5 fatos que você precisa conhecer antes de falar sobre a desmilitarização da polícia

Luan Toja – Voyager

Nos últimos anos o debate sobre a desmilitarização da PM vem crescendo cada vez mais em todo o país. E não é pra menos. Segundo levantamento revelado pela edição 2014 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil tem a polícia que mais mata e mais morre no mundo. Só a polícia do Rio de Janeiro mata quase o dobro que a polícia de todos os EUA, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).

Hoje, temos três Propostas de Emenda Constitucional (PEC 430, de 2009; PEC 102, de 2011; e a PEC 51, de 2013) que tratam da desmilitarização da polícia e que visam alterar o artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, à medida em que a repercussão a respeito do tema se intensifica, as dúvidas em relação a ele também acentuam-se na mesma proporção. Por essa razão, elencamos 5 questões essenciais para o melhor entendimento dessa reivindicação, visando contribuir para um melhor debate público sobre esse assunto que interessa a todos nós e que pode ser um caminho para vivermos numa sociedade mais justa e segura.

1 – Desmilitarizar não é extinguir nem desarmar a polícia

A principal delas é sobre o que seria de fato a “desmilitarização”. Muitos a confundem com desarmamento ou extinção da polícia, na maioria das ocasiões, induzidos ao erro por setores conservadores da sociedade. Desmilitarizar a PM não é nada mais do que transformá-la numa instituição civil (atualmente ela é vinculada ao Exército), como são todos as outras que cuidam da segurança pública, para assim permitir que seus membros detenham os mesmos direitos e deveres básicos do restante da população.

E embora países como a Grã-Bretanha, Irlanda, Islândia, Noruega, Nova Zelândia e uma série de nações insulares no Pacífico contem com muitos policiais que patrulham desarmados, não é esse o objetivo da medida. Ela visa apenas abolir da polícia o seu modo de operação bélico que vem do sistema militar das Forças Armadas e de sua ação hierarquizada. Ambos foram intensificados na reformulação da segurança pública promovida pelo golpe ditatorial de 1964. No Brasil, infelizmente, a formação dos(as) agentes de segurança ainda é feita, via de regra, mantendo esse modelo, ou seja, baseada na ideia da guerra contra um “inimigo”. E quem é esse inimigo? Dependendo da sua condição social e econômica, pode ser você.

2 – Sete em cada dez PMs são favoráveis à desmilitarização

Segundo a pesquisa “Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pela Fundação Getúlio Vargas e Secretaria Nacional de Segurança Pública, 77,2% dos policiais defendem o fim do modelo militarista. Em pontos percentuais, a aceitação é ainda maior no Rio de Janeiro: 79,1% disseram “sim” à desmilitarização. O levantamento ouviu 21.101 pessoas em 2014.

3 – A desmilitarização ampliará os direitos dos PMs

Com a desmilitarização os recrutas não serão submetidos a treinamentos violentos e a maus tratos, eles terão seus direitos respeitados e serão preparados para respeitar os direitos dos cidadãos; os policiais terão liberdade para se expressar e exigir condições dignas de trabalho; os profissionais não serão mais submetidos à Justiça Militar e a punições descabidas, como prisão por atraso (aliás, abusos de autoridade, tão comuns à hierarquia militar, não serão permitidos).

Pegando como base a PEC 51/2013, toda organização policial também deverá ter uma linha de promoções unificada. Hoje, por exemplo, existem linhas de carreira separadas para oficiais e praças, e dificilmente um policial iniciante chega a coronel. A mesma coisa acontece nas polícias civis, entre agentes e delegados. A carreira única não abrange funções auxiliares.

Além do mais, a proposta garante a manutenção de todos os direitos trabalhistas dos profissionais da segurança, pois o objetivo é que os policiais sejam, devidamente, mais valorizados perante a sociedade e o poder público.

