunto, o site é um kit de ferramentas não apenas para pesquisadores, mas para cidadãos a fim de entender as mudanças que aconteceram em sua cidade. “Ele evidencia por um lado a celeridade desse projeto. A urgência que dominou esse processo todo. Foi tudo muito rápido. Quando nós estamos vivendo a coisa, não temos essa noção, mas quando olhamos no conjunto, nós vemos que muito rapidamente passou de um boom, de uma euforia muito grande em 2010, 2011, 2012, para um processo de queda, de desaceleração. Isso tudo mostra a pressão que envolveu esse processo como um todo”, reflete Ana Luiza Nobre. “Tendo um prazo de 6 ou 7 anos para transformar a sociedade, torná-la um cartão postal e um lugar que atraia turistas do mundo inteiro, então, qual é o planejamento que tem atrás de tudo isso? Nós conhecemos bem a nossa sociedade para poder realizar essas coisas? Então, esses instrumentos também foram ajudando a gente a perceber como a nossa ação como arquitetos, como urbanistas, como escola é limitada, e nós somos impotentes diante de um processo ‘salvador’. Então a gente se pergunta, que cidade está resultando disso? Qual é o futuro dessa cidade? Qual é o legado? Que tipo de legado é esse do ponto de vista social?”.

 

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