ONG pressiona Malawi pela libertação de delegação da sociedade civil tanzaniana detida durante missão de investigação sobre mineração de urânio

Diretor executivo da ONG Bench Marks diz que a missão estava preocupada com os impactos sociais e ambientais da mineração de urânio

Da TMG Digital. Tradução e edição de Diogo Rocha para Combate Racismo Ambiental

A Fundação Bench Marks instou delegados presentes em conferências sobre mineração na África do Sul a unirem suas vozes ao seu apelo para a libertação dos membros de uma missão de investigação da Tanzânia, presos no norte do Malawi em dezembro de 2016 e ainda mantidos sob detenção.

A convocação foi feita na véspera de um importante evento realizado durante a Conferência de Mineração Africana (African Mining Indaba1) e a Conferência Alternativa de Mineração (Alternative Mining Indaba), que começa nesta segunda-feira na Cidade do Cabo, África do Sul.

O diretor executivo da Bench Marks, John Capel, disse que ambas as conferências tinham a responsabilidade de exigir publicamente pela  liberação da delegação da Tanzânia e pediu que os participantes enviassem uma carta de protesto ao Alto Comissariado do Malawi em Pretória. Segundo ele, a missão de investigação estava preocupada com os impactos sociais e ambientais da mineração de urânio.

A delegação da sociedade civil da Tanzânia visitou o complexo de mineração de Kayelekera no norte do Malawi em dezembro, mas seus membros foram presos em 22 de dezembro como espiões e estão presos desde então. As acusações vão de invasão de propriedade a serem membros de uma organização estrangeira.

A mina, explorada pela multinacional australiana Paladin, já não opera devido à queda no preço do urânio e aos custos de minerá-lo. Esta é a única mina do Malawi e foi o maior investimento estrangeiro da história do país, de acordo com Capel.

“Nós estamos muito preocupados com as condições sob as quais a delegação está sendo mantida, como foi noticiado pela Aliança Africana do Urânio (African Uranium Alliance), a maneira como eles estão sendo representados no processo, e as várias violações dos seus direitos legais e humanos”.

“Na África do Sul, nós estamos acostumados, após um século e meio de mineração e do processo de fortalecimento e defesa dos direitos das comunidades afetadas, a ter informações completas sobre os impactos da mineração sobre nossos direitos socioeconômicos e ambientais”.

“Como concidadãos da SADC2 sentimos que os mesmos direitos devem ser aplicados a tanzanianos, que procuraram conhecer como a mineração operava no Malawi para terem uma visão sobre o que esperar em seu próprio país. Em vez de agir no espírito de cooperação e liberdade de informação, as autoridades do Malawi têm agido defensivamente e de maneira desnecessariamente arbitraria”.

“Por isso, pedimos ao governo da República do Malawi que liberte os detidos da Tanzânia imediatamente. Apelamos para que coopere com o governo da Tanzânia e devolvam os prisioneiros ao seu país”.

“Apelamos ainda ao governo para fornecer relatórios completos sobre os impactos da mineração de urânio em Kayelekera para quaisquer cidadãos da região da SADC, que têm um interesse legítimo nas informações. Exigimos medidas urgentes sobre estas questões”, disse Capel.

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Esclarecimentos deste Blog:

Recebemos do Professor Marcelo Firpo Porto, da ENSP-Fiocruz, e-mail no qual Gunter Wippel, membro da Uranium Network, faz uma série de esclarecimentos a respeito dos acontecimentos citados por Capel, os quais, por considerarmos importantes para contextualizar a denúncia da Fundação Bench Marks, reproduzimos aqui:

  1. Os oito tanzanianos presos no Malawi são um grupo da área de Songea3, incluindo membros da Tanzania Mineral Miners Trust Fund (TMMTF)4, agentes do escritório local da Cáritas, membros da Mtandao wa Vikundi vya Wakulima Tanzania (MVIWATA)5 e outras organizações camponesas. Estes grupos atuam em parceria com a Uranium Network há muitos anos.
  1. Eles foram ao Malawi para aprender sobre o funcionamento da mineração de urânio e seus impactos, a partir de uma visita à mina de Kayalekera, que está relativamente perto de Songea, próxima da fronteira entre a Tanzania e o Malawi.
  1. O grupo portava documentos válidos. Rumores/alegações de que o grupo viajava de forma ilegal não foram confirmados.
  1. Desde 28/29 de dezembro, o grupo está sendo acusado de invasão, solicitar informação considerada confidencial e realizar filmagens supostamente ilegais.
  1. Entretanto, segundo a Uranium Network, o grupo sequer entrou na área da mina. Foram presos após moradores locais denunciarem à polícia que havia pessoas estranhas perambulando na área da mina. Eles foram abordados e os policiais os prenderam após considerarem que não haviam dado “respostas convincentes” para justificar sua presença ali. A acusação de invasão surgiu depois.
  1. Até onde se sabe, não há evidências que justifiquem a acusação de que estavam coletando informações confidenciais. Não havia nada a coletar na área da mina e muitas informações sobre o empreendimento estão disponíveis na página da empresa que a gerenciava, a Paladin, na internet ou em outros sites, como o EJOLT. Apesar disso, não há certeza se tais acusações serão mantidas ou retiradas. Um jornal local já sugeriu que elas podem ser alteradas para “espionagem”.
  1. As pessoas presas estão sendo assistidas por um advogado tanzaniano e outro do Malawi. Eles também estão recebendo apoio da igreja católica local, que fornece comida, já que as condições da prisão onde são mantidos não são boas.
  1. A situação é agravada devido a um conflito de fronteira entre os dois países, principalmente pelo interesse na exploração de petróleo e gás na região do Lago Malawi. Por esse motivo, muitos jornais locais têm explorado o caso e aumentado a pressão ao rotular o grupo como espiões.

No início de janeiro a orientação da Uranium Network era que se deveria esperar pela decisão do judiciário que deveria se pronunciar ainda no início daquele mês. Contudo, conforme podemos verificar pela convocação da Fundação Bench Mark, a situação ainda não mudou e os militantes tanzanianos permanecem presos.

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Notas:

1 – Uma indaba (IPA: [i.nda.ɓa]) é uma importante conferência realizada pelos izinDuna (“homens mais importantes”) dos povos Zulu e Xhosa na África do Sul e Suazilândia.

2 – A Southern Africa Development Community (SADC) ou Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral é uma organização intergovernamental criada em 1992 e dedicada à cooperação e integração socioeconômica, bem como à cooperação em matérias de política e segurança, dos países-membros. Atualmente inclui África do Sul, Angola, Botswana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Ilhas Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe e Seicheles.

3 – Capital da região de Ruvuma, sudoeste do país.

4 – Fundo dos Trabalhadores da Mineração da Tanzânia.

5 – Em português, seria algo como Rede Nacional de Organizações Camponesas da Tanzânia, e é uma organização nacional camponesa que agrega pequenos produtores de todo o país em defesa de seus interesses econômicos, sociais, políticos e culturais. Ver AQUI.

Imagem de Siphiwe Sibeko / Reuters.

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