Pesquisadores internacionais discutem as periferias na Maré

Julianne Gouveia – ANF

Pensar a ideia de periferia. Esta foi a missão nada fácil de ativistas, pesquisadores e intelectuais de 15 países, reunidos no Complexo da Maré durante a última semana. Eles participaram do seminário internacional “O que é a periferia afinal e qual o seu lugar na cidade?”, que aconteceu nos dias 16 e 17 de março no Galpão Bela Maré.

Organizado pelo Observatório das Favelas, o encontro tinha como objetivo principal ir além da mera discussão e fortalecer uma rede internacional de pensadores e organizações que atuam nas periferias, interessados em debater a própria realidade de maneira construtiva. Entre as muitas questões fundamentais tratadas nos dois dias do evento, estiveram as diferenças locais entre as periferias pelo mundo, os estereótipos, o estímulo à produção cultural local, comunicação e moradia.

– Esta rede busca congregar ativistas, artistas e pesquisadores que juntos possam formular um conceito potente de periferias tanto artístico quanto cultural, mas também no plano da habitação e sobretudo na invenção de novos direitos, explica o coordenador do Observatório das Favelas e articulador da rede Jorge Barbosa.

O seminário internacional “O que é a periferia afinal e qual o seu lugar na cidade?” espera gerar frutos na área de formação através de cursos de especialização e pesquisas em universidades e ONGs, ajudando a inserir moradores de favela na academia. O encontro também lança em breve a Carta da Maré, que apresenta características que unificam e aproximam os territórios periféricos, independentemente dos países onde estejam. “Essa carta vai orientar um conjunto de ações e proposições a partir do conceito de potência da periferia, superando os estigmas de violência e o estereótipo de carência que as marcam profundamente”, resume Jorge.

África no mapa das periferias globais

Mais de 100 convidados de diferentes países, incluindo México, Colômbia, Costa Rica, Inglaterra, Escócia, Itália e Índia, participaram do encontro “O que é a periferia afinal e qual o seu lugar na cidade?”. Também conhecida no mundo pelos estereótipos relacionados a pobreza e miséria, a África marcou presença no seminário principalmente através dos países de língua portuguesa, que compartilharam as visões de suas e de outras realidades durante o evento.

“O olhar (dos países) de fora para o Brasil é o mesmo que o chamado asfalto tem para a favela”, opina o cabo-verdiano Redy Wilson. Doutorando em Estudos Urbanos na Universidade de Lisboa, Redy coordena o Instituto de Estudos Urbanos e Culturais de Cabo Verde e tem como objeto de pesquisa as gangues de rua locais enquanto grupos sociais, que não possuem ligação com o crime ou ao narcotráfico – ao contrário do que acontece majoritariamente no Brasil.

– Há, sim, muita violência urbana e homicídio juvenil. Vivemos esta realidade também, mas a similaridade acaba aí. Existe violência policial, mas esta é uma política internacional (de combate ao crime), ainda que cada país tenha a sua própria especificidade – afirma.

Na pequena Guiné-Bissau do sociólogo e pesquisador sênior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) Miguel de Barros, a baixa criminalidade e a inexistência de violência policial, tão comuns ao universo das periferias brasileiras, são possíveis, em sua opinião, pelo empoderamento comunitário.

– A comunidade se autorregula através de mecanismos culturais. O estado perde seu elemento fundador quando retira das cidades esse componente mais humanizado, mais comunitário, e o coloca dentro de uma lógica individualizada. Mas existe uma maior pré-disposição (na Guiné-Bissau) dessas estruturas comunitárias de permitirem uma certa resposta às fragilidades do Estado.

A força das comunidades também rege a autogestão e a preservação das áreas verdes do país. Apesar de a economia local ser bastante dependente da agricultura, 24% do território é composto por áreas de proteção ambiental habitadas por comunidades tradicionais, que vivem em um universo à parte dos grandes centros. A sustentabilidade é garantida através de saberes ancestrais dos povos que vivem nestes espaços há centenas de anos e hoje seguem na luta pela sobrevivência.

– A questão da apropriação de práticas das políticas públicas deve partir da conscientização da população local. Isso significa capacitar as pessoas a pensarem seus modelos de governança e a também trazerem o que está não só no âmago da sua cultura, mas que tracem novas matrizes culturais, entendendo a evolução da própria vida humana, finaliza Miguel.

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