Fístula Obstétrica e a violação de direitos

Emanuelle Goes para Cientista Feminista

A fístula obstétrica consiste num orifício entre e a vagina e a bexiga e/ ou reto, resultante da necrose dos tecidos por compressão da cabeça do feto numa circunstância de trabalho de parto demorado (UNFPA, 2013).  Esta complicação ocorre devido ao acesso precário aos serviços de saúde no parto, sendo que mulheres que moram em zona rural, sem serviços e sem transporte são as mais expostas.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a fístula obstétrica afeta mais de 2 milhões de mulheres no mundo, principalmente nos países localizados na África e na Ásia. O perfil de mulheres mais afetadas inclui mulheres e meninas em situação de pobreza, com baixa escolaridade e que na maioria das vezes vivenciam o casamento forçado e a gravidez prematura.

Mulheres e o isolamento social

São várias as consequências, desde incontinência urinária e/ou fecal constante através da vagina, causando um odor desagradável e podendo gerar ulcerações ou queimaduras nas pernas, ou até mesmo consequências mais graves como a morte materna, pois a situação pode levar a uma septicemia (infecção generalizada). Após a complicação, as mulheres e meninas com fístula obstétrica vivenciam o isolamento social.

As mulheres também são afetadas psicologicamente por conta dos danos causado pela fístula e da rejeição social e isolamento. Muitas acabam por ser abandonadas pelos maridos, pela família e pela comunidade, que as discriminam por não aguentar o odor constante da urina e das fezes.

Os maridos abandonam as mulheres/meninas para procurar outra mulher “saudável”, e essas não podem retornar à família de origem porque dentro deste contexto cultural as mulheres pertencem ao marido após o casamento, e o destino delas é determinado por ele.

O filme “Dry”

Dry é um filme nigeriano que trata sobre o assunto da fístula obstétrica e tudo que cerca esta complicação: o casamento forçado de meninas, a gravidez precoce, a solidão e a discriminação, assim como o ativismo pelos direitos humanos de mulheres e meninas que estão nesta situação.

O filme narra a história de uma menina de 13 anos de idade, cujos pais pobres, sem escolaridade, a oferecem para casar com um homem de 60 anos, que constantemente a estupra. A garota fica grávida e sofre fístula obstétrica após o parto. Consequentemente, é abandonada pelo marido e discriminada pela sociedade. A médica, outra personagem que também sofreu na adolescência, salva outras mulheres jovens sob as mesmas circunstâncias.

São muitas as questões que merecem ser discutidas no filme, mas duas passagem destaco aqui. Primeira: quando a menina está sozinha, uma das esposas do marido que a abandonou leva comida pra ela, a encontra chorando e pergunta o que ela quer:“quero minha infância de volta, queria sorrir novamente, cantar, sentar com meu pai e minha mãe, você pode me dar isso?” indaga a menina. A segunda passagem que vale a pena ser destacada é quando a medica nigeriana que foi vítima da fístula obstétrica diz, ao denunciar a situação de descaso/violência/violação no parlamento: “antes de ser mulher somos seres humanos, não somos objetos e queremos viver nossa infância de forma plena”. 

Destaco estas duas passagens no diálogo com o texto para evidenciar o quanto as violências causadas pelas desigualdades de gênero expõem as mulheres desde sua infância, com o destino traçado por culturas machistas e patriarcais.

Medidas de Erradicação da Fístula Obstétrica

Estima-se que existam pelo menos dois milhões de mulheres afetadas por esta condição, e a cada ano há entre 50 mil e 100 mil novos casos, de acordo com o Fundo de População das Nações Unidas. A fístula obstétrica pode ser considerada um indicador de desigualdade de gênero, de saúde e de pobreza.

São necessários investimentos de diversas ordens para a erradicação da fístula obstétrica, incluem medidas relacionadas aos serviços de saúde, como ampliação de serviços de saúde reprodutiva, serviços especializados e treinamentos de profissionais de saúde e dos médicos para a realização da cirurgia (que tem mais de 90% de sucesso). A cirurgia para tratamento da fístula obstétrica consiste em fechar o orifício criado durante o longo parto, possibilitando que a bexiga volte ao seu funcionamento normal.

A garantia da igualdade de gênero e equidade de direitos para mulheres e meninas, com a erradicação do casamento forçado e do analfabetismo e a eliminação da pobreza. Segundo as Nações Unidas o número de mulheres e meninas casadas durante suas infâncias poderá chegar a 1 bilhão em 2030. Neste sentido, a eliminação do casamento infantil faz parte da meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (2015-2030), juntamente com a eliminação de outras práticas nocivas às mulheres.

Desta forma, é importante relembrar das agendas de Cairo (Conferencia Internacional sobre População e Desenvolvimento, 1994), que asseguram a integridade à saúde sexual e reprodutiva de mulheres e meninas, e de Pequim (Conferência Mundial sobre as Mulheres, 1995) com vistas às correções de injustiças sociais e reprodutivas.

Visibilidade a todo tipo de violência e violação das Mulheres no Mundo. Se a tradição, a cultura, ou qualquer outra coisa neste sentido, viola o direito à vida e a dignidade humana, contradizendo direitos humanos fundamentais de mulheres e meninas, estes devem ser erradicados. E se nós vendamos os olhos para situações como estas estamos extinguindo a humanidade.

Referencia

UNFPA. Estratégia Nacional de Prevenção e Tratamento de Fístula Obstétrica. Moçambique. 2013.

UNFPA. Mensagem por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Fístula Obstétrica. 2015.

Comments (1)

  1. oi gente gostaria de dar os parabéns pelo site de vocês e dizer gosto muito do coneúdo sobre medicina
    sou pediatra e adoro saber sobre patologias diferentes.
    abraços diego

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

treze − cinco =