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TRF1 obriga Incra a concluir processo de identificação e delimitação de território quilombola

Situadas em Patos de Minas, região Noroeste de Minas Gerais, as terras reivindicadas pela Comunidade de São Sebastião são palco de constantes conflitos agrários

MPF/MG

O Ministério Público Federal em Patos de Minas (MPF) obteve liminar que obrigou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a elaborar e concluir, no prazo de 180 dias, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da Comunidade Remanescente de Quilombo de São Sebastião, situada em Patos de Minas, na região noroeste do estado.

A decisão foi proferida pelo desembargador federal Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), acatando recurso interposto pelo MPF contra decisão do juízo federal de Patos de Minas [1ª instância], que havia negado a concessão da liminar.

A Comunidade de São Sebastião habitou terras situadas nos arredores das Fazendas São Luís e São Bernardo, no distrito de Boassara, em Patos de Minas. A certidão de auto-reconhecimento foi emitida pela Fundação Cultural Palmares no ano de 2014 e em seguida foi instaurado no Incra o respectivo processo visando à futura titulação do território.

No dia 6 de novembro daquele ano, os integrantes da comunidade foram expulsos do local após ordem judicial proferida em Ação Reintegratória de Posse. Contudo, tal ação, que tramitava perante a Justiça Estadual, foi posteriormente declinada para a Justiça Federal.

Acontece que, nesse período, os conflitos pela posse do território acirraram-se: além das pessoas que supostamente detêm a titularidade das terras, membros do Movimento dos Sem Terra (MST) também chegaram ao local e passaram a disputá-las com os quilombolas.

Em março de 2016, os integrantes da Comunidade de São Sebastião tentaram voltar para seu local de origem, mas foram impedidos pelos Sem Terra, que bloquearam a estrada de acesso à fazenda anteriormente ocupada pelos quilombolas.

O MPF considera que o Incra, embora reconheça a situação de conflito, nada fez para agilizar os trabalhos de regularização fundiária e, passados cerca de dois anos da instauração do processo, sequer deu início ao RTDI, nem mesmo informando prazo para começo dos trabalhos.

Frustração de direitos – A Constituição Federal de 1988 assegurou a proteção das terras que estejam ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos, dispondo que a elas seria “reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos” ((art. 68 do ADCT).

Trata-se, segundo o MPF, de um direito que se relaciona intimamente com a proteção conferida aos diversos grupos sociais formadores da sociedade brasileira, cujo respeito é exigido do Estado pelos artigos 215 e 216 do texto constitucional, atribuindo aos seus modos de criar, fazer e viver a condição de integrante do patrimônio cultural brasileiro. Ou seja, “Protege-se a terra que ocupam, não apenas por uma questão de sobrevivência da comunidade, mas sim para preservar suas tradições, os costumes e sua organização social; em outras palavras, busca-se a sobrevivência cultural da comunidade”.

No entanto, a ação afirma que “o direito constitucional à terra vem sendo cotidianamente frustrado pelo Estado Brasileiro, uma vez que a autarquia federal responsável pela titulação dessas áreas não dispõe minimamente da estrutura adequada para o cumprimento da sua finalidade legal”.

Com isso, acaba-se desrespeitando não somente os prazos para conclusão dos processos de delimitação, titulação e registro estabelecidos em regulamentos do próprio Incra, como também o direito fundamental à razoável duração do processo garantido pela Constituição.

O MPF lembra que a comunidade conta inclusive com um idoso de mais de 100 anos e outro de 85 anos, situação que, pela Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), lhes garante prioridade na tramitação de feitos.

Na verdade, a falta de estrutura, aliada ao grande número de processos, tem sido a justificativa recorrente do Incra ao ser questionado a respeito da demora na conclusão dos relatórios de identificação e delimitação de territórios quilombolas.

Para o Ministério Público Federal, nada justifica a desídia e omissão do Estado brasileiro. “Fato é que se está diante de área integrante de território quilombola, ainda não titulado em razão da mora do Poder Público, e esta comunidade não pode pagar o preço do desaparecimento por não estarem estabelecidos em território historicamente por eles ocupados, a despeito das disputas e retiradas. Nesse contexto, não é só a terra que se perde, pois a identidade coletiva daquela comunidade corre enorme risco de também sucumbir”, registra a ação.

Em decisão proferida no último dia 2 de março, o desembargador federal do TRF1 disse que “embora eventuais dificuldades de ordem operacional, por parte da Administração, possam inviabilizar a elaboração, a tempo de modo, do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação – RTID da área de remanescentes de quilombolas descrita nos autos, na hipótese em comento, o requerimento de regularização fundiária remonta há mais de 2 (dois) anos, sem que sequer tenha sido concluído o aludido Relatório, que consiste numa das primeiras fases do respectivo procedimento administrativo, e sem qualquer perspectiva quanto à sua conclusão, o que não se admite, em casos que tais, em manifesta violação aos princípios da eficiência, da moralidade e da razoável duração do processo”.

Ao deferir o pedido feito pelo MPF, Souza Prudente também impôs multa no valor de mil reais por dia de atraso no cumprimento da ordem.

ACP nº 2230-19.2016.4.01.3806

Foto de João Zinclar

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