Patricia Fachin – IHU On-Line
O aumento do número de jovens que não trabalha, não estuda e não procura emprego no país, reflete “questões estruturais”, diz Luanda Botelho, analista socioeconômica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ao comentar os dados na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo a pesquisadora, de 2014 para 2015, o número de jovens com idade entre 15 e 29 anos, que não trabalham e não estudam subiu de 20 para 22,5%, e desses, explica, 14,4% além de não estudarem e não trabalharem, não procuram emprego.
De acordo com Luanda, esse fenômeno pode ser explicado por uma série de razões, como o “desalento com o mercado de trabalho” e “evasão escolar precoce”. Ela informa ainda que o número de mulheres que compõem o grupo dos “nem-nem” é superior a dos homens. Entre os jovens que não trabalham, não estudam e não procuram trabalho, “os homens são 34,5% e as mulheres 65,5%”.
Para reverter esse quadro, Luanda Botelho frisa a necessidade de serem construídas “políticas públicas que busquem ampliar o acesso à educação, estimular a continuidade nos estudos e transformar o mercado de trabalho no sentido da inclusão dos jovens”.
Luanda Botelho é mestre em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente, é analista socioeconômica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, onde integra a Coordenação de População e Indicadores Sociais da Diretoria de Pesquisas do Instituto, e também leciona na UFRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por quais razões o percentual de jovens que nem trabalham nem estudam aumentou de 20 para 22% de 2014 para 2015? Qual é o significado desse dado e a que atribui esse fenômeno? O que os jovens relatam quando perguntados sobre as razões de por que estão inativos?
Luanda Botelho – Esse aumento do percentual de jovens – pessoas de 15 a 29 anos – que não trabalham nem estudam de 20% para 22,5% entre 2014 e 2015, reflete a queda no nível de ocupação desse grupo etário no mesmo período, de 57,5% para 52,5%, que, por sua vez, insere-se no contexto da queda no nível de ocupação da população em geral. No entanto, é importante notar que, enquanto o nível de ocupação de jovens caiu 5,0%, o percentual dos que não trabalham nem estudam não aumentou na mesma proporção (2,5%), em virtude do crescimento do nível da frequência escolar dos jovens em 2015.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, nossa principal fonte de dados sobre este tema, não pergunta aos jovens os motivos que os levaram a não trabalhar nem estudar. É relevante frisar que nem todo jovem não-estudante que não trabalha é “inativo”. Inativos são apenas aqueles que também não procuraram trabalho na semana de referência da Pesquisa. Os que procuraram trabalho podemos chamar de “desocupados”.
IHU On-Line – Desde que momento vem aumentando o número de jovens que nem trabalham nem estudam no país?
Luanda Botelho – Para a Síntese de Indicadores Sociais 2016 (SIS 2016), nós produzimos uma série histórica a partir dos dados da PNAD, iniciada em 2004. Essa série nos mostra que, na realidade, o percentual de jovens que não trabalham nem estudam no Brasil não veio aumentando ano a ano entre 2004 e 2015. A variação mais significativa foi observada entre 2014 e 2015. Os dados para cada ano são os seguintes: 2004 – 19,7%; 2005 – 19,7%; 2006 – 19,7%; 2007 – 19,8%; 2008 – 18,8%, 2009 – 19,4%, 2011 – 19,8%, 2012 – 19,7%; 2013 – 20,3%, 2014 – 20,0%; 2015 – 22,5%.
IHU On-Line – Você mencionou recentemente que algumas características são marcantes nesses jovens, porque além de eles não trabalharem nem estudarem, eles também não procuraram emprego. Pode nos falar um pouco sobre qual é o perfil desses jovens que compõem o que chamamos de “nem-nem”?
Luanda Botelho – De fato, entre os jovens que não trabalham nem estudam, que chamamos de “nem-nem”, predominam os inativos, isto é, os que não procuram trabalho e estão, portanto, fora da população economicamente ativa. Em 2015, eles representavam 64,0% do grupo dos “nem-nem” e 14,4 % de todos os jovens brasileiros.
A Organização Internacional do Trabalho – OIT aponta para o fenômeno do desalento com o mercado de trabalho, explicando que os jovens se sentem desencorajados a procurar trabalho por fatores como desconhecimento sobre como ou onde procurar trabalho; incapacidade de encontrar trabalho compatível com suas competências; experiências anteriores de procura por emprego sem resultados; sentimento de que se é jovem demais para encontrar trabalho; sensação de que não há empregos disponíveis na região. Questões como envolvimento com a criminalidade e problemas de saúde também já foram indicadas em relatórios internacionais como fatores que levam os jovens à inatividade, mas não temos esse tipo de informação no âmbito das estatísticas oficiais do Brasil.
