No blog do Sakamoto
Toda a discussão sobre o projeto de lei que aumenta a punição por abuso de autoridade, que irritou magistrados, promotores e procuradores, me fez lembrar dos seres humanos que sentem-se mais especiais que os demais no nossos dia a dia.
Seja porque herdaram algo, seja porque a vida lhes sorriu mais, não importa. Esse tipo, quando colocado contra a parede, gosta de relinchar um bom: ”Você sabe com quem está falando?”
A frase é arrogante e prepotente, mas também carrega séculos de nossa formação, lembrando que uns falam, outros obedecem.
E que, na visão de parte de nossa elite política e econômica, a igualdade de direitos é um discurso fofo que se dobra às necessidades individuais.
Não somos uma sociedade de castas. Porque cada um sabe qual o seu quadrado.
“Quem você pensa que é?”, frase menos agressiva e útil frente a algum desmando de um representante do Estado, por exemplo, não faz tanto sucesso por aqui como a outra.
Pois não é o questionamento do uso exagerado do poder por um policial ou um fiscal que está em jogo nesse momento de discussão, mas sim a afronta de tentar tratar um ”dotô” como se fosse um operário qualquer.
A ideia vai se adaptando conforme o ambiente e pode, agregando valores, assumir outras formas:
– Teu salário paga a comida do meu cachorro.
– Eu conheço gente importante, sabia?
– Você vai perder seu emprego, meu irmão.
– Isso que dá vir a um lugar que tem essa gentinha.
No Brasil, de uma maneira geral, se você quiser viver em uma bolha a vida inteira, praticamente consegue. Tenho amigos que conhecem a Europa e os Estados Unidos, mas só foram à Itaquera, pela primeira vez, na Copa.
Ou que nunca estudaram com um homem negro ou uma mulher negra. Daí, achar que racismo não existe porque não existe contato com a diferença é um pulo.
Essa ausência da cultura da alteridade leva ao medo e colabora com comportamentos e frases bizarras, revelando o lado mais sombrio da alma de cada um. O que é extremamente complicado porque o Brasil é composto majoritariamente por essa “gentinha pobre que nunca sabe com quem está falando”.
Não se espera que os mais ricos passem a defender que os mais pobres tenham os mesmos direitos que eles (é o sistema, estúpido!), mas, pelo menos, que concordem com um mínimo para viabilizar a convivência pacífica.
Com o crescimento econômico, aumentou o número de pessoas com acesso a bens e serviços. Isso gerou aquela “infestação de gente parda e feia” nos aeroportos, que estão tomando o “nosso” lugar.
O ruim de tudo isso é que mesmo com muito trabalho de educação para a cidadania, concomitante a mudanças estruturais para garantir que a República realmente sirva ao interesse comum, ainda assim levará um rosário de gerações até que frases forjadas pelo preconceito e a soberba tornem-se peça de museu.