Onda de assassinatos vitima seis Guajajara de três terras indígenas no Maranhão

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

A violência crescente contra os povos indígenas no Maranhão fez mais vítimas fatais neste ano entre os Tenetehar/Guajajara. Em pouco menos de 90 dias, seis indígenas foram assassinados. Na maior parte dos casos, é possível verificar relação com a luta dos indígenas em defesa das terras tradicionais. Os requintes de crueldade empreendidos denotam ainda um ódio peculiar dos assassinos. Em 2016, chega ao menos a 12 o número de homicídios contra indígenas no estado – já superando anos anteriores.

Os seis mortos são moradores de aldeias das terras indígenas Bacurizinho, Cana Brava e Morro Branco, localizadas nos municípios de Grajaú e Barra do Corda. Os Guajajara encontram-se assustados. Falam de ameaças permanentes de não-índios, incluindo os que ainda se encontram no interior das terras indígenas. Por isso temem em conceder declarações públicas, pedindo apenas providências às autoridades.  

Conforme apuração do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, o primeiro assassinato desta série ocorreu no dia 23 de setembro; o último em 26 de novembro, mas ambos na aldeia Travessia, TI Cana Brava, envolvendo lideranças destacadas dos Guajajara na luta em defesa da demarcação da terra tradicional e a retirada de invasores de dentro de seus limites.

José Queirós Guajajara, 45 anos, foi encontrado morto às 5 horas do dia 23 num açude próximo à aldeia Nova. A família suspeita que ele foi morto eletrocutado nas redes elétricas do açude, dada as marcas de queimadura no corpo. Informações dão conta de que um fazendeiro tramou a morte, posto que o açude se encontra dentro da terra indígena, não deveria ter redes elétricas e está em área de disputa com o latifundiário.

“O indígena era um lutador em defesa da terra indígena, contra a retirada ilegal de madeira e despertava muita raiva em quem vivia dessa atividade ilegal”, explica a direção regional do Cimi. Já no última sábado, 26, o cacique José Colírio Oliveira Guajajara, da aldeia Travessia, foi morto com um tiro à queima roupa na frente da família em um crime de emboscada – modus operandi de assassinatos sob encomenda. O cacique era a principal liderança da aldeia contra invasores.  

Um dia antes da morte do cacique, na sexta-feira, 25, o corpo do técnico de enfermagem Hugo Pompeu Guajajara foi encontrado em Barra do Corda com a língua decepada e a pele do rosto arrancada. O indígena morava em uma das aldeias da TI Cana Brava, às margens da BR-226. Decepar membros dos corpos é uma característica comum a outros assassinatos da série.  

“A notícia nos abateu profundamente. Estávamos cuidando de obter informações de dois outros assassinatos de Guajajara, ocorrido desde o início da semana, quando ficamos sabendo. Foi aberto inquérito”, explica o regional do Cimi. No dia 5 de novembro, Lopes de Sousa Guajajara, 16 anos, da TI Morro Branco, foi encontrado morto no rio Grajaú. O corpo estava com ponta do pênis e as orelhas decepados.

No dia 21 de novembro, José Dias de Oliveira Lopes Guajajara foi encontrado morto no Rio Mearim. O corpo apresentava sinais de estrangulamento, sangramento na nuca e parte da pele do rosto arrancada. A filha informou ao Ministério Público Federal (MPF) de Imperatriz que o indígena vinha recebendo ameaças indiretas de Ednewton Fontenele Viana, entregues sempre por Francisco Pereira dos Santos.

Divino Carvalho Guajajara, 18 anos, morador da aldeia Taboca, TI Bacurizinho, terminou assassinado no dia 29 de outubro. O jovem foi morto a facadas por um não-indígena que morava na aldeia por ser casado com uma indígena. Os Guajajara pedem a investigação das mortes e medidas protetivas por parte do Estado brasileiro, além da demarcação definitiva dos territórios.  

Situação das terras indígenas

A Terra Indígena Morro Branco tem a situação de demarcação concluída, com registro no Departamento de Patrimônio da União (DPU). Com apenas 49 hectares, localizados no município de Grajaú, a terra indígena abriga 260 Guajajara em situação de confinamento. A comunidade sofre ainda com o trânsito de traficantes não-índios de entorpecentes e o assédio da sociedade envolvente – casos de alcoolismo são comuns.

Com 137.29 hectares, entre Barra do Corda e Grajaú, a Terra Indígena Cana Brava também está com o procedimento demarcatório já concluído e homologado. Cerca de 7 mil Guajajara vivem na terra acossados por caçadores, madeireiros, traficantes e grileiros. Desse modo, os Guajajara enfrentam verdadeiras quadrilhas criminosas que invadem a terra sem nenhum impedimento do Ibama, Funai e Polícia Federal.   

O caso mais instável está na Terra Indígena Bacurizinho. Com Portaria Declaratória publicada pelo Ministério da Justiça em 30 de junho de 2008, desde 2011, a Funai não consegue realizar a colocação dos marcos físicos da terra: fazendeiros e demais não-indígenas que ocupam porções da terra não permitem. A Polícia Federal, todavia, nunca acompanhou as equipes de campo para a execução do trabalho.