Análise de gênero
No caso brasileiro, outra característica significativa na composição dos “nem-nem” diz respeito à diferença na proporção de homens e mulheres que não estudam nem trabalham. O maior crescimento no percentual de jovens homens que não estudavam nem trabalhavam entre 2004 e 2015, de 10,9% para 15,4%, não foi capaz de aproximá-los do patamar de jovens mulheres na mesma situação, de 29,8%. Assim, no grupo dos “nem-nem”, os homens são 34,5% e as mulheres 65,5%.
A OIT atribui essa diferença – também verificada em outros países – a questões culturais e/ou práticas discriminatórias de gênero que excluiriam as mulheres do mercado de trabalho e as levariam na direção de se ocuparem com afazeres domésticos. A explicação é plausível para o Brasil, eis que o percentual de mulheres jovens não-estudantes inativas é de 21,1% – enquanto o de não-estudantes desocupadas é de 8,7%. Além disso, 91,6% de todas as mulheres que não estudavam nem trabalhavam na semana de referência responderam cuidar de afazeres domésticos, dedicando-lhes em média 26,3 horas semanais. A título de comparação, o percentual de homens jovens não-estudantes inativos é quase o mesmo que o de não-estudantes desocupados (7,6% e 7,8%, respectivamente) e 47,4% de todos os homens que não estudavam nem trabalhavam cuidavam de afazeres domésticos por em média 10,9 horas semanais.
Evasão escolar
A influência da evasão escolar precoce também não pode ser esquecida. Afinal, no grupo dos jovens de 18 a 24 anos – idade formalmente adequada para cursar o ensino superior –, há uma forte queda na frequência escolar com relação à faixa etária precedente, de 15 a 17 anos. Essa queda pode ser atribuída especialmente às dificuldades de conclusão dos ensinos fundamental e médio e de ingresso no ensino superior. O grupo etário de 18 a 24 anos tem a maior incidência de jovens que não estudam nem trabalham, com 27,4%, seguido pelo grupo de 25 a 29 anos, com 24,1%, de modo que é possível afirmar que não estudar nem trabalhar é uma característica mais marcante entre os jovens que já deveriam ter concluído o ensino médio. Cabe enfatizar, ainda, que a média de anos de estudo dos jovens que não estudavam nem trabalhavam (8,9) é menor do que a dos jovens que responderam só estudar (9), estudar e trabalhar (10,6) ou só trabalhar (10) na semana de referência. Frise-se que são necessários 11 anos de estudo para a conclusão do ensino médio regularmente.
IHU On-Line – Diante da atual crise econômica e do desemprego, há uma estimativa de se esse quadro poderá se agravar?
Luanda Botelho – Existe uma tendência de momentos de maior fragilidade da economia atingirem o mercado de trabalho para os jovens com mais intensidade, o que já foi constatado em relatórios da OIT e pesquisas do IBGE. Nesse passo, havendo maior redução do nível de ocupação dos jovens, sem a contrapartida do aumento de sua frequência escolar, cresce o percentual dos nem-nem.
IHU On-Line – Que tipo de política seria necessária para reverter essa situação?
Luanda Botelho – Embora a conjuntura econômica possa influenciar o percentual de jovens que não trabalham nem estudam, vimos que os “nem-nem” no Brasil refletem também questões estruturais. É possível afirmar que se faz necessária a construção de políticas públicas que busquem ampliar o acesso à educação, estimular a continuidade nos estudos e transformar o mercado de trabalho no sentido da inclusão dos jovens, principalmente das mulheres, ainda em desvantagem pelas desigualdades de gênero identificadas. Com relação às mulheres, a OIT recomenda, dentre outras medidas, a adoção de legislação que promova a igualdade de oportunidades, campanhas de conscientização, a concessão de subsídios ao empreendedorismo entre as mulheres e a ampliação da rede de cuidados infantis.
IHU On-Line – Há comparativos desse dado com a situação de jovens em outros países?
Luanda Botelho – O relatório Society at a Glance, com os indicadores sociais para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico – OCDE em 2015, revelou que Turquia, Itália, Grécia, Espanha e México têm as maiores taxas de jovens que não trabalham nem estudam, entre 20% e 30%, sendo que na Turquia, na Itália e no México predominam os que não procuram trabalho. Contudo, para efeito de comparação, é preciso esclarecer que no Brasil não são levantados dados sobre treinamento e outros cursos regulares oficiais.