Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Está em Campo Grande, São Mateus, a maior concentração de exploração de petróleo e gás em terra do Espírito Santo. A comunidade tem na pesca e na cata de caranguejos, além de pequena agricultura de subsistência, suas atividades econômicas tradicionais. Ou tinha. Desde o rompimento da barragem de Fundão da Samarco/Vale-BHP, a lama de rejeitos de mineração que se estabeleceu no mar e nos manguezais simplesmente impossibilitou a continuidade dessas atividades.
Antes do maior crime socioambiental da história do País, no entanto, a região já vinha sendo duramente agredida pela exploração terrestre de petróleo e gás, cujos campos estão espalhados por vasta região do norte capixaba e a produção é escoada pelo Terminal Norte Capixaba (TNC), instalado na outrora bucólica Campo Grande.
Em visita à comunidade nesta última semana de abril, na região norte do Estado, ativistas da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) recolheram impressões e depoimentos dos moradores sobre os problemas socioambientais decorrentes da cadeia produtiva do petróleo, com que sofrem há décadas.
Os vazamentos de óleo e gás, por exemplo, não se restringem aos grandes, noticiados nos jornais e acompanhados pelos órgãos ambientais. Pequenos vazamentos são muito comuns e sequer são levados a conhecimento da sociedade e do Estado, contaminando, silenciosa e cotidianamente, a água, o solo, os manguezais, o mar, a alma.
“É preciso haver uma fiscalização muito maior”, reclama Daniela Meireles, educadora da Fase. Nessa rodada de visitas à região de Campo Grande, a população voltou a se queixar dos órgãos ambientais, que multam o pequeno agricultor, o pescador, mas simplesmente não fiscaliza os vazamentos e, quando o fazem, as empresas conseguem se abster de pagar as multas.
Royalties?
Perdas de áreas de pesca, perdas de áreas agricultáveis, perda da renda, perda da esperança. Comunidades com baixo Produto Interno Bruto (PIB) e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e baixa organização social, todas essas agressões ao seu ambiente e à sua estrutura comunitária, além de impostas, sem a devida participação dos moradores, não recebe, sequer, compensações dignas.
“Quando as empresas encontram petróleo, a partir das pesquisas sísmicas, que já abalam as comunidades, o petróleo é da União e os proprietários de terra onde ele é encontrado se tornam superficiários. São obrigados a assinar um termo de servidão de uso do solo pelas petroleiras”, descreve Daniela.
A única “compensação” que esses superficiários recebem são os royalties, que, na região, ficam em torno de R$ 100,00 a R$ 200,00 por família, por ano. “Houve caso de uma família quilombola receber R$ 2,00 de royalties”, relembra, indignada, a educadora.
Ferrugem na água
E mesmo depois que os poços entram no esgotamento, a área fica improdutiva para a agricultura e a pesca, relata Daniela. Resíduos, lama tóxica, verdadeiras piscinas desse material poluente permanecem, impossibilitando as atividades econômicas tradicionais dos moradores e provocando doenças.
“A condição da água é chocante”, afirma a ativista. “Depois que o petróleo começa a ser explorado, a água fornecida à população fica com cor e sabor de ferrugem. Quem tem condições, compra água mineral ou então tenta algum tratamento caseiro com cloro”, lamenta.
O tráfego de caminhões, a poluição visual e sonora dos chamados “cavalinhos”, que retiram o óleo subterrâneo, e a presença de muitos homens dentro das comunidades são outros problemas dos quais as pessoas se queixam. Muitas processam as empresas, mas via de regra, não conseguem êxito na Justiça.
Campos maduros
No próximo dia 11 de maio, haverá um leilão de campos maduros de petróleo – campos antigos, que já estão com produção em declínio e são ofertadas para exploração por empresas menores, que os utilizam para testar novas tecnologias.
No Espírito Santo, seriam ofertados quatro campos, mas dois foram impedidos pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), por estarem sobrepostos a Unidades de Conservação em Conceição da Barra e Foz do Rio Doce. Os dois que foram permitidos estão em São Mateus: Mariricu e Garça Branca, este, praticamente dentro da cidade.
A Campanha Nem Um Poço a Mais, da qual a Fase faz parte, junto a dezenas de associações, cooperativas e organizações de pescadores, catadores, agricultores, quilombolas e outras comunidades afetadas pela exploração de petróleo e gás, planeja aproveitar a data do leilão para aprofundar a reflexão sobre a real viabilidade social, econômica e ambiental da expansão da atividade, principalmente em terra.
“Quando o mundo todo questiona a queima de combustíveis fósseis e os impactos disso sobre o clima, é correto continuar abrindo mais poços de petróleo e gás?”, indaga.
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Imagem: Reprodução da Fase.