A título de comparação seguem alguns Direitos Humanos que os policiais civis possuem e que os policiais militares não:

– Liberdade de expressão;
– Não ser arbitrariamente preso (no quartel);
– Poder se organizar em sindicato para defender coletivamente seus direitos e interesses.
Sendo assim, não só a sociedade – que terá uma polícia treinada não para a guerra, mas para a proteção dos direitos e promoção da cidadania – sairá ganhando. Os servidores também serão extremamente beneficiados.

4 – A ONU recomenda a desmilitarização

A ONU sugere o fim da militarização das polícias em todo o globo e, em 2012, em seu relatório, divulgado pelo seu Conselho de Direitos Humanos, pediu ao Brasil maiores esforços para combater a atividade dos “esquadrões da morte” e a supressão da Polícia Militar, acusada de numerosas execuções extrajudiciais.

Esta foi uma de 170 recomendações que os membros do Conselho de Direitos Humanos aprovaram como parte do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, uma avaliação à qual se submetem todos as nações.

Na ocasião, países como Dinamarca, Coréia do Sul, Austrália e Espanha também aconselharam uma total reformulação no modelo de polícia adotado por nosso país.

5 – Muitos países já aderiram à desmilitarização

Na Argentina não há força policial com caráter militar. No Reino Unido também não, mas sua Royal Military Police (RMP) ainda existe apenas para policiar a comunidade militar em todo o mundo.
A Bélgica não tem mais uma força policial militar. Há um serviço policial baseado nos princípios de policiamento comunitário, o que significa que a polícia funciona como um órgão de prestação de serviço para cada cidadão e não mais como um instrumento de força para o governo local ou nacional.

Para surpresa dos mais conservadores e admiradores dos Estados Unidos, nesse país também não existe segmento de cunho militar na segurança pública. Há, porém, a chamada Guarda Nacional, composta por pessoas que se alistaram, mas não foram chamadas para servir o Exército, a Marinha ou a Aeronáutica. A guarda é chamada para atuar em casos de grandes desastres ou catástrofes, que coloquem em risco a segurança nacional (como furacões na Flórida). Esse modelo estadunidense é bem parecido com o que propõe a PEC 51, dando ainda mais controle para os municípios.

Na terra do Tio Sam, na Inglaterra e em outros países que adotam o sistema anglo-saxão, as policias são compostas exclusivamente por civis e são de ciclo completo, isto é, o policial ingressa na carreira para realizar funções de policiamento ostensivo e, com o passar do tempo, pode optar pela progressão para os setores de investigação na mesma polícia.

O êxito da desmilitarização pode também ser conferido no balanço da 7ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2013, que revelou que 70,1% dos brasileiros não confiam na polícia. O número foi 8,6% maior do que o registrado em 2012, quando 61,5% da população desconfiava da atuação policial. Paradoxalmente, o índice de aprovação é inverso nos EUA e no Reino Unido. Cerca de 80% dos cidadãos americanos e britânicos dizem confiar em suas polícias.

Ademais, na maioria dos países que possuem polícia militar, esta fica responsável pelo policiamento interno dos quartéis ou em regiões de fronteiras nacionais.

Fontes:

• Terra – Polícia brasileira mata e morre mais do que em outros países
• UOL – Em 10 anos, polícia do RJ mata quase o dobro que a polícia de todos os EUA
• Senado Federal – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO nº 51, de 2013
• Câmara dos Deputados – Proposta de Emenda à Constituição 430/2009
• Senado Federal – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO nº 102, de 2011
• G1 – Conselho da ONU recomenda fim da Polícia Militar no Brasil
• UOL – Pesquisa diz que 77,2% dos policiais são a favor da desmilitarização da PM
• G1 – PMs do Rio apoiam desmilitarização da polícia em pesquisa da FGV
• BBC – Saiba quais são os países onde os policiais não usam armas
• FOLHA – Saiba como funciona a polícia em cinco países
• Época – “Precisamos desmilitarizar as polícias”, diz especialista europeu

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