Entre as atividades dos ocupantes não-indígenas, estão carvoarias móveis, ou seja, com informações privilegiadas os proprietários podem retirá-las de um lugar a outro no interior da terra tradicional. Há fazendas de gado e áreas devastadas para a venda de madeira nobre. Os Guajajara da TI Bacurizinho, porém, travam uma batalha que perdura há mais de 30 anos pela totalidade do território tradicional.

A primeira definição dos limites da Terra Indígena Bacurizinho ocorreu em 1957, pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e confirmados em 1979 pela Funai com 82.432 hectares. A Ordem de Serviço/Funai nº 10 expedida em 31 de janeiro de 1979 determina a demarcação de parte da Terra Indígena Bacurizinho, a ser executada pela empresa SETAG, sediada em Goiânia (GO), cujo contrato foi assinado no dia 29 de janeiro de 1979. Os indígenas não aceitaram alguns limites e em março interromperam os trabalhos (Processo Funai Brasília nº 1135-79, fl. 144)”.

Mesmo sem considerar a posição dos indígenas, a Funai concluiu a demarcação. A homologação foi assinada e publicada no Diário Oficial pelo Decreto de Homologação (DH) de nº 88600, de 10/08/1983. Com a Constituição de 1988, e o direito dos povos indígenas de terem desmandos como este reparados, em 1990 os Guajajara solicitaram a revisão dos limites com demanda de 52 mil hectares a serem demarcados pelo novo procedimento.

Finalmente, em 2008, a Portaria Declaratória foi publicada. Antes, em 2005, ocorreu o assassinato do cacique da aldeia Kamihaw, João Araújo Guajajara. Uma casa também foi incendiada e outros três índios foram gravemente feridos. A violência, portanto, voltou a com força. De acordo com indígenas Guajajara, apenas a homologação definitiva da terra revisada, além da desintrusão, podem evitar mais mortes.

Assis Guajajara, de 43 anos, em primeiro plano na foto de Luis Carlos Guajajara
Assis Guajajara, de 43 anos, em primeiro plano na foto de Luis Carlos Guajajara

2016: Violência no Maranhão

Conforme dados parciais do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas, do Cimi, este ano já são ao menos 12 indígenas assassinados no Maranhão. Além dos seis Guajajara mortos nos últimos 60 dias, outros cinco Tenetehar/Guajajara da Terra Indígena Arariboia, e Fernando Gamela, foram assassinados entre março e agosto. Genésio, Aponuyre, Isaias e Assis (na foto acima), todos Guajajara, estão entre os indígenas mortos.

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos listou 25 defensores assassinados no estado, entre quilombolas, camponeses e indígenas, mortos entre 2015 e outubro deste ano. “Vivemos em constante ameaça. Quase não é mais possível para os Ka’apor, por exemplo, andar em cidades limítrofes às terras indígenas. Se tornou perigoso ficar muito tempo num mesmo lugar”, afirma um apoiador da causa indígenas no Maranhão que pede para não ser identificado por motivos de segurança.

Já são também quase uma dezena de denúncias de ameaças de morte, sobretudo entre os Ka’apor, que já possuem oito postos de fiscalização pela Guarda Florestal Indígena, na TI Alto Turiaçu, contra a ação de madeireiros, e o povo Gamela, em franco processo de retomadas de áreas do território tradicional. “Convivemos com a possibilidade de sermos mortos a qualquer momento”, diz Kum’Tum Gamela.  

Violências contra o patrimônio – invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e demais atentados – já somam 14 denúncias vindas de terras indígenas de todo o estado. “A quantidade de incêndios nas terras indígenas em que se combate invasores precisa de uma investigação. Na TI Arariboia, cerca de 70% do território queimou nos incêndios de 2015 e 2016”, afirma um brigadista Guajajara ouvido.    

ONU e Parlamento Europeu

As Nações Unidas e o Parlamento Europeu se manifestaram em apelo ao governo brasileiro pedindo a realização de inquéritos imparciais apurando os casos de violência contra os povos indígenas. No caso da morte de José Dias de Oliveira Lopes Guajajara, por exemplo, a Polícia Civil encerrou um inquérito de poucos dias concluindo afogamento – mesmo com sinais de estrangulamento e demais violências.

A relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), Victoria Tauli-Corpuz, apresentou aos membros da Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU) suas recomendações para a garantir os direitos humanos das populações originárias no Brasil, além de Honduras e de países nórdicos. Ainda, somente este ano, a especialista enviou mais de 50 comunicados para mais de trinta países, cobrando governos sobre violações de direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos de indígenas por todo o mundo.

No caso do Parlamento Europeu, uma Resolução Urgente pede às autoridades brasileiras para “garantir a realização de inquéritos independentes sobre os assassinatos e os ataques de que os povos indígenas têm sido vítimas por tentarem defender os seus direitos humanos e territoriais, de modo a que os responsáveis sejam levados a tribunal”.

Na foto, sem camisa, José Dias Guajajara, um dos assassinados. Crédito: Cimi Regional Maranhão

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